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Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Havia Séculos

Havia séculos
e eram florestas sobre florestas escritas.
O canto cantava: era o incêndio do vento

folheando a memória da terra

    essa maranha de raízes aéreas que nasciam enterrando
mais fundo as árvores anteriores;
    essa teia nocturna de troncos e lianas, de ramos e folhas,
nervuras que os versos enervam irrespiráveis;
    esse mapa em relevo lavrado pela paciência da luz
que atrasando-se recorta
    estas estranhas esculturas do tempo:
os poemas selvagens

o máximo excesso de uma rosa aquática e frágil
sempre a nascer desfiladeiros
e falésias, fendas, quebradas, ravinas
vulcões que deflagram em écrans sucessivos

Havia séculos
e o cinema dos astros
acendia ampolas e bagas, campânulas, cápsulas, lâmpadas;
punha em música a infinita noite dos versos que longamente
escutam
aqueles que muito antes ou muito depois vieram ou virão
até estes anfiteatros que os desertos invadem.

Havia séculos
e / atravessando as ruínas dessa terra quente, as páginas
de água dessa roda alucinada / havia esse:
o comum de nós que dos seus se dividindo, verso
a verso, procura ainda alguém. E assim
era de novo o início.

A grande migração das imagens - havia séculos -
desde há muito começara, desde sempre, já.
E sem cessar migrávamos nós, inquietos e perdidos

sem paz e sem lei, sem amos nem destino.

Manuel Gusmão, Migrações de Fogo

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