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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Mais do mesmo

«O chico-espertismo não é, pois, um traço psicológico, um aspecto do carácter do português. Como vimos, constitui um espírito e uma prática que se situa no cruzamento das técnicas do «cuidar de si», enquanto processo de subjectivação, e as tecnologias do poder. O chico-esperto não é o mentiroso, o corrupto que se coloca claramente fora da lei. Pelo contrário, aproveita um espaço não-preenchido pela lei para cometer um acto quase legal, mesmo quando implica pequenas transgressões das normas jurídicas. Que faz o chico-esperto? Age por pequenas sequências, por pequenos troços de acção, para obter pequenos resultados - que se revelam, muitas vezes, nulos. Mas julga que, somando os pequenos resultados, obtém um ganho final apreciável. O chico-esperto infringe a lei como se estivesse a cumpri-la, como se fosse uma boa partida sem consequências de maior. Porquê? Porque, no fundo, a pequena transgressão que comete não faz dele um criminoso, apenas um «malandreco». À acusação que o pode tornar um alvo da autoridade porque cometeu um delito opõe-se a força da conivência dos costumes, do «direito consuetudinário» que se formou na cabeça dos nossos compatriotas e que aprova secretamente o chico-espertismo. «Direito» imaginário de tal maneira poderoso, que, «no fundo», quem não aprova aquele gestor que quis salvar o dinheiro das fraudes de que foi o autor, pondo-o na conta da mulher? O chico-espertismo, por ser tão generalizado e penetrar tantos domínios, desliza facilmente para a corrupção e para a acção criminosa.

José Gil, Em Busca da Identidade - o desnorte

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