MFM - E a euforia da destruição. Agora, a destruição parece que já não é acompanhada de euforia. Todas as condições históricas, económicas, políticas estão sempre a ser estudadas.Já reparou que nós não podemos dizer uma frase sem que a seguir ela seja imediatamente analisada? Vemos isso na política. Aquilo a que chamamos «o presente» - e que é tão difícil de determinar - parece que tem uma vida cada vez menos real.
Está em exegese permanente?
MFM - Sempre. Isso parece impedir o pensamento. Para haver pensamento é preciso haver distância. Aqui não; é tudo em cima da hora. Quando há declarações dos políticos, quase ao mesmo tempo já se está a fazer o comentário. Às vezes nem se deixa acabar o discurso. Há nisso uma impossibilidade de criar distância, uma condição para nós pensarmos. Há uma tradução mimética do que se está a ouvir, orientada por certos lugares-comuns que o jornalista tem na cabeça ou porque pertence àquele partido ou porque não pertence ou porque quer fazer de conta que é muito neutro. Há uma série de razões psicológicas nisso. Por outro lado há o interesse do público, que quer que lhe traduzam tudo o que ouve.
Essa aceleração do tempo parece-lhe perniciosa?
MFM - Não sei se é uma aceleração do tempo. Acho que é uma forma de evitar a distância e a demora que possibilitam pensar.
Eu referia-me à instantaneidade mediática.
MFM - Quer dizer, é ligar-se à instantaneidade de modo a criar reproduções de instantaneidades que não têm fim. Porque depois também há os comentadores que comentam os comentadores.O elemento representacional na política não foi inventado agora. Existe desde sempre.
Refere-se ao aspecto simbólico daquilo que é dito?
MFM - Exactamente. Se eu estou a fazer uma declaração para um público há aí um elemento representacional imediatamente inscrito. Faço-a com uma determinada retórica, com determinados instrumentos de persuasão, com um objectivo que tem a ver não só com a ideia de convencer mas provavelmente também com a de vencer.
Ou seja, nada é para ser lido pelo valor facial.
Pois. Mas na política, como em todos os discursos públicos, há uma oscilação entre aquilo a que chama «valor facial» e o tal valor representacional. Nunca podemos estar completamente certos de que um deles se sobrepõe ao outro. Mas depois hámecanismos de confronto e de comparação das palavras que se dizem com aquilo que se passa, na medida do possível. O comentador parece ter esse papel de comparação. A verdade é que faz quase sempre só uma espécie de paráfrase do que está a ser dito como se estivesse a ser falado numa língua estrangeira.É como se fosse uma linguagem que o comentador tem que decifrar para benefício dos seus auditores. Acho que isso é impossibilitador e pensamento. Chamou-lhe «aceleração do tempo» e tem muita razão: é algo que tem a ver com uma pressa enorme de tornar cifrada a palavra que está a ser dita para obter dividendos junto de quem ouve. Junto de quem lê é mais difícil porque a escrita implica demora.»
Maria Filomena Molder, in Revista «Ler», nº104, Julho/Agosto de 2011
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