Acerca de mim

A minha foto
Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

História de um Sonho

«Talvez por ser mais impetuosa, mais verdadeira ou temperamental, Albertine foi quem primeiro conseguiu reunir a coragem suficiente para se abrir numa confissão honesta. Com a voz trémula, procurou trazer à memória de Fridolin uma noite no passado Verão, na costa dinamarquesa, quando um homem jovem acompanhado de dois oficiais se sentou a uma mesa ao lado da sua, e, durante a refeição, recebeu um telegrama que de imediato o fez abandonar os dois amigos.
Fridolin assentiu com a cabeça- - Sim, lembro-me. Que é que tinha o rapaz? - inquiriu.
- Já o tinha visto nessa manhã - retorquiu Albertine -, quando subia a escadaria do hotel transportando uma mala amarela. Olhou-me quando nos cruzámos, mas, uns passos adiante, parou e voltou-se na minha direcção. Os nossos olhares detiveram-se um no outro. Não me sorriu; aliás, o seu semblante pareceu turvar-se e eu devo ter reagido de igual modo, porque senti uma perturbação nunca experimentada antes. Passei o dia na praia deitada ao sol, perdida em divagações. Se me tivesse chamado, não teria sido capaz de resistir (ou, pelo menos, assim pensei). Achei-me capaz de fazer o que quer que fosse. Estava pronta a deixar-te a ti, à nossa filha, a abdicar do nosso futuro, mas ao mesmo tempo (acreditas?), eras-me mais querido do que nunca. Nessa mesma tarde (lembras-te?) falámos confiadamente de uma imensidade de coisas - do nosso futuro a dois, da nossa filha - como já não acontecia havia tempo. Depois, ao entardecer, quando estávamos sentados no terraço, ele passou diante de nós na praia sem olhar para cima, e redobrei de felicidade. Mas era a tua fronte que eu acariciava, eram os teus cabelos que beijava. E no meu amor por ti havia também muita compaixão dorida. Nessa noite trazia uma rosa branca no cinto e tu próprio disseste que eu estava muito bonita. Talvez não tenha sido por acaso que o estranho se sentou com os amigos junto de nós. O seu olhar não me procurou, mas eu brincava com a ideia de me juntar a ele na sua mesa e dizer-lhe: «Aqui estou, meu amor tão ansiado, meu querido. Leva-me contigo». Foi nessa altura que lhe entregaram o telegrama: leu-o, empalideceu, sussurrou algumas palavras ao oficial mais jovem e deixou a sala dirigindo-me um olhar enigmático.
- E depois? - perguntou Fridolin secamente, quando ela se calou.
- Termina assim. Apenas sei que na manhã seguinte acordei nervosa e apreensiva. Não consigo exprimir-te o que me atormentava - se o facto de ele ter partido, se a possibilidade de ter ficado. Não o sei agora, e não o soube naquela altura. Mas quando, à hora do almoço, ele ainda não tinha aparecido, respirei de alívio. Não me faças mais perguntas, Fridolin. Contei-te toda a verdade. Sei que também tu viveste uma experiência idêntica nessa praia. Tenho a certeza disso.»

Arthur Schnitzler, A História de um Sonho

Sem comentários: