«Uma culpa vaga agrega-se a qualquer destas duas formas de melancolia: a da clara insuficiência do alegorista e a da negra claridade do místico. Culpa da impotência (patente no confessionalismo, na insatisfação criadora, na contínua releitura, na ironia avalorativa, na crítica demolidora) ou culpa da perda (patente no sentimento de exílio e de apatricidade ou na pressuposição de um paralelismo sombrio e incorpóreo). Por essa culpa fundante, o melancólico é, assim, um ser do tempo, melhor, um ser que sente o tempo. Pelo sentimento de impotência liga-se ao futuro, ainda que seja um futuro antecipadamente talhado como frustrante -
uma mágoa vestida para a viagem. Por isso, o descrédito na acção, a terrível acédia que o paralisa. Pelo sentimento de perda liga-se ao passado. Um passado sombra sem nome e sem espaço, de indefinidos contornos. Daí o luto não cumprido, vestindo a tristeza sem consolo do rosto melancólico.
O significador entretém na obra, e sobretudo na projecção desta, a impossibilidade de realização fundamental; mas cala a culpa e o luto na ironia e no espectáculo. O homem dos fundamentos não. Agoniza na culpa como sob um ferro demarcador [
como se me viessem (...) chamar a um exame ou a uma execução]
. Mas, paradoxalmente, é por esta agonia que se desculpabiliza epode assim surgir aos olhos do
deus (...)
que haja como a vítima sofredora, o inocente de um destino.»
Ricardina Guerreiro, De Luto por Existir, A Melancolia de Bernardo Soares à luz de Walter Benjamin
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