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sábado, 21 de maio de 2011

O eu si-próprio

«Pessoa, fazedor de outras pessoas, objectos descartados, feitos duplos e opositores, torna-se espaço relacional: Sou a cena nua onde passam vários actores representando várias peças. E no entanto Pessoa [o que supera o Pessoa ortónimo E todo este mundo meu de gente entre si alheia só é tal, pelo outro, que nele, e, para ele, se vai desenvolvendo.
Daí, por outro lado, que o esgotante devir-outro seja o devir-si-próprio. Quanto mais se é outro mais se é - Só o que sonhamos é o que verdadeiramente somos.
O eu si-próprio que preside à alteridade e à heteronímia, sendo pura relação é, nesta diferença de si a si, que encontra a sua identidade. A identidade torna-se, portanto, em Pessoa (e em termos próximos de Heidegger), relação pura. Ser eu é ser diferente de mim, é ser distância ao ser. Ora esta diferença de si a si, primeira na ordem da fundamentação do ser-ente (Dasein) é a essencialidade de toda a forma de o eu se sentir. O ser outro passa por este corredor tensional [o incómodo (...) corredor / Do pensamento para as palavras de Caeiro, o negro Intervalo de Bernardo Soares], na tentativa de reduzir a fissura entre a sensação e a consciência, pela substancialização da consciência dessa relação.
A apropriação de si implica esse «duplo movimento do deslizar para fora de si e de reapropriação (aberta, não-totalizada) de si, de todas as coisas e de toda a existência»
É o desejo, a força desse poder ser, que fazem da personalidade pessoana que é Bernardo Soares um caso assumido, in-extremis, desta natural alteridade que todos temos. Ele quis viver essa diferença ontológica, preencher o vazio pelo sonho e pelo olhar.
«O olho do pensamento», essa visão interior, visão vidente (um outro filão melancólico), controla e dinamiza o processo, por um lado, em profundidade temporal e valorativa, por outro, em extensão espacial e diversificante.»

Ricardina Guerreiro, De Luto por existir, a melancolia de Bernardo Soares à luz de Walter Benjamin 

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