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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Caridade

«A principal vantagem que deveria resultar do estabelecimento do socialismo seria o facto de este, indubitavelmente, nos poder aliviar da sórdida necessidade de viver para os outros, uma realidade que tão rigorosamente se impõe sobre quase todos nós. Na verdade, quase ninguém lhe escapa.
De quando em quando,no decorrer dos séculos, um grande cientista como Darwin, um grande poeta como Keats, um espírito fino como Renan, um sublime artista como Flaubert consegue isolar-se, conservar-se fora das ruidosas exigências dos outros, ficar "no abrigo da caverna", como diz Platão, e assim compreender a perfeição que em si residia, para seu benefício e para incomparável e perdurável benefício da humanidade. Estes homens, contudo, são a excepção. A maioria estraga a própria vida por um altruísmo exagerado e pouco saudável. De facto, são forçados a estragá-la: encontram-se rodeados pela pobreza hedionda. É inevitável que não consigam impedir-se de se comover com essas situações. Mais facilmente se abala a emoção de um homem do que a sua razão. E, como já fiz notar há algum tempo atrás, num artigo sobre a função da crítica, é muito mais fácil compadecermo-nos através do sofrimento do que do pensamento.
Assim, com admirável, embora mal dirigida, intenção, esses homens dão-se muito séria e sentimentalmente à tarefa de remediar os males que vêem. Mas os seus remédios não curam a doença, apenas a prolongam. Os seus remédios são parte da doença. Esses homens tentam resolver o problema da pobreza mantendo o pobre vivo, ou até, de acordo com ideais mais avançados, divertindo-o. Mas esta não é a solução, é agravar o problema. A aspiração correcta deveria ser tentar reconstruir a sociedade numa base em que a pobreza seja impossível. As virtudes altruístas têm na realidade impedido de levar a cabo essa aspiração. Porque os piores senhores de escravos foram os que os tratavam com bondade, evitando que esse sistema horrível fosse compreendido por aqueles que o sentiam na carne e por aqueles que o observavam. É tal-qual assim, na Inglaterra, no presente estado de coisas. As pessoas que agem pior são as que tentam agir melhor. Mas temos também o espectáculo de homens que estudaram seriamente o problema e conhecem a vida, homens instruídos que vivem no East End de Londres, que imploram à comunidade que controle/domine os impulsos altruístas de caridade, benevolência e similares. Fazem-no porque sabem que tal caridade degrada e desmoraliza. E esses homens estão completamente certos. A caridade origina um grande número de pecados.»

Oscar Wilde, A Alma do homem sob o socialismo

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