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domingo, 29 de maio de 2011

Madame Bovary

«Qual é o terreno fértil de nescidade, o meio mais estúpido, o mais produtivo em absurdos, o mais abundante em imbecis intolerantes?
«A província.
«E, lá, quais são os actores mais insuportáveis?
«As pessoas insignificantes que se agitam em funções insignificantes cujo exercício lhes falseia as ideias.
«Qual é o facto mais gasto, o mais prostituído, o realejo mais estafado?
«O Adultério.
«Não preciso, pensou o poeta, de que a minha heroína seja uma heroína. Para que seja interessante basta que seja suficientemente bonita, que tenha nervos, ambição, uma aspiração irrefreável a um mundo superior. Aliás, a proeza será mais nobre, e a nossa pecadora terá pelo menos o mérito - comparativamente tão raro - de se distinguir das faustosas tagarelices da época que nos antecedeu.
«Não preciso de me preocupar com o estilo, com a composição pitoresca da descrição dos ambientes; possuo todas essas qualidades num grau superabundante; caminharei apoiando-me na análise e na lógica, e provarei assim que todos os assuntos são indiferentemente bons ou maus consoante o modo como são tratados, e que os mais vulgares podem vir a ser os melhores.»
E assim era criada Madame Bovary - um desafio, um verdadeiro desafio, uma aposta como todas as obras de arte.
Ao autor, para realizar a proeza por inteiro, só restava despojar-se (tanto quanto possível) do seu sexo e de tornar-se mulher. Do que resultou uma maravilha; é que, apesar de todo o seu zelo de comediante, não conseguiu deixar de infundir um sangue viril nas veias da sua criatura, e, no que tem de mais enérgico e de mais ambicioso, e também de mais sonhador, Madame Bovary ficou sendo homem. Como Pallas saindo armada do cérebro de Zeus, este estranho andrógino conservou todas as seduções de uma alma viril num atraente corpo feminino.»

Charles Baudelaire, A Invenção da Modernidade (sobre Arte, Literatura e Música)

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