Acerca de mim

A minha foto
Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Húmus

«As paixões dormem, o riso postiço criou cama, as mãos habituaram-se a fazer todos os dias os mesmos gestos. A mesma teia pegajosa envolve e neutraliza, e só um ruído sobreleva, o da morte, que tem diante de si o tempo ilimitado para roer. Há aqui ódios que minam e contraminam, mas como o tempo chega para tudo, , cada ano minam um palmo. A paciência é infinita e mete espigões pela terra dentro; adquiriu a cor da pedra e todos os dias cresce uma polegada. A ambição não avança um pé sem ter o outro assente, a manha anda e desanda, e, por mais que se escute, não se lhe ouvem os passos. Na aparência é a insignificância a lei da vida; é a insignificância que governa a vila. É a paciência, que espera hoje, amanhã, com o mesmo sorriso humilde: - Tem paciência - e os seus dedos ágeis tecem uma teia de ferro. Não há obstáculo que a esmoreça. - Tem paciência - e rodeia, volta atrás, espera ano atrás de ano, e olha com os mesmos olhos sem expressão e o mesmo sorriso estampado. Já a mentira é de outra casta, faz-se de mil cores e toda a gente acha agradável. - Pois sim... pois sim... - Não se passa nada, não se passa nada. Todos os dias dizemos as mesmas palavras, cumprimentamos com o mesmo sorriso e fazemos as mesmas mesuras. Petrificam-se os hábitos lentamente acumulados. E o tempo mói: mói a ambição e o fel e torna as figuras grotescas.»

Raúl Brandão, Húmus

Sem comentários: