James Ensor, «Fireworks»
«Consigo ver um vulcão nessa imagem, que é um pormenor de uma pintura de Ensor, cuja obra tinha acabado de rever em Paris e que admiro imenso. Pergunto-me se fiz bem em cortá-la. É um fogo-de-artifício na cidade. A parte de baixo tem a escuridão e as pessoas minúsculas que estão a assistir ao fogo. Assim ficou mais misterioso. Essa imagem sustenta a passagem do químico ao alquimista. É a chama que quero pôr em relevo.
Também é verdade que me ocorreu um vulcão, sugestionada por Goethe, que está muito presente nestes textos, e pela sua viagem a Itália, no final do século XVIII.
Goethe subiu ao Vesúvio três vezes, e com perigo uma das vezes. No quadro de Ensor não se vêem as cinzas. É uma imagem invertida daquilo que Benjamin diz que a passagem do químico ao alquimista é a passagem do comentário à crítica. Essa passagem não está assegurada, pode dar-se ou não. Quando se dá, ela consiste em ver nas cinzas uma chama. A imagem proclama a chama, mas omite as cinzas. Em Goethe, o tema das cinzas não é decisivo. Não é que Goethe não conheça bem a indigência, a aflição, a perda, a angústia da vida. Mas o tema das cinzas não é muito goethiano. Nem baudelairiano. Baudelaire fala mais dos restos, dos despojos. Benjamin utiliza muito a imagem das cinzas.»
Entrevista a Maria Filomena Molder, «Público», 20 de Maio de 2011
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