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domingo, 19 de junho de 2011

Efemeridade

«Numa peça célebre, O Caso Makropulos, transformada em ópera por Janacek, Karel Capek explora a psique de uma mulher que herdou o elixir da vida eterna e sobreviveu durante quatrocentos anos, gozando muitas vezes as coisas que os seres humanos visam: prazer, poder, influência e amor. E todas essas coisas se tornaram insípidas com a repetição, o seu coração endureceu em relação a qualquer afecto natural e - sendo imortal - olha para a fragilidade e a carência dos seus amantes mortais com uma atitude fria e cínica repulsa. A sua vida é sem amor, não porque não lhe possam oferecer amor, mas porque ela não pode recebê-lo. Todo o dom, toda a capitulação, todo o sacrifício desapareceu da sua psique e apenas resta a lascívia vazia da longevidade. De repente, apercebendo-se da profundidade da sua infelicidade, resolve abandonar o elixir e deixar a morte ter o seu prémio. E nesse momento torna-se outra vez humana e amável.
A moral tornada explícita em O Caso Makropulos está implícita na arte e na literatura ao longo dos séculos. A poesia, o teatro, a pintura de retratos e a música mostram-nos que a mortalidade está inextricavelmente tecida no esquema humano das coisas: que as nossas virtudes e os nossos amores são as virtudes e os amores das criaturas mortais; que tudo o que nos leva a amarmo-nos uns aos outros, a sacrificarmo-nos, a termos atitudes sublimes e heróicas baseia-se no pressuposto de que somos vulneráveis e transitórios, e que só temos um direito efémero às coisas deste mundo. Nessa base, Leon Kass, o biólogo e filósofo norte-americano, tem defendido aquilo a que chama as «bençãos da finitude» - a ligação íntima entre as coisas que valorizamos e o carácter efémero da vida.»

Roger Scruton, As Vantagens do Pessimismo

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