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terça-feira, 28 de junho de 2011

Pintura e Sensação

«Há duas maneiras de ultrapassar a figuração (ou seja, ao mesmo tempo o ilustrativo e o narrativo): ou em direcção à forma abstracta ou em direcção à Figura. Cézanne deu um nome simples a esta via da Figura: a sensação. A Figura é a forma sensível na sua relação com a sensação; age de modo imediato sobre o sistema nervoso, que é carne. Inversamente, a Forma abstracta dirige-se ao cérebro, age por intermédio do cérebro, mais aproximado ao osso. Decerto que Cézanne não inventou esta via da sensação na pintura. Mas deu-lhe um estatuto sem precedentes. A sensação é o contrário do fácil e do já pronto, do cliché, mas também do «sensacional», do espontâneo, etc. A sensação tem uma face voltada para o sujeito (o sistema nervoso, o movimento vital, o «instinto», o «temperamento», todo um vocabulário comum a Cézanne e ao Naturalismo), e tem uma face virada para o objecto (o «facto», o lugar, o acontecimento). Ou, dizendo de outra maneira, não tem qualquer face, é as duas coisas numa ligação indissolúvel, é o estar-no-mundo, como dizem os fenomenólogos: ao mesmo tempo. eu devenho na sensação e algo acontece pela sensação, uma coisa por intermédio da outra, uma coisa dentro da outra. No limite, é o mesmo corpo que dá a sensação e que recebe a sensação, é o mesmo corpo que é ao mesmo tempo objecto e sujeito. Eu, espectador, só experimento a sensação entrando dentro do quadro, acedendo à unidade do que sente e do que é sentido. A lição de Cézanne - para lá dos impressionistas - é a seguinte: não é no jogo «livre» ou desencarnado da luz e da cor (impressões) que está a Sensação; pelo contrário, ela está no corpo, ainda que seja no corpo de uma maçã. A cor está no corpo, a sensação está no corpo, e não no ar. A sensação é o que é pintado. O que está pintado dentro do quadro é corpo, não na medida em que o corpo é representado como objecto, mas na medida em que é vivido como experienciando uma determinada sensação (aquilo a que D.H. Lawrence chamava «a maçanidade da maçã».»

Gilles Deleuze, Francis Bacon, Lógica da Sensação

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