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segunda-feira, 29 de março de 2010

The Rorty Discussion with Donald Davidson - Part 1 of 6

Arthur Schopenhauer

Aquele que conhece tudo o resto, sem ser ele mesmo conhecido, é o sujeito. Por conseguinte, o sujeito é o substratum do mundo, a condição invariável, sempre subentendida de todo o fenómeno, de todo o objecto, visto que tudo o que existe, existe apenas para o sujeito. Este sujeito, cada um encontra-o em si, pelo menos enquanto conhece, não enquanto é objecto de conhecimento. O nosso próprio corpo é já ele próprio um objecto e, por conseguinte, merece o nome de representação.

Arthur Schopenhauer, O Mundo como Vontade e Representação

domingo, 28 de março de 2010

Soren Kirkegaard

Saíram recentemente duas novas traduções de A Repetição e de Temor e Tremor.
Aqui deixo duas citações de A Repetição.

I

Repetição e recordação são o mesmo movimento, apenas em direcção oposta; pois aquilo que se recorda, foi, repete-se para trás; enquanto a repetição propriamente dita é recordada para diante. Deste modo a repetição, se é possível, faz o homem feliz, ao passo que a recordação o faz infeliz (...).


II

É preciso juventude para ter esperança, juventude para recordar, mas é preciso coragem para se querer a repetição. Porque aquele que apenas quer ter esperança é cobarde; aquele que apenas quer recordar é voluptuoso; mas aquele que quer a repetição é um homem, e quanto mais energicamente for capaz de a tornar clara para si próprio, tanto maior será a sua profundidade como criatura humana.


Algo me diz que devia ter chegado mais cedo a este texto.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Cardeal Newman em Roma

Afinação

Tenho a convicção de que, para existir uma conversa, é necessário que exista um aquecimento particular, diria que musical. Os sons de orquestra, dos diferentes instrumentos, antes de ser dado início a um concerto, podem ser ilustrativos daquilo a que me refiro. Com efeito, muito prematuramente percebi que havia certos sons que me faziam "desligar" das palavras que me eram ditas. Sons que arranhavam os meus ouvidos e que se me tornavam desagradáveis, impossibilitando, por isso, que houvesse da minha parte qualquer predisposição para participar numa conversa. Dou conta ainda hoje desse fenómeno que poderei caracterizar a partir do facto de não ser capaz de ouvir certas notas que algumas pessoas em alguns momentos me dirigem. Nessas alturas, mesmo estando presencialmente diante da pessoa que se me dirige, eu fujo para muito longe e, enquanto procuro uma aberta para me afastar, a minha cabeça está noutro lugar, seja ele qual for.
Quem me conhece sabe que pode conseguir de mim quase tudo, desde que acerte no tom, desde exista afinação.

terça-feira, 23 de março de 2010

Liberdade I

... se a história não é de todo um idílio, também não é uma «tragédia de horrores», mas um drama em que todas as acções, todas as personagens, todos os componentes do coro são, no sentido aristotélico, «medíocres», culpados/ não-culpados, mistos de bem e de mal, e, contudo, o pensamento condutor é nela sempre o do bem, ao qual o mal acaba por servir de estímulo. A obra é a da liberdade que se esforça sempre por restabelecer, e restabelece sempre, as condições sociais e políticas de uma liberdade mais intensa. Quem deseje presuadir-se rapidamente de que a liberdade não pode viver de forma diferente de como foi vivida ou de como viverá sempre na história, com uma vida perigosa e combativa, deve pensar por um instante num mundo de liberdade sem contrastes, sem ameaças e sem opressões de nenhuma espécie; e de imediato ficará chocado, como se essa fosse a imagem, pior do que a da morte, da infelicidade absoluta.
Dito isto, o que são as angustias em confronto com a perda da liberdade, as invocações, as esperanças vãs, as palavras de amor e de furor que saem do peito dos homens em certos momentos e em certas idades da história? Já foi dito acima num caso análogo: nem verdades filosóficas, nem verdades históricas, nem mesmo enganos e sonhos, são motivos da consciência moral, história que se faz.

Benedetto Croce, La Storia come Pensiero e come Azione

quinta-feira, 18 de março de 2010

Sinais inquietantes

Não vamos deixar o governo governar! Vamos ter um Verão quente!

Alguém num noticiário radiofónico ameaçou, trazendo-me à memória outros tempos. Tempos em que havia quem visse na desgraça uma forma de incitar à revolução. Há quem mantenha uma visão romântica de um tempo intenso e duro.
Importa não perder o discernimento. Importa saber suportar o presente e pensar que um dia chegará uma forma de recompensa qualquer.
A esperança tem de ser a força motriz destes tempos em que, antes de se partir para a guerra, é preciso arrumar uma casa desconjuntada.
Sinais inquietantes...

sábado, 13 de março de 2010

an All would not die and nothing would die in the All. Only the singular can die and everything mortal is solitary
Franz Rosenzweig, The Star of Redemption
O motivo da espera, ou, melhor dizendo, de uma espécie de parêntesis que encontramos em alguns autores é, muitas vezes económico, no sentido em que um sacrifício só é susceptível de ser concebido a partir de uma ideia redentora, de um ganho futuro. É também a partir dessa perspectiva que se podem observar percursos de resistência. Em todos os autores com quem tenho convivido, esse desejo envolve uma ideia de todo que se estende muito para além dos respectivos anseios privados. O movimento introspectivo que realizam resulta, assim, de uma necessidade de sobrevivência, mas também e provavelmente da consciência de terem um designio por cumprir. Eles sabem, no sentido de estarem conscientes, que as suas existências singulares e solitárias serão sempre as suas matérias perecíveis e que, em contrapartida, é pela Ideia, pelo todo em que assentam os seus sistemas mentais que alguma vez poderão apanhar o movimento da terra, de forma a de lá não mais saírem.

sexta-feira, 12 de março de 2010

I



Tal como Aristóteles a nomeia[1] na Ética a Nicómano, a eudaimonia não é necessariamente relacionável com a ideia de prazer, mas com um conceito de felicidade para o qual concorrem as ideias de “fazer bem” e de “viver bem”. Contudo, “viver bem” ou “fazer bem”, não são circunstâncias inibitórias de uma valorização ética das acções humanas. Pelo contrário, Aristóteles considera que “viver bem” e “fazer bem” são o resultado do exercício de uma vida em que nada falta. A ideia de felicidade, portanto, é aquilo que torna possível um sentido completo para as coisas, uma determinação em busca de um estado mais complexo de evolução pessoal. A felicidade, entendida deste modo, corresponde a uma aspiração, mais do que em se obter satisfações provenientes dos instintos imediatos do prazer, em ser-se cada vez melhor. Num certo sentido, a felicidade pode ser entendida como estímulo para a transcendência. Isto é, na medida em que, por efeito de uma aspiração, alguém é capaz de adquirir uma maior compreensão de si próprio, bem como um estádio mais adiantado da sua formação pessoal, torna-se diferente, susceptível de, através da aquisição de uma forma de conduta, se transformar num outro, que supera a sua condição anterior. Sendo assim, este conceito pressupõe uma demanda e é capaz de disciplinar e orientar a conduta humana.
Em The Discovery of the mind[2], ao afirmar que “de acordo com a teoria eudaimonística de ética, a consciência de culpa prova que a conduta moral pode com segurança fundar-se numa compreensão requintada e inteligente da felicidade e da infelicidade”, Bruno Snell sugere que à ideia de felicidade pode associar-se, não apenas uma ética, mas também uma necessidade de fazer escolhas e de estabelecer estratégias.
De qualquer modo, a felicidade, conforme afirma Sócrates, corresponde a uma demanda de natureza ética, na medida em que ser-se feliz pressupõe um entendimento específico, segundo o qual a verdadeira natureza das coisas não reside no domínio dos sentidos, mas no do entendimento que delas fazemos. Para que isso se verifique, é necessário um distanciamento do mundo das aparências e, a este respeito, no Fédon, Sócrates afirma que “sempre que a alma faz uso do corpo para se lançar em qualquer indagação, utilizando a vista, o ouvido ou qualquer outro meio sensorial (e utilizar os sentidos que significa senão utilizar o corpo?), eis que este a arrasta para as realidades em contínuo devir; e quanto a ela, por aí erra, mergulhando como ébria na perturbação e na vertigem, pois tal é a natureza das coisas a que se apega”[3].
Destas palavras resulta claro que a distinção entre corpo e alma faz emergir a ideia de que a alma constitui aquilo que no homem é imperecível, contrariamente àquilo que acontece relativamente ao corpo. Sendo assim, é no domínio da alma que tem lugar a procura da felicidade. Só a alma pode permitir a transcendência, na medida em que o bem e o belo nela encontram acolhimento, já que, ao nível conceptual não estão sujeitos à erosão dos corpos. Daqui resulta que a ideia de liberdade apenas pode ser entendida em todas as suas dimensões no domínio do pensamento, da alma.
Mesmo assim, existe um corpo, que deverá ser considerado como marca de uma passagem, como cunho a ter em consideração quando nos referimos a aspectos como a virtude ou a felicidade. Isto é, num certo sentido, só tem razão de ser a demanda da felicidade, na medida em que a uma alma “perpétua” se coliga um corpo corruptível. A este respeito, Sócrates afirma que “o comum das pessoas está, provavelmente, longe de presumir qual o verdadeiro alvo da filosofia, para aqueles que porventura o atingem, e ignoram que a isto se resume: um treino de morrer e de estar morto”.[4]
Esta passagem em Platão, propõe várias reflexões acerca do alcance da vida e da morte, bem como do modo como a estes dois contrários – que, nos termos de Platão, implicam a imortalidade da alma – se parece associar uma concepção de treino de morrer como treino para aceitar a condição das coisas transitórias, em si mesmas. Da forma como a questão se nos apresenta, podemos inferir que a vida consiste numa aprendizagem, numa complexa aprendizagem que tem por objectivo a preparação para a morte, bem como a aceitação da ideia de morte enquanto momento último e simultaneamente transitório, do corpo e da alma respectivamente.
Com efeito, o desprendimento de Sócrates perante a sua própria morte é resultado de uma concordância entre os termos através dos quais ele enuncia a sua concepção da existência e uma atitude que se apresenta como exemplar. Nos termos de Sócrates, uma linguagem só se tornará exemplar se a ela estiver associado um procedimento que a não contrarie. Só deste modo, só agindo em conformidade com a linguagem, a alma será capaz de se libertar depois da morte corporal. Esta concepção de morte, enquanto fonte de satisfação futura da alma, contém em si mesma, contudo, a raiz de uma atitude que, em vez de limitar as acções humanas, subjugadas à fatalidade da morte, antes sugere uma vitalidade, uma capacidade, uma propensão para exercer a vida de acordo com a definição de harmonia que no próprio Fédon se apresenta, enquanto projecção da alma para além da circunstância corpórea.
Neste sentido, «tornar-se melhor» passa a ser a característica da excelência e da virtude próprias daqueles que aspiram à felicidade. Mesmo assim, a felicidade, nos termos de Sócrates, não é uma mera aspiração, mas antes uma aquisição, feita por etapas, de uma maneira de funcionar perante a vida e de transcendência. Quando afirma, na Apologia de Sócrates, que “temer a morte, (...) não é mais do que julgar ser sábio sem o ser, porque é julgar saber o que não se sabe”[5], Sócrates argumenta que não se pode recear aquilo que se desconhece e que, na perspectiva de que vida e morte se interseccionam, a morte, entendida como precursora da vida, não pode ser temida. O “treino de morrer” que a vida constitui, passa a ser entendido também como o exercício para atingir uma finalidade última: a felicidade, apenas susceptível de ser alcançada através do encontro com as almas do outro mundo, tal como afirma na seguinte passagem do Fedon:
... creio bem que não é de dor que elas [as aves] cantam, e o mesmo digo dos cisnes; antes julgo que, como aves que são de Apolo, possuem o dom de adivinhar e, antevendo os bens que os aguardam no Hades, por isso cantam de júbilo como jamais em vida cantaram, nesse dia em que morrem[6].


Esta visão platónica, segundo a qual, se sugere que só depois de termos morrido poderemos saber se teremos sido felizes, parece aproximar-se da visão de felicidade que podemos extrair do Eclesiastes. Com efeito, a partir do momento em que no texto bíblico se afirma a completa incapacidade do homem para alterar ou para produzir seja o que for apenas porque esses atributos só são acessíveis a Deus, a existência dos homens limitar-se-á a “correr atrás do vento”[7]. Sendo assim, a felicidade é um lugar inacessível aos homens que apenas poderão aspirar a usufruir das coisas fugazes que a vida lhes proporcione. A comprovar esta afirmação, passo a citar o Eclesiates, capítulo 1, versículos 8-9:
Toda a explicação fica a meio, pois o homem não consegue terminá-la. O olho não se farta de ver, nem o ouvido se farta de ouvir. O que aconteceu, de novo acontecerá; e o que se fez, de novo será feito: debaixo do sol não há nenhuma novidade.
Estas palavras de Coélet propõem, por oposição, o caminho da acção como solução para a monotonia e para o enfado. Ao lermos o Eclesiastes, será possível confrontarmo-nos com a ideia de que de nada serve a pretensão de criar, na medida em que ao homem esse desígnio se encontra fechado. De nada nos serve, portanto, sonhar com eventuais realizações terrenas, na medida em que essas apenas podem ser concretizadas por acção divina. Curiosamente, o remédio que o autor do livro nos recomenda é, por um lado, o temor e a obediência a Deus, e, por outro, a prática do bem, amar o próximo. Além disso, numa outra passagem, a felicidade é apresentada como circunstância susceptível de ser alcançada através da concretização das necessidades elementares de subsistência. Quando se afirma que “a felicidade do homem está em comer e em beber, desfrutando o produto do seu trabalho”[8], o discurso apontará, de qualquer modo para algo que se aproxima daquilo que Aristóteles afirma na Ética a Nicómano acerca de felicidade. Nesta obra[9], ele afirma que “a felicidade é aparentemente uma coisa completa e auto-suficiente, desde que seja o fim das coisas perseguidas pela acção”.
Embora a passagem do Eclesiastes a que me refiro inclua a ideia de que o produto do trabalho, bem como tudo aquilo que se possa obter na vida, provém de uma acção divina, o certo é que essa mesma passagem sugere uma satisfação que pode relacionar-se com a forma como, através de uma actuação concreta, a ideia de felicidade pode ser pressentida.
Nesta perspectiva, à ideia de que nenhum homem se pode considerar feliz antes de morrer opor-se-á uma outra segundo a qual o conceito de eudaimonia se estenderá, então, ao de ser-se rico, ou poderoso, ou mesmo ter-se bons filhos, por exemplo.


[1] ARISTÓTELES, Nicomachean ethics, Hackett Publishing Company, Indianapolis/Cambridge, 1984.
[2] SNELL, Bruno, The Discovery of the mind in greek philosophy and literature, Dover Publications, Inc, New York, 1986, pp.163-164.

[3] PLATÃO, Fédon, Livraria Minerva, Coimbra, 1988, 79c.
[4] idem, 64a.
[5] PLATÃO, Apologia de Sócrates, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 4ª edição, Col. «Clássicos de Filosofia», tradução de José Trindade Santos.
[6] PLATÃO, Fedon, 85b.
[7] Eclesiastes, 1, 17.
[8] idem, 2, 24.
[9] ARISTÓTELES, ob. cit., 1097b 20.


Existem diferentes maneiras de reagir à coacção e à limitação dos direitos individuais de cidadania. A história e a vida têm-nos ensinado que assim acontece. Aquela que talvez seja a forma mais comum, porque mais visível de reagir, consiste na afirmação imediata da diferença, através de acções muito concretas e mesmo ruidosas. Aquilo que me interessa não passa por este tipo de manifestações de oposição ou de discordância, mas, muito mais, de averiguar o modo como em tantos casos, mais ou menos silenciosos e exercicidos de um modo privado, a oposição e a afirmação da diferença podem ser exercidas.
Refiro-me concretamente a pessoas que, tendo passado por experiências intensas de privação, foram capazes de esperar por uma espécie de redenção. Mais ainda, a pessoas, que, tendo sabido esperar por essa hora, aí chegados souberam cumprir a sua tarefa com magnanimidade, sem pretenderem transformar a sua vitória, em momento propício de ajuste de contas. A este respeito, o exemplo de Job, quanto à capacidade de aceitação dos desígnios de Deus é ilustrativo.
Alguém que alimente em si mesmo um desígnio fortemente enraizado é capaz de esperar, de ser paciente, de assentir. Aliás, a existência desse desígnio é a razão principal para se aceitar o sacrifício proposto, diante da adversidade que o presente pode exibir.
"podemos fazer um juízo acerca de proposições em que temos os meios de chegar a uma conclusão definida; ou podemos assentir a proposições que devemos aceitar só sob a influência das suas premissas, ou então ficar em suspenso a seu respeito; mas esses erros do indivíduo pertencem ao indivíduo, não à sua natureza, e não podem lesar o seu direito natural, em circunstâncias adequadas, de duvidar, inferir ou assentir. Mas só realizamos a nossa natureza na dúvida, na inferência e no assentimento; e o nosso dever não é abster-nos do exercício de qualquer função da nossa natureza, mas fazer o que em si é genuinamente correcto."

John Henry Newman

quarta-feira, 10 de março de 2010

Sobre Assentimento

A natureza do assentimento, depois de se compreender que é esse o único modo de aspirar à sobrevivência, implica um processo que encontra no ânimo, na decisão, nas convicções fortes, na determinação, a sua força e a sua energia vital.
Nadezhda Mandelstam revela esta capacidade de resistência. Victor Kemperer afirma, na entrada de 31 de Dezembro de 1933, a propósito de dois amigos, Thieme e Gusti, respectivamente nacional-socialista e comunista: I have again and again emphasized that in the end I equate National Socialism and Communism: both are materialistic and tyrannical, both disregard and negate the freedom of the spirit and of the individual.
Uma das diferenças entre estes dois autores e o Job bíblico residirá no facto de, enquanto que o último se vê perseguido por Aquele a quem julgava infinitamente bom, os outros reconhecem na infinita imperfeição humana a origem dos seus males.
A diferença fundamental entre espíritos totalitários e espíritos não-totalitários residirá, por conseguinte, no facto de que, enquanto uns concebem a perfeição humana, os outros sabem que o homem é por natureza um ser vulnerável e sujeito à corrupção.

Job

O Livro de Job (uma leitura)

Diários

O diário de Victor Klemperer é um exemplo de uma história de Job. Um homem comum, com uma vida comum, vê-se, gradualmente, a caminhar e a confrontar-se com uma situação de desgraça.
O seu texto apresenta uma espécie de conta-corrente com a vida, onde vão emergindo as dificuldades crescentes por que o autor vai passando, a partir da chegada de Hitler ao poder.
Mesmo perante a adversidade de, inclusivamente, lhe ser retirada a liberdade de expressão e de lhe serem retirados os seus direitos cívicos, Klemperer assume constantemente uma atitude "olímpica", visto que nunca deixa, embora o vá fazendo de uma forma cada vez menos frequente, de manter as suas relações. Aliás, na sua rede de amizades, ou a partir dela, podemos encontrar diferentes posicionamentos políticos.
Em 27 de Março de 1933, na entrada do seu diário, podemos ler a seguinte passagem:
there is no bloodshed in the country, but oppression, oppression, oppression. No one breathes freely anymore, no free word, neither printed nor spoken.
A reacção à opressão aqui referida, encontra uma forma particular no modo como de uma maneira mais ou menos produtiva o autor se vai exprimindo. Aos poucos, parece emergir do texto um entendimento segundo o qual o último refúgio da liberdade individual se encontra no lugar recôndito do espírito e que é através da expressão que ele se manifesta e, por ela, existe. A este respeito, a entrada de 27 de Março é um exemplo daquilo que, ao longo do seu diário, Victor Klemperer vai manifestando.
Ao afirmar que "Nothing by me appears anymore. I work away quietly for myself on 'The Image of France'", o autor declara desde logo uma forma de reacção. A escrita, a expressão, passa a ser o modo a partir do qual a sua liberdade individual pode ser preservada. O lugar da sua resistência, mesmo quando, através dessa forma de resistência se afirma a falta de esperança, tal como acontece, por exemplo, na entrada de 22 de Maio de 1933, é sempre o da expressão.

terça-feira, 9 de março de 2010

Soren Kirkegaard

Paciência

"No exterior, a paciência é um tertium quid, superveniente e, falando humanamente, era bem melhor não precisar dela. Nuns dias é mais precisa, noutros menos, tudo de acordo com a fortuna de que um homem se torna devedor, mesmo que tenha adquirido muito pouco; pois só quando quer adquirir a paciência, só então não se torna devedor de ninguém. Por isso, ainda que os homens na vida exterior louvem a paciência, ela é e continua a ser, de facto, um fardo. Também o caminhante toma na sua mão um bordão. Ele não nega que o bordão pesa e que, nessa medida, tem de carregar com mais do que se não fosse assim, mas estima que o bordão o sustentará tanto na caminhada que o ganho será maior e o seu passo mais fácil. Se alguém o pudesse convencer de que não era assim, então não levaria o bordão consigo, da mesma forma que o põe de lado ao atingir a meta."

Soren Kirkegaard, Adquirir a sua Alma na Paciência

John Henry Newman

Assentimento

“o Assentimento Real (…) é em si um acto intelectual, cujo objecto lhe é proposto pela imaginação; e embora o puro intelecto não induza à acção, como também não a imaginação, contudo, esta, ao contrário do puro intelecto, tem os meios de estimular os poderes da mente, de que brota a acção. O Assentimento Real, ou a Crença, como se pode chamar, olhado em si mesmo, isto é, apenas como Assentimento, não conduz à acção; mas as imagens em que ele vive, representando efectivamente o concreto, têm o poder do concreto sobre as afecções e as paixões, e por meio destas tornam-se indirectamente operativas.”

John Henry Newman, Ensaio a Favor de uma Gramática do Assentimento

segunda-feira, 8 de março de 2010

Newman e Kirkegaard

Paciência ou Assentimento?

Perchè non possiamo non dirci cristiani

Um dia aqui colocarei o ensaio, cujo título se encontra em epígrafe.

domingo, 7 de março de 2010

Canto III, Inferno

sábado, 6 de março de 2010

Inferno, Canto II

sexta-feira, 5 de março de 2010

Os olhos fecham-se. Mas não deixam de olhar. Apenas contemplam o lado de dentro. Isso, o dentro da carcaça.

Verrà la morte e avrà i tuoi occhi

Verrà la morte e avrà i tuoi occhi-
questa morte che ci accompagna
dal mattino alla sera, insonne,
sorda, come un vecchio rimorso
o un vizio assurdo. I tuoi occhi
saranno una vana parola,
un grido taciuto, un silenzio.
Così li vedi ogni mattina
quando su te sola ti pieghi
nello specchio. O cara speranza,
quel giorno sapremo anche noi
che sei la vita e sei il nulla.

Per tutti la morte ha uno sguardo.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.
Sarà come smettere un vizio,
come vedere nello specchio
riemergere un viso morto,
come ascoltare un labbro chiuso.
Scenderemo nel gorgo muti.

Cesare Pavese
Sem que alguma vez de lá tenha saído, regressei a casa. Ainda não é esta a casa que procuro. Apenas a casa temporária que me alberga em dias de recolhimento.
Visitei um lugar familiar, de onde, emergente, o tempo se me apresentou. De tal maneira o fez que me deixou ofuscado. Hoje não vi as pessoas com quem estive e procurei conversar, manter uma conversa, ou várias, cruzadas, de cujo teor não me lembro, porque as não ouvi, de tal modo o aroma do tempo se me manifestou, impante, irreversível. O tempo em que permaneci naquele lugar é um tempo em que eu não tinha a roupa que hoje trago vestida, em que os meus cabelos não eram grisalhos, um tempo em que havia um triciclo e um quintal e o mundo parecia imóvel. Hoje dei conta de um vazio, compreendido entre aquele triciclo e esta roupa.
Vazio ainda mais veementemente registado nos movimentos circulares agora descritos.



A chuva cansa. Falta-me o calor... o Sul...