Acerca de mim

A minha foto
Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

198

«Todas estas morais que se destinam ao indivíduo para construir a sua «felicidade», como se diz, - o que são senão propostas de conduta em relação ao grau de perigo em que o indivíduo vive consigo próprio; remédios contra as suas paixões, as suas tendências boas e más, contanto que possuam a vontade de poder e queiram representar o papel de senhor; pequenas e grandes manhas e artifícios, cheirando a velhos remédios caseiros e sabedoria de velhinhas; todas barrocas e irracionais na forma - porque se destinam a «todos», porque generalizam onde não se deve generalizar -, falando todas de um modo incondicional, tomando-se elas próprias por absolutas, todas elas não só temperadas com um grão de sal, mas apenas suportáveis, e por vezes até sedutoras, quando passam a deitar um cheiro exageradamente condimentado e perigoso, a cheirar principalmente ao «outro mundo»: tudo isto, de um ponto de vista intelectual, vale pouco e está muito longe de ser «ciência» e mais ainda de ser «sabedoria», mas é, dito segunda e terceira vez, esperteza, esperteza, esperteza, misturada com estupidez, estupidez, estupidez, - quer se trate dessa indiferença e frieza de estátua para com a loucura incendiária das paixões que os estóicos aconselhavam e prescreviam como antídoto; ou desse estado de deixar-de-rir e deixar-de-chorar de Espinosa, da destruição dos afectos pela sua análise e vivissecção tão ingenuamente preconizada por ele; ou daquela redução dos afectos a uma mediania inócua, na qual poderão satisfazer-se, o aristotelismo da moral; ou até da moral como fruição dos afectos, numa intencional diluição e espiritualização pelo simbolismo da arte, sob forma de música, por exemplo, ou de amor de Deus, ou de amor a Deus ou ao homem por amor de Deus - porque na religião as paixões voltam a ter direitos de cidadania, contanto que...; por fim, mesmo daquele abandono aos afectos condescendente e leviano, ensinado por Hafis e Goethe, esse arrojado soltar de rédeas, daquela licentia morum físico-espiritual no caso excepcional de velhos sábios originais e bêbedos, nos quais isso "já não representa muito perigo." Também isto para o caítulo «A moral como receio».»

Friedrich Nietzsche, Para Além de Bem e de Mal, Prelúdio a uma Filosofia do Futuro

Sem comentários: