Mas a figura humana não é somente, como a figura animal, a corporeidade da alma; é também a do espírito. Ora entre a alma e o espírito existe uma diferença essencial. Com efeito, a alma não é senão o ser por si, simples e ideal, do corporal enquanto corporal, ao passo que o espírito é o ser por si da vida consciente de si própria em particular, com todos os sentimentos, representações e afins que comporta e implica esta exigência consciente. Dada esta enorme diferença entre a vitalidade puramente animal e a consciência espiritual, pode parecer estranho que a corporeidade humana, o corpo humano, tenha uma tal analogia com o corpo animal. Àqueles a quem esta parecença surpreenda, responderei lembrando a determinação em virtude da qual o espírito, para permanecer conforme ao seu próprio conceito, se deixa decidir e afirmar de uma maneira viva sob o aspecto ao mesmo tempo de uma obra e de uma existência natural. Em virtude do conceito inerente à alma animal, à espiritualidade, enquanto alma vivente, damos um corpo que, pelas suas propriedades gerais, se pareça ao organismo animal vivente. O espírito, por mais que esteja acima do que é simplesmente vivente, não se imagina menos um corpo que parece derivar do mesmo conceito que o corpo animal e ser organizado como ele. Mas, visto que o espírito não é somente a ideia na sua existência, a ideia enquanto naturalidade e vida animal, mas a ideia que está de tal modo no próprio elemento, o da livre interioridade, a espiritualidade elabora a sua própria objectividade que se encontra para além da vida puramente sensível: é a ciência que não conhece outra realidade que a do pensamento. Fora do pensamento e da sua actividade filosófica e sistemática, o espírito vive ainda de uma vida completa que é a dos sentimentos, das inclinações, das representações, da imaginação, etc., e que, se ligam mais ou menos à sua existência enquanto alma e corpo, e possui a sua realidade no corpo humano. É nesta realidade que lhe pertence que o espírito se manifesta de uma forma vivente, penetrando-a e impondo-se aos outros. Consequentemente o corpo humano não é um simples objecto natural, mas tem por função representar por assim dizer, através das suas formas e da sua estrutura, a vida sensível e natural do espírito, mesmo distinguindo-se, enquanto expressão, de uma interioridade de uma qualidade mais elevada, da corporeidade animal, não obstante a parecença desta com o corpo humano.»
G. W. F. Hegel, Estética
Sem comentários:
Enviar um comentário