Acerca de mim

A minha foto
Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

domingo, 21 de agosto de 2011

Singularidade

«A defesa kierkegaardiana da singularidade é a forma genial não só da recusa do Sistema (a filosofia de Hegel) que integra o indivíduo no movimento da História (e em particular na manifestação concreta de um Estado hegelianamente já bem totalitário) como da ausência de sentido aceitável para a mera existência empírica quotidiana, prisioneira do instante. Esta última, de que o modelo democrático moderno e a sua tradução cultural suprema, o jornalismo, são as expressões mais típicas, representa, aos olhos de Kierkegaard, a forma inferior da existência, a existência inautêntica, como a primeira - o Sistema - representa a sua conciliação pervertida e perversa. Em suma, a paixão da subjectividade infinita que caracteriza o homem, segundo Kierkegaard, não tem o perfil harmonioso, conciliante, de uma certeza racional: é um grito do Eu ameaçado no seu projecto, de um indivíduo único que não pode salvar-se senão aceitando o paradoxo, quer dizer, renunciando às consolações racionais à maneira de Hegel, à ideia de que tudo na vida humana se processa por mediação, superando antagonismos necessários mas provisórios em vista de síntese redentora, pessoal ou histórica. Kierkegaard odeia esse «consolacionismo» e a sua expressão imemorial triunfante: a Filosofia, com efeito, instância suprema do homem como razão. Mas não odeia menos a desfiguração permanente da seriedade e do trágico da existência sob a forma da religião institucional, simples fato de domingo das almas mortas, salvação a domicílio, bilhete grátis para a eternidade. O seu problema de teólogo, ou antes, de «poeta do religioso», foi o de devir cristão numa sociedade que já não é cristã (e acaso nunca o foi), ou porque recusa em nome da Razão toda a vivência cristã da vida ou porque, mais perfidamente, se considera cristã, como se considerava dinamarquesa. Tal foi o problema pessoal e histórico vivido pela consciência do homem Kierkegaard.»

Eduardo Lourenço, Fernando Rei da Nossa Baviera

Sem comentários: