O meu pai tem um quadro, na parede da cozinha, por cima do lava-loiças, que mostra uma señorita espanhola toda empoada. Tem mesmo. Leva-me a ver o quadro e ficamos ambos a apreciá-lo. «As pessoas pensam que ela deve estar nua, debaixo daquilo, mas aposto que tem alguma coisa vestida», diz ele.
Uma vez, guiou-me numa visita a todas as suas paredes. Todas as suas paredes estão cobertas por quadros e gravuras. Recortes de revistas de uma ponta a outra das paredes. Cada quadro ou recorte é um ponto de vista. Como se nos debruçássemos de várias janelas sobre paisagens emaranhadas. Observo os quadros. Uma queda de água com rochas verdadeiras coladas em primeiro plano. Rochas que achou que ficavam bem no quadro. Um cão branco com um peixe verde na boca. Cactus Saguaro ao pôr do sol, recortados de uma Arizona Highways de 1954. Um orangotango cor de laranja brincando com os órgãos genitais. Uma esquadrilha de bombardeiros B-52 em pleno voo. Uma colagem de rostos salpicada de manchas de gordura.
O meu pai tem uma colecção de beatas numa lata de café Yutan. Compro-lhe um maço de Old Golds mas nem lhe toca. Continua a vasculhar tabaco nas beatas e enrola tudo o que encontra, em cima de um saco de mercearia, de forma a não perder o mais ínfimo bocadinho. Olha desdenhosamente para o meu maço de cigarros, vermelhos e brancos e enrolados na fábrica.
Gastou em Bourbon todo o dinheiro que eu lhe tinha dado para comida. Encheu o frigorífico de garrafas. Tinha o cabelo cortado rente, tal qual um piloto da segunda guerra mundial. Brilhavam-lhe os olhos de contentamento sempre que passava a mão pelo cabelo rente e duro que nem cerda. Dizia que costumavam cortá-lo assim rente para que os capacetes pudessem encaixar bem nas cabeças. Mostrava-me as cicatrizes dos estilhaços ainda nítidas na nuca.
O meu pai vive sozinho no deserto. Não se dá com gente, diz.»
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Santa Fé, Novo México
Sam Shepard, Crónicas americanas
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