porque só no erro, só através do erro,
no qual se mantém sem poder fugir,
se torna o homem no investigador
que, é,
o homem que investiga:
porque o homem precisa do conhecimento da inutilidade.
tem de aceitar o seu medo, o medo de cada erro,
reconhecendo-o, provando-o até ao fim;
tem de ter consciência do pavor,
não por auto-flagelação, mas sim
porque só nessa consciência que reconhece
se ultrapassa o pavor,
porque só então é possível
entrar pela porta córnea do pavor
até atingir a existência
por isso o homem é levado para o espaço de toda a insegurança,
para lá levado, como se nenhum barco já o levasse;
ainda que ele para lá deslize em deslizante barca
por isso se dirige o homem para espaços e mais espaços
da sua consciência,
para os espaços do seu eu que se torna consciente,
destino da alma humana;
mas aquele que, por detrás de si,
fechou o pesado portão do pavor.
esse alcançou o adro da realidade e
o fluido desconhecido por cima do qual
pairando, desliza,
o não-conhecimento tornar-se-á fundo de saber,
uma vez que é o crescimento fluente da sua alma,
o incabado inacabável do próprio eu,
desdobrando-se, no entanto, como unidade,
logo que o eu tomar consciência de si próprio,
imperecível, graças ao seu crescimento, a unidade fluente do universo,
a ele tornada consciente, por ele avistada
na simultaneidade que, devido ao seu agora,
faz de todos os espaços em que ele é mantido um único
um uno, único espaço de origem,
e igual a este,
alberga em si o eu, para, no entanto, ser guardado pelo eu,
rodeado pela alma e no entanto rodeando a alma,
descansando no tempo e determinando os tempos,
sujeito à lei do conhecimento e criando o conhecimento,
pairando com ele no seu fluente crescer.
pairando em conjunto no pairar da sua crescente evolução,
que é só ela, a origem da realidade,
tão transcendente e imensa é a irradiação recíproca do mundo exterior e interior
que o pairar e o manter-se, que a libertação e a prisão
se diluem em transparência mútua indistinguível.
oh, tão imperecivelmente necessária,
oh, tão transparente que ultrapassa todas as medidas,
que na sua isolada esfera superior,
que só o olhar alcança, só o tempo alcança,
consciente em ambos,
reflectido em ambos, espelhado no rosto humano,
franco, virado para o céu por uma mão brônzea, suave,
envolta pelo destino
envolta pelas estrelas
brilha a dádiva prometida da não-inutilidade.
livre do acaso o tempo ofertado para sempre,
aberto ao conhecimento, à consolação na terra -,
e consoladoramente, no campo inundado de luar, uniam-se as esferas, as esferas do céu e da terra, para todo o sempre, ligadas umas às outras, consoladoramente semelhantes à respiração que, do universo inundado de luar deve voltar para dentro do peito, consoladoramente anunciando que nada foi inútil, que o que foi feito por amor do conhecimento não foi feito em vão e devido à sua necessidade não poderia ter sido em vão. Esperança no incabado e no inacabável, e ao lado, muito timidamente, a esperança da conclusão da Eneida, eco ressoante de esperança e da promessa na terra, reverberando na confiança terrena; disposto a acolher está o mortal, no seio da existência terrena.»
Hermann Broch, A Morte de Virgílio
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