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Aluno e Professor. Sempre aluno.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

The Smiths - What Difference Does It Make ?

Futuro

«O Deus de Moisés está sempre para lá, sempre além. A sua raiz verdadeira - o bem - não está no passado, mas no futuro. O passado e o presente têm valor para o futuro. A concepção judaica  do tempo diverge profundamente não só da concepção "circular" dos Gregos, mas também da concepção "linear" do cristianismo histórico, pauliniano. O tempo judaico centra-se não no presente do Cristo, mas no futuro do Deus sempre outro e sempre além, do Deus "outro que o ser". Se o passado 
e perigo e ameaça, o presente é deserto, não tem qualquer valor em si. A Terra a habitar é sempre o futuro. Toda a cadeia do tempo está suspensa do futuro. Por isso, o deserto não é um período de provação, mas um destino. É a condição permanente do povo judeu.»

Vitiello, Vincenzo, «Deserrto, ethos, abandono, Contribuição para uma topologia do religioso, in Derrida, Jacques e Vattimo, Gianni, A Religião 

sábado, 24 de setembro de 2011

Pat Metheny Trio - Medley [2004] HD

Introversão e extroversão

«Em todas as pessoas desenrola-se, em maior ou menor grau, uma luta entre duas forças: o desejo de privacidade e a vontade de conhecer novos lugares: a introversão, ou seja, o interesse dirigido para o próprio e para a vida interior de pensamento e desejo vigorosos; e a extroversão, o interesse dirigido para fora, para o mundo exterior de pessoas e valores tangíveis. Vejamos um exemplo simples: o académico - e por académico refiro-me tanto a professores como a estudantes universitários - pode por vezes apresentar ambos os aspectos. Pode ser um rato de biblioteca e pode também ser sociável e o rato de biblioteca e o sociável podem lutar dentro de um mesmo homem. Um estudante que obtenha ou deseje obter prémios por conhecimento adquirido pode também desejar, ou pode ser esperado dele que deseje, prémios por aquilo a que chamamos capacidade de liderança. Temperamentos diferentes tomam decisões diferentes, claro, e há mentes em que o mundo interior triunfa de forma persistente sobre o exterior, e vice-versa. Mas temos de ter em conta o próprio facto de que existe ou pode existir uma luta entre as duas versões do homem num mesmo homem - introversão e extroversão. Conheci estudantes que na busca da vida interior, na ardente busca de conhecimento, de um assunto favorito, tiveram de tapar os ouvidos com as mãos para calar o barulho constante da vida de residência universitária; mas ao mesmo tempo estariam cheios de um desejo gregário de se juntarem à diversão, de ir à festa ou à reunião, de trocar o livro pelo bando.
Este estado de coisas não está muito longe dos problemas de escritores como Tolstói, em que o artista luta com o pregador; o grande introvertido com o vigoroso extrovertido. Tolstói tinha decerto a noção de que nele como em muitos outros escritores se travava a luta entre a solidão criativa e o desejo de associação com o resto da humanidade - a batalha entre o livro e o bando. Em termos tolstoianos, nos símbolos da filosofia tardia de Tolstói depois de terminada Anna Karénina, a solidão criativa tornou-se sinónimo de pecado: era egoísmo, era mimar-se a si próprio e, portanto, pecado. Reciprocamente, a ideia de toda a humanidade era em termos tolstoianos a ideia de Deus: Deus está no homem e Deus é amor universal. E Tolstói defendia a perda da personalidade de cada um neste amor universal. Sugeriu, por outras palavras, que na luta pessoal entre o artista sem deus e o homem devoto, este último devia ganhar se o homem-síntese deseja ser feliz.
Devemos ter uma visão lúcida destes factos espirituais de modo a apreciar a filosofia da história A Morte de Ivan Iliitch. Ivan é obviamente John em russo, e John em hebraico significa Deus é Bom, Deus é Gracioso. Sei que não é fácil para quem não fala Russo pronunciar o patronímico Iliitch, que obviamente significa filho de Ilya, a versão russa do nome Elias ou Elijah, que, significa, a propósito, Jeová é Deus, em hebraico. Ilya é um nome comum na Rússia, que se pronuncia de um modo muito aproximado ao il y a francês; e Iliitch pronuncia-se Ill-Itch - os males e comichões da vida mortal.»

Vladimir Nabokov, «Posfácio» a A Morte de Ivan Iliitch, de Lev Tolstói   

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Caetano Veloso - Sozinho

Sonho

«Que a vida do homem é apenas um sonho, é coisa que já ocorreu a muitos, e eu também arrasto comigo esta sensação. Quando vejo os limites que aprisionam as forças da acção e da pesquisa no homem; quando vejo como toda a actividade está orientada para conseguir a satisfação de necessidades que, por sua vez, não têm outro fim senão prolongar a nossa pobre existência; quando verifico como ficamos tranquilos sobre certas questões a investigar, e que isso não é mais do que uma resignação ilusória, pois andamos a pintar com desenhos coloridos e panoramas resplandecentes as paredes que nos mantêm presos - tudo isto, Wilhelm, tira-me a fala. Volto-me então para mim próprio e encontro todo um mundo! De novo mais por intuição e avidez obscura do que em representação ou força viva. Sinto então uma enorme insegurança e continuo, sorrindo, a andar pelo mundo como em sonhos.»

Johann Wolfgang Goethe, A Paixão do Jovem Werther

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Formas de Governo

«As leis que regem as formas de governo não são idênticas às de outros artifícios, em que podemos substituir um utensílio velho se descobrirmos outro mais cómodo e adequado ou temos a possibilidade de fazer ensaios sem quaisquer riscos, por mais duvidoso que seja o seu êxito. Um governo estável oferece uma vantagem infinda pela simples cisrcunstância de ser estável. A maioria dos homens só se deixa governar pela autoridade, não pela razão e só reconhece autoridade ao que leva a marca do que é antigo. Por este motivo, um político ilustrado não pode intervir nestes assuntos apenas com base em argumentos ou na filosofia, nunca devendo deixar de reverenciar as coisas que têm a marca do tempo. Mesmo que procure introduzir certas melhorias no sentido do bem comum, deve procurar ajustar as suas inovações, tanto quanto possível, à trama antiga, preservando a integridade dos principais pilares e fundamentos da constituição.
Desde há muito que os matemáticos da Europa se dividiam sobre que forma deveria ter o navio melhor adaptado à navegação. Huygens - que, no final, encerrou a controvérsia - é justamente considerado como tendo satisfeito quer os letrados, quer os comerciantes, ainda que Colombo haja navegado até à América e Sir Francis Drake dado a volta ao mundo sem o apoio da sua descoberta. Do mesmo modo, uma forma de governo pode ser mais perfeita do que outra, independentemente dos costumes e do carácter dos homens. Porque não poderemos, assim, inquirir qual a melhor de todas, ainda que os governos actuais, apesar de descuidados, pareçam satisfazer os objectivos da sociedade e ainda que não seja tão fácil estabelecer de raiz um sistema de governo quanto construir um navio de acordo com um novo projecto? De todos quantos a inteligência humana pode conceber, este tema é, sem dúvida, o que merece mais atenção. E quem sabe se esta controvérsia, depois de resolvida pelo consenso universal dos homens sábios e ilustrados, não poderá futuramente passar da teoria à prática, quer através da dissolução da antiga forma de governo, quer pela instauração de uma nova nalguma parte remota do mundo? Em qualquer caso, é sempre útil saber qual o governo mais perfeito dentro do seu género, de modo a podermos forjar uma constituição ou uma forma de governo real tão próxima do modelo quanto possível, introduzindo apenas correcções e melhoramentos de tal forma subtis que não provoquem demasiada perturbação na ordem social.»

David Hume, Ideia de uma República Perfeita

The Style Council - Homebreakers/Walls Come Tumbling Down (Whistle Test, 1985)

Friends and enemies

«The friend and enemy concepts are to be understood in their concrete and existential sense, not as metaphors or symbols, not mixed and weakened by economic, moral, and other conceptions, least of all in a private-individualistic sense as a psychological expression of private emotions and tendencies. They are neither normative nor pure spiritual antitheses. Liberalism in one of its typical dilemmas (...) of intellect and economics has attempted to transform the enemy from the viewpoint of economics into a competitor and from the intelectual point into a debating adversary. In the domain of economics there are no enemies, only competitors, and in a thoroughly moral and ethical world perhaps only debating adversaries. It is irrelevant here whether one rejects, accepts, or perhaps finds it an atavistic remnant of barbaric times that nations continue to group themselves according to friend and enemy, or hopes that the antithesis will one day vanish from the world, or whether it is perhaps sound pedagogic reasoning to imagine that enemies no longer exist at all. The concern here is neither with abstractions nor with normative ideals, but with inherent reality and the real possibility of such a distinction. One may or may not share these hopes and pedagogic ideals. But, rationally speaking, it cannot be denied that nations continue to group themselves according to the friend and enemy antithesis, that the distinction still remains actual today, and that this is an ever present possibility for every people existing in the political sphere.»

Carl Schmitt, The Concept of the Political

Ella Abraca Jobim/Photograph /Fotografia

Liberdade de expressão

«Reconhecemos que a liberdade de opinião e a liberdade de expressar opiniões são necessárias para o bem-estar mental da humanidade (do qual todo o seu restante bem-estar depende), com base em quatro fundamentos distintos, que agora brevemente recapitularemos.
Em primeiro lugar,  ainda que uma opinião seja votada ao silêncio, essa opinião pode, tanto quanto sabemos, ser verdadeira. Negar isto é pressupor a nossa própria infalibilidade.
Em segundo lugar, embora a opinião silenciada esteja errada, pode conter uma porção de verdade, o que frequentemente acontece; e dado que a opinião geral ou prevalecente sobre qualquer assunto raramente ou nunca constitui a verdade por inteiro, é apenas através do conflito de opiniões opostas que o resto da verdade tem alguma hipótese de vir ao de cima.
Em terceiro lugar, mesmo que a opinião dominante não seja apenas verdadeira, mas constitua também a verdade por inteiro; a não ser que se deixe que seja vigorosa e honestamente contestada, e a não ser que isso de facto aconteça, será mantida como um preconceito pela maior parte dos que a aceitam, havendo pouca compreensão ou sentimento em relação aos seus fundamentos racionais. E não apenas isto, mas, em quarto lugar, o próprio significado da doutrina estará em perigo de ser perdido, ou enfraquecido, e privado do seu efeito vital sobre o carácter e a conduta; tornando-se o dogma uma mera crença formal, ineficaz para o bem, mas que estorva os fundamentos, e impede o aparecimento de qualquer convicção real e sentida, a partir da razão ou da experiência pessoal.»

John Stuart Mill, Sobre a Liberdade

domingo, 18 de setembro de 2011

Schubert Rosamunde Overture Muti Vienna Philharmonic

La Interioridad

«Este hombre nuevo es el hombre interior: «Vuelve en ti mismo; en el interior del hombre habita la verdad.» El hombre europeo ha nacido con esas palabras. La verdad está en su interior; se da cuenta por primera vez de su interioridad y por eso puede reposar en ella; por eso es independiente, y algo mas que independiente, libre.
Recobra su interioridad. Si observamos a los estoicos, con qué cautela hablan del «ánimo», como de un enfermo crónico al que hay que acallar y dormir! En el estoicismo, que tanta vigilia exige, por otra parte, hay un cuidado de mantener quieto y aun dormido algo terrible. Porque esta interioridad no tiene medida; si en ella se encuentra la verdad, también ese punto que la refleja en algún modo tiene que participar de su infinitud. Y así és: ser persona cristiana es ser infinito y sin medida; ser individuo estoico es tener una medida, es estar sujeto a un limite. El estoico toma de la vida la «carga proporcionada a sus fuerzas»; como dice Séneca: «hay que buscar que lo que soporta sea más fuerte que lo soportado»; el hombre es una criatura que está aún bajo la noción de cantidad, porque no había idea de creación.»

María Zambrano, La Agonía de Europa

Mariella Nava -Per Amore-

451

«Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, com, afinal, as paisagens são.
Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.
»Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará até ao fim do mundo.» Mas o fim do mundo, desde que o mundo se consumou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu. Na realidade, o fim do mundo, como o princípio, é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens têm paisagem. Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como às outras. Para quê viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e género das minhas sensações?
A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.»

Fernando Pessoa / Bernardo Soares, Livro do Desassossego 

Madredeus - Os Dias Sao a Noite

V. Entrada do Dr. Quaresma

«O que caracteriza o assassino, disse o dr. Quaresma, é um excesso de vida interior que não permanece interior. É terrível virarmo-nos do avesso... Todos nós somos assassinos latentes, mas, felizmente, não passamos de latentes... O homem que mata está em todos nós, mas, felizmente, amortecido. Somos todos assassinos que dormem...»

Fernando Pessoa, Quaresma o Decifrador

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Schumann Piano Concerto 1mov (1/3) Martha Argerich Riccardo Chailly Gewandhaus Orchestra

La Rima Facile, La Vita Difficile

La mia vita si appanna, e poi che piove
scelgo il passaggio sotto il tunnel dove
tutto è molliccio, ma però non piove.
Qui tra la gente solita, che muove
il passo verso le solite cose
anch'io mi muovo tra cose non nuove.
Più comune degli altri, non so dove
muove il mio passo stanco, che non vuole
tale apparire a se stesso ed altrove.
Quando a un tratto uno sguardo che sa dove
del mio corpo dirigersi e non vuole
mi sveglia in un baleno - ed è già altrove.
Invano io lo ricerco entro un antico
universo che mi era un giorno amico.

Quando più non pensavo a questa cosa
rintronò sotto il tunnel una gioiosa
voce che sovrastava ogni altra cosa.
Era un saluto postumo e lontano
postumo nel mio cuore, non lontano
nel tunnel più di un breve tratto umano.

Sandro Penna, Poesie Inedite (1927-1955)

In Paradisum (Faure) : Winchester Cathedral Choir

De Babel sobre os rios nos sentamos,

De Babel sobre os rios nos sentamos,
De nossa doce Pátria desterrados,
As mãos na face, os olhos derrubados,
Com saudades de ti, Sião, choramos.

Os órgãos nos salgueiros penduramos,
Em outro tempo bem de nós tocados;
Outro era ele, por certo, outros cuidados;
Mas por deixar saudades os deixamos.

Aqueles que cativos nos traziam
Por cantigas alegres perguntavam:
- Cantai - nos dizem - hinos de Sião.

Sobre tal pena, pena tal nos dão,
Pois tiranicamente pretendiam
Que cantassem aquele que choravam.

Luís de Camões

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

The Clark Terry Big BAD Band "Sheba"

Da Índia

«Calisto de Sequeira se veio cá mais humanamente, porque assi o prometeu em ua  tormenta grande em que se viu. Mas um Manuel Serrão, que, sicut et nos, manqueja de um olho, se tem cá provado arrezoadamente, porque fui tomado por juiz de certas palavras de que ele fez desdezer a um soldado, o qual, pela postura de sua pessoa era cá tido em boa conta.
Se das damas da terra quereis novas, as quais são obrigatórias a ua carta como marinheiros à festa de S. Frei Pêro Gonçalves, sabei que as Portuguesas todas caem de maduras, que não há cabo que lhe tenha os pontos, se lhe quiserem lançar pedaço. Pois as que a terra dá? Além de serem de rala, fazei-me mercê que lhe faleis alguns amores de Petrarca ou de Boscão; respondem-vos ua linguagem meada de ervilhaca, que trava na garganta do entendimento, a qual vos lança água na fervura da mor quentura do mundo. Ora julgai, Senhor, o que sentirá um estômago costumado a resistir às falsidades de um rostinho de tauxia de ua dama lisbonense, que chia como pucarinho novo com a água,  vendo-se agora antre esta carne de salé, que nenhum amor dá de si. Como não chorará las memorias de in illo tempore! Por amor de mim, que às mulheres dessa terra digais de minha parte que, se querem absolutamente ter alçada com baraço e pregão, que não receiem seis meses de má vida por esse mar, que eu as espero com procissão e pálio, revestido em pontifical, aonde estoutras senhoras lhe irão entregar as chaves da cidade, e reconhecerão toda a obediência, a que por sua muita idade são já obrigadas.»

Luís de Camões, Cartas

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Anna Calvi - Desire HD

Sainte

A la fenêtre recélant
Le santal vieux qui se dédore
De sa viole étincelant
Jadis avec flùte ou mandore,

Est la Sainte pâle, étalant
Le livre vieux qui se déplie
Du Magnificat ruisselant
Jadis selon vêpre et complie:

A ce vitrage d'ostensoir
Que frôle une harpe par l'Ange
Formée avec son vol du soir
Pour la délicate phalange

Du doight, que, sans le vieux santal
Ni le vieux livre, elle balance
Sur le plumage instrumental,
Musicienne du silence.

Stéphane Mallarmé, Poésie

Frank Sinatra & Antonio Carlos Jobim (1967) HQ

Como se na boca da trompete

Como se na boca da trompete
coloca-se a surdina sobre a vida
e a memória irrompe qual um vento
imitação de sons    de vozes    tiros
num escuro que nada mais já pode iluminar

Não há cheiro novo que resseja a planta
verdadeira    a genuína cor    o prato
a fumegar de uma sápida sopa inexistente
sopra-se na vida todo o ar que o tempo
nos pôs no peito em anos discorridos
e é cor de sombra agora o arco-íris

Pedro Tamen, Memória Indescritível 

Xutos & Pontapés - Remar Remar

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A vida natural

«A vida natural é uma vida configurada. O natural é a forma ínsita na vida e posta ao seu serviço. Se a vida se separar de tal forma, se pretender afirmar-se independentemente dela, se não quiser deixar-se servir pela forma do natural, destrói-se a si mesma até às raízes. A vida que se põe de modo absoluto como fim para si mesma autodestrói-se. O vitalismo desemboca necessariamente no niilismo, na destruição total do natural. A vida em si é, pois, um nada, um abismo, uma queda; é movimento sem fim, sem objectivo, movimento para o nada. Nunca descansa antes de ter implicado tudo neste movimento aniquilador. Este vitalismo está presente na vida individual e comunitária. Nasce da falsa absolutização de um conhecimento de per si justo, isto é, do conhecimento de que a vida não é só um meio para um fim, antes um fim em si mesma; e também este conhecimento vale quer para a vida individual quer para a vida comunitária. Deus quer a vida e dá-lhe uma forma que lhe permita viver, porque abandonada a si mesma pode somente aniquilar-se. Mas tal forma põe, ao mesmo tempo, a vida ao serviço de outras vidas e do mundo e faz dela, em sentido limitado, um meio para um fim. E como existe uma absolutização da vida enquanto vida fim para si mesma, tal como existe o vitalismo que aniquila a vida, assim existe também uma absolutização da vida como meio para um fim, absolutização que tem as mesmas consequências; e também isto vale para o indivíduo e para a comunidade. Podemos chamar a este falso caminho a mecanização da vida. Aqui o indivíduo considera-se apenas no seu valor utilitário para o todo, e a comunidade vê-se apenas no seu valor utilitário para uma instituição, organização ou ideia sobre-ordenada. O colectivo é o deus a que se sacrifica a vida individual e comunitária num processo de total mecanização. Aqui se extingue a vida, e a forma que existe para servir a vida assume o domínio ilimitado sobre a vida. O ser-fim para si mesma da vida é inteiramente abolido, e a vida precipita-se no nada; portanto,  logo que a mecanização matou a vida, ela própria, que só da vida extraía a sua força, deve em si mesma colapsar.»

Dietrich Bonhoeffer, Ética

sábado, 10 de setembro de 2011

Pat Metheny Trio - Lonely Woman [2004] HD

La Monja Gitana

A José Moreno Villa.

   Silencio de cal y mirto.
Malvas en las hierbas finas.
La monja borda alhelíes
sobre una tela pajiza.
Vuelan en la araña gris,
siete pájaros del prisma.
La iglesia gruñe a lo lejos
como un oso panza arriba.
Qué bien borda! Con qué gracia!
Sobre la tela pajiza,
ella quisiera bordar
flores de su fantasía.
Qué girasol! Qué magnolia
de lentejuelas y cintas!
Qué azafranes y qué lunas,
en el mantel de la misa!
Cinco toronjas se endulzan
en la cercana cocina.
Las cinco llagas de Cristo
cortadas en Almería.
Por los ojos de la monja
galopan dos caballistas.
Un rumor último y sordo
le despega la camisa,
y al mirar nubes y montes
en las yertas lejanías,
se quiebra su corazón
de azúcar y yerbaluisa.
Oh!, qué llanura empinada
con veinte soles arriba.
Qué ríos puestos de pie
vislumbra su fantasía!
Pero sigue con sus flores,
mientras que de pie, en la brisa,
la luz juega el ajedrez
alto de la celosía.

Federico García Lorca, Romancero Gitano

1984 Ladies in Mercedes

À Felicidade Viva

Qual é a cor que dou à pedra imóvel
ao animal, à forma que suspeito
sob a água sem lastro? Uma figura
como um círculo pura e grande espaço,
um esforço alegre, ó inviolável página!

Não há terror nem surpresa, reconheço
a ausência, um sorriso de começo,
uma vontade de ajudar talvez a flor,
ou antes a raiz, o gérmen, o romper
das folhas e corolas, largas faces,
que são mãos e punhos desatados,
ao rosto de ar, à felicidade viva!

António Ramos Rosa, Animal Olhar

Carla Bley & Steve Swallow Duets

Matin

«N'eus-je pas une fois une jeunesse aimable, héroique, fabuleuse, à écrire sur des feuilles d'or, - trop de chance! Par quel crime, par quelle erreur, ai-je mérité ma faiblesse actuelle? Vous qui prétendez que des bêtes poussent des sanglots de chagrin, que des malades désespèrent, que des morts rêvent mal, tâchez de raconter ma chute et mon sommeil. Moi, je ne puis pas plus m'expliquer que le mendiant avec ses continuels Pater et Ave Maria. Je ne sais plus parler!
Pourtant, aujourd'hui, je crois avoir fini la relation de mon enfer. C'était bien l'enfer; l'ancien, celui dont le fils de l'homme ouvrit les portes.
Du même désert, à la même nuit, toujours mes yeux las se réveillent à l'étoile d'argent, toujours, sans que s'émeuvent les Rois de la vie, les trois mages, le coeur, l'âme, l'esprit. Quand irons-nous, par delà les grèves et les monts, saluer la naissance du travail nouveau, la sagesse nouvelle, la fuite des tyrans et des démons, la fin de la superstition, adorer - les premiers! - Noel sur la terre!
Le chant des cieux, la marche des peuples! Esclaves, ne maudissons pas la vie.»

Jean-Arthur Rimbaud, Une Saison en Enfer

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Wilco: Wishful Thinking

Da Coragem Humana

«Se estás disposto a nunca usar da violência, e sempre resistindo, torna-te forte de corpo e de alma; é a mais difícil de todas as atitudes; exige a constante vigilância de todos os movimentos do espírito, o domínio completo de todos os impulsos dos nervos e dos músculos rebeldes; a agressão é fácil contra o mêdo e também a primeira solução; para que, em todos os instantes, a possas pôr de lado e substituí-la pela tranquila recusa, não te deves fiar nos improvisos; a armadura de que te revestes nos momentos de crise é forjada dia a dia e antes deles; faz-se de meditação e de ginástica, de pensamento definido e preciso e de perfeitos comandos; quando menos se prevê surge o instante da decisão; rápida e firme, sem emoções ou sufocando-as, tem que trabalhar a máquina formada.
Que trabalhar, sobretudo, humanamente; a visão do autómato é a pior de todas para os amigos do espírito; não serão teus elementos nem a secura, nem a estóica dureza, nem o ar superior, nem as cortantes palavras; requere-se no inabalável a humanidade, o sorriso afectuoso, a íntima bondade, a desportiva calma, amiga do adversário, de quem joga um bom jogo; sozinho guardarás as lutas interiores que tens de suportar, a batalha contínua para impores o silêncio aos instintos de ataque e da vingança; será tua boa auxiliar a pele dura e uma carne que, domada, suporte, sem revolta, as privações e os trabalhos; o óleo do ginásio  ajuda Marco Aurélio; quem se adivinha senhor de si melhor resistirá sem violência a tudo o que inventou a real fraqueza do contrário; e só tem que se guardar dos perigos da altivez e do desprezo.»

Agostinho da Silva, Considerações e Outros Textos

Franz Liszt - Années de pélerinage; Claudio Arrau

Virtù

«Io non credo che si trovi in tutte le memorie dell'antichità voce più lacrimevole e spaventosa, e con tutto ciò, parlando umanamente, più vera di quella che Marco Bruto, poco innanzi alla morte, si racconta che proferisse in dispregio della virtù: la qual voce, secondo che è riportata da Cassio Dione, è questa: «O virtù miserabile, eri una parola nuda, e io ti seguiva come tu fossi una cosa; ma tu sottostavi alla fortuna». E comunque Plutarco nella vita di Bruto non tocchi distintamente di questa sentenza, laonde Pier Vettori dubita che Dione in questo particolare faccia da poeta più che da storico, si manifesta il contrario per la testimonianza di Floro, il quale afferma che Bruto vicino a morire proruppe esclamando «che la virtù non fosse cosa ma parola». Quei moltissimi che si scandalezzano di Bruto e gli fanno carico della detta sentenza, danno a vedere l'una delle due cose;  o che non abbiano mai praticato familiarmente colla virtù, o che non abbiano esperienza degl'infortuni; il che, fuori del primo caso, non pare che si possa credere. E in ogni modo è certo che poco intendono e meno sentono la natura infelicissima delle cose umane, o si meravigliano ciecamente che le dottrine del Cristianesimo non fossero professate avanti di nascere. Quegli altri che torcono le dette parole a dimostrare che Bruto non fosse mai quell'uomo santo e magnanimo che fu riputato vivendo, e conchiudono che morendo si smascherasse, argomentano a rovescio: e se credono che quelle parole gli venissero dall'animo, e che Bruto, dicendo questo, ripudiasse effettivamente la virtù, veggano come si possa lasciare quello che non s'è mai tenuto, e disgiungersi da quello che s'è avuto sempre discosto. Se non l'hanno per sincere, ma pensano che fossero dette con arte e per ostentazione; primieramente che modo è questo di argomentare dalle parole ai fatti, e nel medesimo tempo levar via le parole come vane e fallaci? Volere che i fatti mentano perché si stima che i detti non suonino allo stesso modo, e negare a questi ogni autorità dandoli per finti? Di poi ci hanno a persuadere che un uomo sopraffatto da una calamità eccessiva e irreparabile; disanimato e sdegnato della vita e delle fortuna; uscito di tutti i desiderii, e di tutti gl'inganni delle speranze; risoluto di preoccupare il destino mortale e di punirsi della propria infelicità; nell'ora medesima che esso sta per dividersi eternamente dagli uomini, s'affatichi di correr dietro al fantasma della gloria, e vada studiando e componendo le parole e i concetti per ingannare i circostanti, e farsi avere in pregio da quelli che egli si dispone a fuggire, e in quella terra che se gli rappresenta per odiosissima e dispregevole. Ma basti di ciò.»

Giacomo Leopardi, Scritti d'Amore e di Politica

Schumann Kinderszenen Martha Argerich

The Brooklyn Bridge

How many dawns, chill from his rippling rest
The seagull's wings shall dip and pivot him,
Shedding white rings of tumult, building high
Over the chained bay waters Liberty -

Then, with inviolate curve, forsake our eyes
As apparitional as sails that cross
Some page of figures to be filed away;
- Till elevators drop us from our day...

I think of cinemas, panoramic sleights
With multitudes bent toward some flashing scene
Never disclosed, but hastened to again,
Foretold to other eyes on the same screen;

And Thee, across the harbor, silver-paced
As though the sun took step of thee, yet left
Some motion ever unspent in thy stride, -
Implicitly thy freedom staying thee!

Out of some subway scuttle, cell or loft
A bedlamite speeds to thy parapets,
Tilting there momently, shrill shirt ballooning,
A jest falls from the speechless caravan.

Down Wall, from girder into street noon leaks,
A rip-tooth of the sky's acetylene;
All afternoon the cloud-flown derricks turn...
Thy cables breathe the North Atlantic still.

And obscure as that heaven of the Jews,
Thy guerdon... Accolade thou dost bestow
Of anonymity time cannot raise:
Vibrant reprieve and pardon thou dost show.

O harp and altar, of the fury fused,
(How could mere toil align thy choiring strings!)
Terrific threshold of the prophet's pledge,
Prayer of pariah, and the lover's cry, -

Again the traffic lights that skim thy swift
Unfractioned idiom, immaculate sigh of stars,
Beading thy path - condense eternity:
And we have seen night lifted in thine arms.

Under thy shadow by the piers I waited;
Only in darkness is thy shadow clear.
The City's fiery parcels all undone,
Already snow submerges an iron year...

O Sleepless as the river under thee,
Vaulting the sea, the prairies' dreaming sod,
Unto us lowliest sometime sweep, descend
And of curveship lend a myth to God.

Hart Crane, The Bridge

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

The Tallis Scholars sings Palestrina

Riquezas

«Passemos à posse de riquezas, causa principal das misérias dos humanos. Na verdade,  se comparares todas as outras coisas que nos causam aflição - as mortes, as doenças, os medos, os desejos, as dores e os trabalhos - com os males que o dinheiro nos traz, a balança penderá sem dúvida para este lado. Devemos, por isso, pensar quão mais leve é a dor de nada ter do que a de perder o que se tem, e perceberemos que a pobreza provoca tormentos bem menores, porque também bem menores são as ocasiões de prejuízo. É, de facto, um erro pensar que os ricos acolhem as suas perdas corajosamente: tanto nos corpos grandes, como nos pequenos, as feridas são igualmente dolorosas. Bion afirmou, com elegância, que não é menos doloroso que arranquem os cabelos aos calvos do que é aos cabeludos. O mesmo acontece com os pobres e os opulentos, pois o seu sofrimento é igual: ambos estão de tal forma apegados aos seu dinheiro, que é impossível arrancar-lho sem ficarem ressentidos. É, de facto, mais suportável e mais simples não adquirir do que perder, e é por isso que vemos mais felizes aqueles que nunca viram a fortuna do que aqueles que ela abandonou. Isto viu Diógenes, varão de alma grandiosa, e zelou por que nada lhe pudesse ser tirado. Podes chamar a isto pobreza, miséria, carência, atribui a esta segurança os nomes que quiseres: passarei a pensar que este homem não era feliz, quando me indicares outro homem que nada possa perder. Ou muito me engano, ou ser rei é viver entre homens avaros, fraudulentos, ladrões e plagiários, e ser o único que não pode ser afectado por nenhum deles. Se alguém duvida da felicidade de Diógenes, pode também duvidar da condição imortal dos deuses, ou se eles são infelizes por não terem propriedades, nem jardins, nem terras valiosas, cultivadas por um colono, nem capitais de alto rendimento na praça. Não tens vergonha de te sentires  fascinado pelas riquezas? Olha bem para os céus: verás os deuses nus, que tudo oferecem e nada têm. Achas que este homem, que se despojou de todas as coisas passageiras, é semelhante aos pobres ou aos deuses imortais?»

Séneca, A Felicidade e a Tranquilidade da Alma

terça-feira, 6 de setembro de 2011

New Order - Bizarre Love Triangle (Live)

O Permanente

«No que diz respeito a toda a nossa experiência, precisamos de permanecer cépticos e dizer, por exemplo: nós não podemos afirmar, acerca de nenhuma lei natural, que ela tenha um valor eterno; nós não podemos afirmar, de nenhuma qualidade física, que ela vai subsistir eternamente; nós não somos tão penetrantes que possamos aperceber-nos do decorrer, provavelmente absoluto do devir.
O permanente não existe senão para os nossos grosseiros órgãos, que resumem e confundem as coisas em planos comuns, ainda que nada existe com essa forma. A árvore é, a cada instante, uma coisa nova, e nós afirmamos a forma porque não apreendemos a subtileza dum movimento absoluto; introduzimos nesse movimento absoluto a linha duma média matemática; as linhas e as antefaces são introduzidas por nós em conformidade com os princípios do intelecto - e nisso consiste o erro. Nós admitimos a identidade e a permanência porque não podemos ver senão o que é permanente e evocamos, nas nossas recordações, o que é semelhante (idêntico). Quanto ao em si, não é a mesma coisa: nós não temos o direito de transferir o nosso cepticismo para a essência.»

Friedrich Nietzsche, A Vontade de Poder - Volume I - O Niilismo Europeu

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Sarah Vaughan - Lullaby of Birdland

Life

«Whether or not there is a God, human beings did not create themselves - perhaps an obvious but nevertheless a salutary truth. We are the products of an amazing (perhaps even ultimately mysterious) array of causes which operated long before we came on the scene and will continue to operate long after we are gone. That alone is enough to produce a sense of vertigo, of amazement, as we contemplate our own fragility and seeming insignificance against the infinite backdrop of time and space - the 'eternal silence of those infinite spaces' that terrified Pascal. Yet so far from accepting, as the twentieth-century existencialists did, that our lives are absurd, or that we are free to invent any values we choose, many, perhaps most, human beings are drawn in an opposite direction. As we struggle through life, we seem compelled to acknowledge, sooner or later, that our human good, our flourishing and fulfilment, depends on orienting ourselves towards values that we did not create. Love, compassion, mercy, truth, justice, courage, endurance, fidelity - all belong to a core of key virtues that all the world's great religions (and the secular cultures that have emerged from them) recognize, and which command our allegiance whether we like it or not. We may try to go against them, to live our lives without reference to them, but such attempts are always, in the end, self-defeating and productive of misery and frustration rather than human flourishing.»

John Cottingham, Why Believe?