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Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

quarta-feira, 28 de maio de 2008


Primavera 08

Ando mesquinho, irritadiço e triste. Continuo a querer ter asas e acordo todos os dias com o peso dos meus pés a puxar-me para as entranhas da terra. São dolorosas as manhãs desta Primavera doentia e nebulosa. Sem dar por isso, acontece-me pensar no tempo em que já fui feliz. Hoje foi o Francisco quem me puxou para esse mundo campestre e recôndito onde eu me julgava perdido. Andava enganado naquele tempo em que era feliz. Tudo porque na nossa rua havia um rebanho de ovelhas e uma pastora velha.

Destino

O homem caminha sem direcção. Há muito que se tinha perdido o homem que assim caminhava sem destino. Para trás ficara um vazio. Já deixara de se preocupar em preencher o vazio que o invadia. A sua busca de nada centrava-se apenas nos seus passos, que dava sem cautelas. Sempre se imaginara perdido, o homem que caminhava e apenas vislumbrava a distância dos seus próprios passos. Em tempos, ao chegar a casa, pensou em partir. No momento em que, pela primeira vez conjecturara a sua perda, o homem que caminhava sem destino, imaginara-se a percorrer um itinerário solitário. Imaginara densas florestas percorridas à chuva e ao sol, ao calor e ao frio, e pressentia a liberdade. Não aquela liberdade que a vida e o contacto com os outros lhe tinha sido sugerida, mas uma outra dimensão de si enquanto ser livre, capaz de escolher o lugar da sua sepultura. Na sua perspectiva deambulatória e vaga, o homem perdido conjecturava o seu próprio final e sabia que a liberdade só podia ser alcançada se fosse capaz de percorrer os seus mais íntimos e esconsos espaços interiores e que, de seguida, pudesse pensar na infinita solidão jubilatória do momento em que, por fim, se encontrasse em definitivo com a terra, e, finalmente, consigo próprio.

Sorriso

Um céu encoberto faz-me voltar para dentro e remirar o espelho que em mim sossega. O tempo parece propício à reflexão, à trégua. Os mares agitados da multidão de sábado carecem de um repouso sereno. Sempre soubera que a uma tempestade sucede uma bonança promissora, capaz de retemperar os ânimos mais intranquilos. Ao longo dos anos aprendeu a viver com o insulto e com a ignorância daqueles que estão do lado de fora e que teimam, na sua assertividade, em papaguear palavras ardilosamente seguras. O tempo assim os faz, o tempo assim os prepara para a sua inevitável visão de um mundo onde não existe ponderação nem futuro, apenas a reacção acalorada e traumatizada e argumentos soltos que ouvem daqui e dali. Ele não é nem nunca tinha sido um daqueles professores a quem alegadamente concederam regalias supérfluas. Ele nunca gozou de privilégios como aqueles de que outros que agora criticam sempre se serviram. Ele apenas trabalhou, apenas procurou cumprir o seu papel social junto daqueles em quem sempre acreditou e acredita. O tempo, o mesmo tempo em que apenas o presente é ouvido e em que apenas aos juízos mais básicos se dá guarida, mostrará um dia a sua razão em acreditar num mundo diferente, sem injustiças. Chamam-lhe utópico, dizem dele que é louco, mas apenas porque o seu discurso não é actual, não pertence ao seu tempo. Dizem-nos que é a economia que nos impõe os cortes orçamentais, mas esquecem-se de dizer que essa mesma economia não pode ser responsabilizada pela estupidez daqueles que, em vez de a servirem, apenas dela se sabem servir.
O cansaço invade-lhe o olhar que outrora fora luminoso e que, com o passar dos anos se lhe turvou. Embora não seja ainda aquilo a que normalmente chamam velho, ele sabe que o seu tempo está a escoar-se. Enquanto isso acontece, as suas pernas, qual reflexo de uma indomável alma, agitam-se. Podem dizer-lhe que faça, podem ameaçá-lo com uma lei inquisitorial, mas ele resiste, porque sabe que os homens são efémeros e que a um governo sucederá sempre outro. Os homens parecem esquecer-se do seu carácter transitório. Na neblina que invade o seu espírito que se reconhece perecível, ele nunca deixou de reconhecer a importância de um sorriso que se estende e que é realmente capaz de mudar o mundo.

terça-feira, 27 de maio de 2008