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Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Mina - Mina Live dalla Bussola (1972 - Video Ufficiale Completo)

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Mar Novo

segunda-feira, 19 de junho de 2023

DUE (Raf) live in concert..

O Tempo é o melhor conselheiro

 E quanto engano, artimanha e embuste não existem no reino do Belo! E por que razão? Porque o reino do Belo é, ao mesmo tempo, o reino do amor e do desejo, porque a carne e os sentidos se imiscuem e determinam a ideia de beleza.

 (Thomas Mann, in «José e os seus irmãos, o jovem José»)

There was a boy

 There was a boy; ye knew him well, ye cliffs
And islands of Winander! - many a time,
At evening, when the earliest stars began
To move along the edges of the hills,
Rising or setting, would he stand alone,
Beneath the trees, or by the glimmering lake,
And there, with fingers interwoven, both hands
Pressed closely palm to palm and to his mouth
Uplifted, he, as through an instrument,
Blew mimic hootings to the silent owls,
That they might answer him. - And they would shout
Across the watery vale, and shout again,
Responsive to his call, - with quivering peals,
And long halloos, and screams, and echoes loud
Redoubled and redoubled; concourse wild
Of jocund din! And, when there came a pause
Of silence such as baffled his best skill:
Then, sometimes, in that silence, while he hung
Listening, a gentle shock of mild surprise
Has carried farinto his heart the voice
Of mountain-torrents; or the visible scene
Would enter unawares into his mind
With all its solemn imagery, its rocks,
Its woods, and that uncertain heaven received
Into the bosom of the steady lake.
    This boy was taken from his mates, and died
in chidhood, ere he was full twelve years old.
Pre-eminent in beauty is the vale
Where he was born and bred: the churchyard hangs
Upona slope above the village-school;
And, through that church-yard when my way has led
On summer-evenings, I believe, that there
A long half-hour together I have stood
Mute - looking at the grave in which he lies!


William Wordsworth

Crepúsculo

  «A modernidade deve atribuir-se a quem rejeita a ideia de um esvaziamento total do futuro no passado e opta pela inesgotabilidade do futuro, ainda que essa escolha exclua a possibilidade de um Deus omnisciente, de um Deus que, «no final dos tempos», se inclina para trás, numa retrospetiva abrangente da criação.

O «mundo» - e que, durante muito tempo, «mundo» foi uma palavra injuriosa cristã sabia-o Nietzsche melhor do que ninguém - opunha-se ao convite a esvaziar o futuro no ser-passado total porque renegava a primazia ontológica do passado. Opunha-se porque, em luta consigo mesmo, graças a um esforço autodidata de coerência admirável, aprendeu a conceder ao tempo o que lhe era devido.»

Peter Sloterdijk, Depois de Deus

13

  Como posso eu amar-te, se nem sei
como à porta te chamam os vizinhos,
nem visitei a rua onde nasceste,
nem a tua memória confessei.
Que vaga rima me permite agora
desenhar-te de rosto e corpo inteiro
se só na tua pele é verdadeiro
o lume que na língua se demora...
Não deixes que te enganem os recados
na infernal gazeta publicados
que te dão já por escultura minha;
nocturno frankenstein, em vão soprei
trompas de criação, e foste tu
quem me criou a mim quando quiseste.


António Franco Alexandre, Duende

If I DIDN'T HAVE YOUR LOVE

  If the sun would lose its light

And we lived an endless night
And there was nothing left
That you could feel
That's how it would be
What the world would seem to me
If I didn't have your love
To make it real

If the stars were all unpinned
And a cold and bitter wind
Swallowed up the world
Without a trace
Well that's where I would be
What my life would seem to me
If I couldn't lift the veil
And see your face

If no leaves were on the tree
And no water in the sea
And the break of day
Had nothing to reveal
That's how broken I would be
What my life would seem to me
If I didn't have your love
To make it real

If the sun would lose its light
And we lived an endless night
And there was nothing left
That you could feel
If the sea were sand alone
And the flowers made of stone
And no one that you hurt
Could ever heal
That's how broken I would be
What my life would seem to me
If I didn't have your love
To make it real

Leonard Cohen, The Flame

Silêncio

 Quando cresci, cresci na rua, ao ar livre, sempre disponível para o destino escolhido pelo vento que me guiava. Cresci livre. Havia na luminosidade de um horizonte a descobrir o encantamento da luz do sol reflectida nas águas da minha praia, do mar que, agora adulto, revejo com renovada impressão de novidade. De uma novidade nascida do facto de nada se repetir no fluxo interminável das ondas. Cresci num tempo em que era possível a espera. O tempo era uma instância controlável de acordo com a nossa dimensão imediata. Ou parecia ser. Tudo estava à distância e a tudo era possível chegar um dia, ao longo da incomensurabilidade da vida que tinha pela frente. 

A vida decorria de acordo com uma mediação temporal que lhe dava o equilíbrio que, em muitos momentos parecia faltar. Havia um tempo para inspirar e um tempo para expirar, um tempo para semear e um tempo para colher. Assim sucedendo, desde cedo compreendi que o tempo é o melhor conselheiro que de nada nos serve esbracejar quando não vemos os nossos desejos satisfeitos. Do mesmo modo, fui constatando que, nos momentos em que não encontramos respostas justas aos problemas que se nos deparam, ou quando ainda não tivemos a disponibilidade para pensar, o melhor é escolher a via do silêncio. Esse silêncio momentâneo, que nos permite a distância, através da qual seremos capazes de aspirar a um entendimento razoável dos acontecimentos.
Nem sempre acontece assim: sermos capazes de alcançar uma compreensão das coisas que nos acontecem. No entanto, melhor do que corrermos o risco de nos deixarmos enredar nas teias do ridículo, é o silêncio, por meio do qual ao menos poderemos aspirar a uma espécie particular de moderação.

Filosofia

  «Se a filosofia é um esforço de conhecimento da vida, deverá corresponder aos seus desafios, deverá cuidar da vida,  não a deixando correr perigos e, por conseguinte, vai à sua frente, iluminando os caminhos que consegue abrir, mantendo-a desperta para si própria. E, no entanto, a vida é sempre primeira e última, a vida adianta-se-nos sempre, na medida em que se surpreende nela um segredo por revelar, um enigma que desafia à decifração, e então ela pede que a sigamos e torna-se objecto de veneração. A paixão pelo obstáculo encontra assim o seu verdadeiro alimento.»

Maria Filomena Molder, Três Conferências, Primeira, Lança o teu pão sobre as águas (sobre Qohélet/ Ecclesiastes)

Tempo

 «Para todas as coisas "há" um tempo;

E "há" um tempo para todo o assunto debaixo do céu.
Tempo de dar à luz e tempo de morrer;
Tempo de plantar e tempo de arrancar o que foi plantado;
Tempo de matar e tempo de curar;
Tempo de deitar abaixo e tempo de construir;
Tempo de chorar e tempo de rir;
Tempo de estar de luto e tempo de dançar;
Tempo de atirar pedras e tempo de juntar pedras;
Tempo de abraçar e tempo de estar longe de um abraço;
Tempo de procurar e tempo de perder;
Tempo de guardar e tempo de deitar fora;
Tempo de rasgar e tempo de coser;
Tempo de calar e tempo de falar;
Tempo de amar e tempo de odiar;
Tempo de guerra e tempo de paz.»

Bíblia, Volume IV (trad. de Frederico Lourenço)

terça-feira, 22 de março de 2022

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Espera

 "[...] no modo de vida das sociedades de bem-estar ocidentais, foram cuidadosamente restabelecidas ilhas de lentidão que - desde os monumentos que cultivam a memória até aos spas - tentam devolver um ritmo diferente ao «frenesi em suspensão» da modernidade tardia. Todavia, estes esforços continuam, em larga medida, a ser artificiais. Caminho algum nos conduz de regresso ao Paraíso, que - não obstante todas as promessas de salvação - jamais pôde ser obtido na Terra. E nem uma viagem em redor do mundo, que a Heinrich von Kleist se afigurava como um possível alívio dos constrangimentos do tempo, nos trouxe de volta às portas traseiras do céu. Ter-nos-á, porém, arrastado por vezes até alguma ilha que se aproxima razoavelmente da noção de felicidade terrena. A pausa mais misteriosa que realizamos nas nossas vidas é decerto o sono, em que todas as noites ensaiamos aquela espera da qual um dia já não acordaremos."

Andrea Kohler, O Tempo que passa, Um ensaio sobre a espera.

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Chet Baker - Almost blue

Remorso por qualquer morte

 Já livre da memória e da esperança,
quase futuro, ilimitado, abstracto,
não é um morto, o morto: ele é a morte.
Como esse Deus dos místicos,
de Quem devem negar-se os predicados,
o morto ubiquamente alheio
é só a perdição e ausência do mundo.
Roubamos-lhe tudo,
não lhe deixamos uma cor nem uma sílaba:
é este o pátio que os seus olhos já não partilham
e aquele o passeio onde perscrutou a sua esperança.
Até o que pensamos poderia ele pensar;
repartimos por nós como ladrões
todo o caudal das noites e dos dias.

Jorge Luis Borges, Fervor de Buenos Aires

domingo, 15 de agosto de 2021

Paz

 A máquina avança pela estrada
do fim do mundo
onde conduzem as linhas 
da estrada
delimitada pelo horizonte sombrio 
da noite de verão

O voo do pássaro 
indica o verdadeiro caminho
apenas visível na imensidão 
que se perde entre a montanha 
e o mar sem fim

O tempo deixa os seus contornos
e do meio do marulhar das ondas 
e do vento forte
emerge em tumulto
o abraço que traz consigo 
a ilusão de eternidade.

sexta-feira, 30 de julho de 2021

4

 Não há montanhas se não há palavras.
Não foge a bala se não há um espaço.
Não sobe o céu se não houver distâncias.
Não cabe o túnel se nunca estão paredes.

Correrem dias todos nós sabemos
serem serenos de punhais no meio;
mas sem montanhas nunca pode haver
um certo dia, grande nos foi dado.

O que esperámos era a Morte Larga,
o que pedimos era só um Homem,
madeira e ferro que soubemos dar.

Tudo existiu para que ele o desse,
tudo existiu para que ele caia.
Não há montanhas se não há palavras.

Pedro Tamen, O Sangue, A Água e o Vinho, poema em três cânticos, 1958 

sábado, 26 de junho de 2021

Saffron Laudanum

Queda

 «A tradição conta-nos ainda que o filho de Deus e primeiro homem sobre a Terra continha os sete metais no seu corpo de luz e que esses sete metais estão em correspondência com os sete planetas que constituem o mundo. Sucede que este homem feito de luz e nascido das causas primeiras desceu à Terra, passando pelas sete esferas planetárias e impregnando-se da natureza de cada um dos senhores dessas esferas. No entanto, ao olhar para baixo, viu a sua imagem refletida na matéria a apaixonou-se por ela. Ao descer em sua busca, ficou, porém, prisioneiro da vil natureza das coisas materiais. É deste modo que podemos compreender a dupla natureza do ser humano, que reúne em si, de forma inextricável, elementos da sua origem divina e liberdade essencial, bem como traços da sua irremediável condição de prisioneiro do mundo inferior.»

 Thomas Mann, José e os seus irmãos I

domingo, 23 de maio de 2021

Aborrecimento

 «Eu inventava para mim aventuras e fantasiava a minha vida para quê? Para ter uma vida. Tantas vezes me aconteceu, digamos, ofender-me - por nada, propositadamente; eu próprio sabia, entretanto, que estava a ofender-me por nada, fomentava a ofensa por dentro, mas levava a coisa a um ponto tal que, por fim, sentia-me de facto ofendido. Durante toda a minha vida me senti impelido a tramar estes truques, a ponto de, por fim, perder o domínio de mim. Aconteceu-me sentir vontade de me apaixonar à força, até por duas vezes. O que eu sofri, meus senhores, palavra de honra. No fundo da alma, eu não acreditava que sofria, agitava-se dentro de mim um sarcasmo, e mesmo assim sofria, ainda por cima a sério, e muito; tinha ciúmes, perdia as estribeiras... E tudo por causa do aborrecimento, meus senhores, do aborrecimento; a inércia oprimia-me. Porque o fruto directo, legítimo e espontâneo da consciência é a inércia, ou seja, o ficar-de-braços-cruzados. Já o mencionei atrás. Repito, repito e insisto: todas as pessoas e personalidades espontâneas são activas precisamente porque são lorpas e limitadas. Como se explica isto? É assim: como consequência de serem limitadas, tomam as causas superficiais e secundárias por causas primeiras, desta maneira se convencendo mais fácil e prontamente do que os outros que acharam um fundamento indefectível para as suas acções, e isso sossega-as; e é isso o mais importante: o sossego. Porque, para começar a agir, é necessário estar-se prévia e completamente em sossego e que não existam já dúvidas nenhumas.»

terça-feira, 18 de maio de 2021

Peter Frampton - Do You Feel Like We Do (Live in Detroit)

Outra Anunciação

 Porém, nessa manhã,
entre gumes e medos,
eu descomposta, o frio, a flor tão branca,
o rosto dele em gelo e desafio,
nessa manhã de azul,
coisas ergueram-se

Meço com fio de tinta
e um pano longo
bordado a cor de sangue:

a distância entre mim
e a Palavra

e vejo-a de gigante:

Falar não me dirá do teu acaso
e a haste a tinta,
presa a medo e sangue,
suspende-se, atrasada,
em longo desafio

ao Tempo

Ana Luísa Amaral, Ágora

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Ravi & Anoushka Shankar

Literatura

 

«MJS – Correndo o risco de achares que não tem sentido fazer esta pergunta sacramental, pergunto: O que é para ti a literatura?

AF- A pergunta «o que é…?» faz todo o sentido no campo da Física, por exemplo, onde para perguntas como «o que é a densidade?», ou «o que é a massa?», há, presumo, respostas exactas. Mas usar essa forma sintáctica da interrogação peremptória para domínios como a literatura, é aplicar um critério a uma área de problemática em que esse tipo de critério não é funcional. Neste sentido, essa é uma pergunta que, em relação a este objecto particular – a literatura -, talvez não faça sentido. Aquilo que se procurou durante muito tempo descrever como a característica central do que é «o literário», e que portanto definiria a literatura, nunca foi formulado de modo preciso. Houve tentativas brilhantes, como a dos formalistas russos que caracterizavam esse princípio como o da «literariedade». A literariedade, o característico do literário, poria em evidência a ostensividade do enunciado, a natureza estranha daquele modo de dizer, em detrimento do que está a ser dito. Isto não funciona, no entanto, porque na vida real as pessoas utilizam este mesmo tipo de procedimento sem estarem a fazer literatura. Para além disso, a literatura é um corpo muito instável. Hoje poucos percebem que Pessoa, tal como Pascoaes, considerasse Guerra Junqueiro o maior poeta do seu tempo. Entretanto, Junqueiro sofreu um eclipse quase total. Esta questão invoca necessariamente um conhecido debate contemporâneo, o debate sobre o chamado «cânone». O cânone é o conjunto daquelas obras que é objecto de discurso e de referência obrigatórios, bem como de presença atenuada nos programas escolares. Há uma série de teorias em relação a esta persistência dos «clássicos». Teorias conspirativas pretendem que o cânone é uma construção política, descrevendo esse elenco obrigatório de autores como motivado por interesses particulares. As pessoas que falam com grande ferocidade teórica contra a existência de um cânone, na prática não sugerem, todavia, alterações a introduzir no elenco de nomes. Ou seja, com o lado esquerdo da boca denunciam a sua existência, mas com o lado direito não nos dizem por que razão deverá substituir-se, por exemplo, Eça de Queirós por Pinheiro Chagas ou Arnaldo Gama. Em Portugal, há poucos candidatos recém-chegados ao cânone que o perturbem. Há uma peculiaridade adicional: quem impugna teoricamente a existência do cânone, persiste, no entanto, em falar dos autores canónicos. Mas decerto deverá explicar o porquê dessa obstinação, sob pena de ser visto como conivente com os interesses que denuncia, ou ter de explicar qual a natureza do valor que reconhece nos autores de que persiste em falar. A discussão sobre a noção de cânone foi importada dos Estados Unidos, país onde, de facto, alterações parcelares do cânone se dão, e o debate sobre isso é virulento. Têm um significado político, peculiar a uma democracia fortemente igualitária, e traduzem recomposições demográficas. Um aumento significativo da população hispânica, por exemplo, força o currículo a incorporar autores que digam alguma coisa a esse segmento da população. O panteão está desenhado para acolher mentores. É uma espécie de mesa do orçamento literário, que nenhum mandarinato cultural controla, ou se arroga sequer a mera ideia de controlar.»

Entrevista de Maria João Seixas  a António M. Feijó

domingo, 16 de maio de 2021

Answer Me, My Love