(…) Porque teria sentido uma ruptura entre a cadeira de Francês – logo, de literatura – e a de Filosofia? Ainda hoje me pergunto.
(…) O professor Aillet preparou toda a vida uma tese de Filosofia do Direito que nunca terminou (uma tese próxima do tema desencorajara-o). Segundo um artigo publicado na “Revue de Métaphysique et de Morale”, esforçava-se por interpretar a prática dos tribunais à luz de uma filosofia do julgamento e não do conceito (julgar os casos na sua singularidade, mais do que deduzir a partir do conceito de julgamento que convier ao caso) (…). A inspiração filosófica pouco importava. Aillet reflectia à nossa frente; não estava couraçado por um sistema, procurava ao alto, penosamente, a verdade. O seu discurso, por vezes embaraçado, arriscava-se a desencorajar os jovens ouvintes. Cheguei a retraduzir para os meus amigos (…) as explicações do professor, mas o trabalho do pensamento, autêntico, sem comédia, oferecido a vinte rapazes de dezassete ou dezoito anos, não um espectáculo mas uma comédia humana, tomou para alguns de nós um valor único, incomparável. Pela primeira vez, o professor não sabia, buscava; não havia verdade a transmitir, mas sim um modo de reflexão a sugerir. Claro que os verdadeiros sábios ensinam menos a verdade adquirida do que a arte ou o método de a adquirir.
(…) Deverei dizer que a cadeira de Filosofia me levou à École Normale Supérieur e à agregação porque tal caminho se abria por si só? Eu dedicava-me ao exercício intelectual para o qual era aparentemente mais dotado do que para outros. Creio que esta severidade é excessiva. A cadeira de Filosofia ensinara-me que podemos pensar na nossa existência em vez de sofrer com ela, enriquecê-la com a reflexão, manter uma relação com os grandes espíritos. Um ano de familiaridade com a obra de Kant curou-me, de uma vez por todas, a vaidade (pelo menos em profundidade).
Raymond Aron, Memórias
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