Io credo nelle persone, però non credo nella maggioranza delle persone. Anche in una società più decente di questa, mi sa che mi troverò a mio agio e d'accordo sempre con una minoranza. (Nanni Moreti)
Acerca de mim
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
Tapestry
It is difficult to separate the tapestry
From the room or loom which takes precedence over it.
For it must always be frontal and yet to one inside.
It insists on this picture of "history"
In the making, because there is no way out of the punishment
It proposes: sight blinded by sunlight.
The seeing taken in with what is seen
In an explosion of sudden awareness of its formal splendor.
The eyesight, seen as inner,
Registers over the impact of itself
Receiving phenomena, and in so doing
Draws an outline, or a blueprint,
Of what was just there: dead on the line.
If it has the form of a blanket, that is because
We are eager, all the same, to be wound in it:
This must be the good of not experiencing it.
But in some other life, which the blanket depicts anyway,
The citizens hold sweet commerce with one another
And pinch the fruit unpestered, as they will,
As words go crying after themselves, leaving the dream
Upended in a puddle somewhere
As though "dead" were just another adjective.
From the room or loom which takes precedence over it.
For it must always be frontal and yet to one inside.
It insists on this picture of "history"
In the making, because there is no way out of the punishment
It proposes: sight blinded by sunlight.
The seeing taken in with what is seen
In an explosion of sudden awareness of its formal splendor.
The eyesight, seen as inner,
Registers over the impact of itself
Receiving phenomena, and in so doing
Draws an outline, or a blueprint,
Of what was just there: dead on the line.
If it has the form of a blanket, that is because
We are eager, all the same, to be wound in it:
This must be the good of not experiencing it.
But in some other life, which the blanket depicts anyway,
The citizens hold sweet commerce with one another
And pinch the fruit unpestered, as they will,
As words go crying after themselves, leaving the dream
Upended in a puddle somewhere
As though "dead" were just another adjective.
John Ashbery
terça-feira, 30 de agosto de 2011
Amour
«Quant à son fameux érotisme, il agit comme un condamné qui vieillit en prison et se tatoue sur le corps, frénétiquement, des images voluptueuses; ou bien il se perd au milieu des morts, il se dissout parmi les épitaphes: tombeau d'Eurion, tombeau de Lanis, tombeau d'Iasis, tombeau d'Ignatios, tombeau du grammairien Lysias; Leucios, Ammon, Myris, Marylos et tant d'autres. Tant de morts, et d'une telle présence que nous ne pouvons les distinguer de l'homme que nous avons vu, au passage, se tenir à l'entrée du café, s'asseoir à la table d'un casino ou travailler dans l'atelier du forgeron. L'amour qui n'est que vanité, l'amour stérile, ne peut laisser derrière lui qu'une statuette funéraire, spécifiquement belle, et un complet cannelle très fané, tragiquement vivant, que l'on croirait tombé de la valise du temps.
Voilà l'univers de Cavafy.»
Voilà l'univers de Cavafy.»
Georges Séféris, Cavafy et Eliot, un parallèle essai de Georges Séféris, aux éditions fata morgana
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Georges Séféris,
Konstandinos Kavafis
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
VI
Fujo da palavra sem timbre
Da expressão sem tom,
Da língua turva, do enunciado impuro,
Onde as arcadas do violoncelo choram.
Exaustos os rapsódicos rios de leones,
Fundo o murmúrio fluvial da estrofe,
Ouvindo interiormente,
Com as pálpebras cerradas.
Da expressão sem tom,
Da língua turva, do enunciado impuro,
Onde as arcadas do violoncelo choram.
Exaustos os rapsódicos rios de leones,
Fundo o murmúrio fluvial da estrofe,
Ouvindo interiormente,
Com as pálpebras cerradas.
M. S. Lourenço, Nada Brahma
domingo, 28 de agosto de 2011
Lendo «Hamlet»
I
No cemitério, à direita, encheu-se de poeira a campa,
e atrás dela brotou um rio azul.
E disseste-me: «Então,
vai para um convento
ou casa-te com um idiota...»
Só os príncipes falam sempre assim,
mas eu recordo essas palavras, -
deixa que elas corram cem séculos seguidos
como um manto de arminho dos meus ombros.
II
E como por engano
eu disse: «Tu...»
Iluminou-se a sombra com os suaves
traços de um sorriso.
De semelhantes deslizes da língua
toda a gente fica a olhar...
E amo-te, como quarenta
meigas irmãs.
No cemitério, à direita, encheu-se de poeira a campa,
e atrás dela brotou um rio azul.
E disseste-me: «Então,
vai para um convento
ou casa-te com um idiota...»
Só os príncipes falam sempre assim,
mas eu recordo essas palavras, -
deixa que elas corram cem séculos seguidos
como um manto de arminho dos meus ombros.
II
E como por engano
eu disse: «Tu...»
Iluminou-se a sombra com os suaves
traços de um sorriso.
De semelhantes deslizes da língua
toda a gente fica a olhar...
E amo-te, como quarenta
meigas irmãs.
Anna Akhmátova
sábado, 27 de agosto de 2011
Não compares: o vivente é incomparável
Não compares: o vivente é incomparável.
Com que terno pavor se aceita
das planícies a uniformidade
e o arco do céu como doença.
Dele esperando notícia ou serviço,
ao ar submisso apelei, o percurso
compus, e naveguei pelo arco
das viagens que não têm começo.
Onde tenho mais céu é que vagueio,
mas ir de Vorónej, a dos cerros novos,
para os montes toscanos de todos os homens,
impede-mo esta angústia clara.
18 de Janeiro de 1937
Com que terno pavor se aceita
das planícies a uniformidade
e o arco do céu como doença.
Dele esperando notícia ou serviço,
ao ar submisso apelei, o percurso
compus, e naveguei pelo arco
das viagens que não têm começo.
Onde tenho mais céu é que vagueio,
mas ir de Vorónej, a dos cerros novos,
para os montes toscanos de todos os homens,
impede-mo esta angústia clara.
18 de Janeiro de 1937
Óssip Mandelstam, Fogo Errante, antologia poética
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Carta da Corcunda ao Serralheiro
Senhor António:
O senhor nunca há-de ver esta carta, nem eu a hei-de ver segunda vez porque estou tuberculosa, mas eu quero escrever-lhe ainda que o senhor o não saiba, porque se não escrevo abafo.
O senhor não sabe quem eu sou, isto é, sabe mas não sabe a valer. Tem-me visto à janela quando o senhor passa para a oficina e eu olho para si, porque o espero a chegar, e sei a hora que o senhor chega. Deve sempre ter pensado sem importância na corcunda do primeiro andar da casa amarela, mas eu não penso senão em si. Sei que o senhor tem uma amante, que é aquela rapariga loura alta e bonita; eu tenho inveja dela mas não tenho ciúmes de si porque não tenho direito a ter nada, nem mesmo ciúmes. Eu gosto de si porque gosto de si, e tenho pena de não ser outra mulher, com outro corpo e outro feitio, e poder ir à rua e falar consigo ainda que o senhor me não desse razão de nada, mas eu estimava conhecê-lo de falar.
O senhor é tudo quanto me tem valido na minha doença e eu estou-lhe agradecida sem que o senhor o saiba. Eu nunca poderia ter ninguém que gostasse de mim como se gostasse das pessoas que têm o corpo de que se pode gostar, mas eu tenho o direito de gostar sem que gostem de mim, e também tenho o direito de chorar, que não se negue a ninguém.
Eu gostava de morrer depois de lhe falar a primeira vez mas nunca terei coragem nem maneiras de lhe falar. Gostava que o senhor soubesse que eu gostava muito de si, mas tenho medo que se o senhor soubesse não se importasse nada, e eu tenho pena já de saber que isso é absolutamente certo antes de saber qualquer coisa, que eu mesmo não vou procurar saber.
Eu sou corcunda desde a nascença e sempre riram de mim. Dizem que todas as corcundas são más, mas eu nunca quis mal a ninguém. Além disso sou doente, e nunca tive alma, por causa da doença, para ter grandes raivas. Tenho dezanove anos e nunca sei para que é que cheguei a ter tanta idade, e doente, e sem ninguém que tivesse pena de mim a não ser por eu ser corcunda, que é o menos, porque é a alma que me dói, e não o corpo, pois a corcunda não faz dor.
Eu até gostava de saber como é a sua vida com a sua amiga, porque como é uma vida que eu nunca posso ter — e agora menos que nem vida tenho — gostava de saber tudo.
Desculpe escrever-lhe tanto sem o conhecer, mas o senhor não vai ler isso, e mesmo que lesse nem sabia que era consigo e não ligava importância em qualquer caso, mas gostaria que pensasse que é triste ser marreca e viver sempre só à janela, e ter mãe e irmãs que gostam da gente mas sem ninguém que goste de nós, porque tudo isso é natural e é a família, e o que faltava é que nem isso houvesse para uma boneca com os ossos às avessas como eu sou, como eu já ouvi dizer.
Houve um dia que o senhor vinha para a oficina e um gato se pegou à pancada com um cão aqui defronte da janela, e todos estivemos a ver, e o senhor parou, ao pé do Manuel das
Barbas, na esquina do barbeiro, e depois olhou para mim, para a janela, e viu-me a rir e riu também para mim, e essa foi a única vez que o senhor esteve a sós comigo, por assim dizer, que isso nunca poderia eu esperar.
Tantas vezes, o senhor não imagina, andei à espera que houvesse outra coisa qualquer na rua quando o senhor passasse e eu pudesse outra vez ver o senhor a ver e talvez olhasse para mim e eu pudesse olhar para si e ver os seus olhos a direito para os meus.
Mas eu não consigo nada do que quero, nasci já assim, e até tenho que estar em cima de um estrado para poder estar à altura da janela. Passo todo o dia a ver ilustrações e revistas de modas que emprestam à minha mãe, e estou sempre a pensar noutra coisa, tanto que quando me perguntam como era aquela saia ou quem é que estava no retrato onde está a Rainha de Inglaterra, eu às vezes me envergonho de não saber, porque estive a ver coisas que não podem ser e que eu não posso deixar que me entrem na cabeça e me dêem alegria para eu depois ainda por cima ter vontade de chorar.
Depois todos me desculpam, e acham que sou tonta, mas não me julgam parva, porque ninguém julga isso, e eu chego a não ter pena da desculpa, porque assim não tenho que explicar porque é que estive distraída.
Ainda me lembro daquele dia que o senhor passou aqui ao Domingo com o fato azul claro. Não era azul claro, mas era uma sarja muito clara para o azul escuro que costuma ser. O senhor ia que parecia o próprio dia que estava lindo e eu nunca tive tanta inveja de toda a gente como nesse dia. Mas não tive inveja da sua amiga, a não ser que o senhor não fosse ter com ela mas com outra qualquer, porque eu não pensei senão em si, e foi por isso que invejei toda a gente, o que não percebo mas o certo é que é verdade.
Não é por ser corcunda que estou aqui sempre à janela, mas é que ainda por cima tenho uma espécie de reumatismo nas pernas e não me posso mexer, e assim estou como se fosse paralítica, o que é uma maçada para todos cá em casa e eu sinto ter que ser toda a gente a aturar-me e a ter que me aceitar que o senhor não imagina. Eu às vezes dá-me um desespero como se me pudesse atirar da janela abaixo, mas eu que figura teria a cair da janela? Até quem me visse cair ria e a janela é tão baixa que eu nem morreria, mas era ainda mais maçada para os outros, e estou a ver-me na rua como uma macaca, com as pernas à vela e a corcunda a sair pela blusa e toda a gente a querer ter pena mas a ter nojo ao mesmo tempo ou a rir se calhasse, porque a gente é como é e não como tinha vontade de ser.
(…)
- e enfim porque lhe estou eu a escrever se lhe não vou mandar esta carta?
O senhor que anda de um lado para o outro não sabe qual é o peso de a gente não ser ninguém. Eu estou à janela todo o dia e vejo toda a gente passar de um lado para o outro e ter um modo de vida e gozar e falar a esta e àquela, e parece que sou um vaso com uma planta murcha que ficou aqui à janela por tirar de lá.
O senhor não pode imaginar, porque é bonito e tem saúde o que é a gente ter nascido e não ser gente, e ver nos jornais o que as pessoas fazem, e uns são ministros e andam de um lado
para o outro a visitar todas as terras, e outros estão na vida da sociedade e casam e têm baptizados e estão doentes e fazem-lhe operações os mesmos médicos, e outros partem para as suas casas aqui e ali, e outros roubam e outros queixam-se, e uns fazem grandes crimes e há artigos assinados por outros e retratos e anúncios com os nomes dos homens que vão comprar as modas ao estrangeiro, e tudo isto o senhor não imagina o que é para quem é um trapo como eu que ficou no parapeito da janela de limpar o sinal redondo dos vasos quando a pintura é fresca por causa da água.
Se o senhor soubesse isto tudo era capaz de vez em quando me dizer adeus da rua, e eu gostava de se lhe poder pedir isso, porque o senhor não imagina, eu talvez não vivesse mais, que pouco é o que tenho de viver, mas eu ia mais feliz lá para onde se vai se soubesse que o senhor me dava os bons dias por acaso.
A Margarida costureira diz que lhe falou uma vez, que lhe falou torto porque o senhor se meteu com ela na rua aqui ao lado, e essa vez é que eu senti inveja a valer, eu confesso porque não lhe quero mentir, senti inveja porque meter-se alguém connosco é a gente ser mulher, e eu não mulher nem homem, porque ninguém acha que eu sou nada a não ser uma espécie de gente que está para aqui a encher o vão da janela e a aborrecer tudo que me vêm, valha me Deus.
O António (é o mesmo nome que o seu, mas que diferença!) o António da oficina de automóveis disse uma vez a meu pai que toda a gente deve produzir qualquer coisa, que sem isso não há direito a viver, que quem não trabalha não come e não há direito a haver quem não trabalhe. E eu pensei que faço eu no mundo, que não faço nada senão estar à janela com toda a gente a mexer-se de um lado para o outro, sem ser paralítica, e tendo maneira de encontrar as pessoas de quem gosta, e depois poderia produzir à vontade o que fosse preciso porque tinha gosto para isso.
Adeus senhor António, eu não tenho senão dias de vida e escrevo esta carta só para a guardar no peito como se fosse uma carta que o senhor me escrevesse em vez de eu a escrever a si. Eu desejo que o senhor tenha todas as felicidades que possa desejar e que nunca saiba de mim para não rir porque eu sei que não posso esperar mais.
Eu amo o senhor com toda a minha alma e toda a minha vida. Aí tem e estou a chorar.
Maria José
-
Teresa Rita Lopes, Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa, Lisboa, Estampa, 1990
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quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Il n'y a jamais eu rien de cela ni des ans qui suivirent
Il n'y a jamais eu rien de cela ni des ans qui suivirent
Je vou dis que nous sommes morts dans nos vêtements de soldats
Le monde comme une voiture a versé coulé comme un navire
Versailles Entre vous partagez vos apparences d'empires
Compagnons infernaux nous savons à la fois souffrir et rire
Il n'y a jamais eu ni la paix ni le Mouvement Dada
Je vou dis que nous sommes morts dans nos vêtements de soldats
Le monde comme une voiture a versé coulé comme un navire
Versailles Entre vous partagez vos apparences d'empires
Compagnons infernaux nous savons à la fois souffrir et rire
Il n'y a jamais eu ni la paix ni le Mouvement Dada
Louis Aragon, Le Roman inachevé
Je tombe je tombe je tombe
Je tombe je tombe je tombe
Avant d'arriver à ma tombe
Je repasse toute ma vie
Il suffit d'une ou deux secondes
Que dans ma tête tout un monde
Défile tel que je le vis
Ses images sous mes paupières
Font comme au fond d'un puits les pierres
Dilatant l'iris noir de l'eau
C'est tout le passé que s'émiette
Un souvenir sur l'autre empiète
Et les soleils sur les sanglots
O pluie O poussière impalpable
Existence couleur de sable
Brouillard des respirations
Quel choix préside à mon vertige
Je tombe et fuis dans ce prodige
Ma propre accélération
Avant d'arriver à ma tombe
Je repasse toute ma vie
Il suffit d'une ou deux secondes
Que dans ma tête tout un monde
Défile tel que je le vis
Ses images sous mes paupières
Font comme au fond d'un puits les pierres
Dilatant l'iris noir de l'eau
C'est tout le passé que s'émiette
Un souvenir sur l'autre empiète
Et les soleils sur les sanglots
O pluie O poussière impalpable
Existence couleur de sable
Brouillard des respirations
Quel choix préside à mon vertige
Je tombe et fuis dans ce prodige
Ma propre accélération
Louis Aragon, Le Roman inachevé
terça-feira, 23 de agosto de 2011
Alma e espírito
«Na natureza, é a Ideia que, como vimos já ao falar do belo natural, encontra a sua primeira realização imediata na vida animal e no organismo animal perfeito. Deste modo a organização do corpo animal é um produto do conceito total em ai que é nesta «existência» corporal enquanto alma, modificando no sentido da maior particularização o que, no corpo animal, não é senão vitalidade pura e simples, quer dizer criando tipos dos quais cada um permanece aliás regido pelo conceito. Todavia é à filosofia da natureza que compete procurar e precisar a correspondência existente entre o corpo e a alma. Ela é que deveria mostrar que os diferentes sistemas do corpo animal, pela sua estrutura, pela sua forma, e pelos laços que os unem aos outros, assim como os órgãos mais particulares de que se compõe o organismo, correspondem igualmente a momentos de conceito: ao fazer isto, mostraria ao mesmo tempo se e em que medida são os aspectos necessários e particulares da alma que aqui se realizam.
Mas a figura humana não é somente, como a figura animal, a corporeidade da alma; é também a do espírito. Ora entre a alma e o espírito existe uma diferença essencial. Com efeito, a alma não é senão o ser por si, simples e ideal, do corporal enquanto corporal, ao passo que o espírito é o ser por si da vida consciente de si própria em particular, com todos os sentimentos, representações e afins que comporta e implica esta exigência consciente. Dada esta enorme diferença entre a vitalidade puramente animal e a consciência espiritual, pode parecer estranho que a corporeidade humana, o corpo humano, tenha uma tal analogia com o corpo animal. Àqueles a quem esta parecença surpreenda, responderei lembrando a determinação em virtude da qual o espírito, para permanecer conforme ao seu próprio conceito, se deixa decidir e afirmar de uma maneira viva sob o aspecto ao mesmo tempo de uma obra e de uma existência natural. Em virtude do conceito inerente à alma animal, à espiritualidade, enquanto alma vivente, damos um corpo que, pelas suas propriedades gerais, se pareça ao organismo animal vivente. O espírito, por mais que esteja acima do que é simplesmente vivente, não se imagina menos um corpo que parece derivar do mesmo conceito que o corpo animal e ser organizado como ele. Mas, visto que o espírito não é somente a ideia na sua existência, a ideia enquanto naturalidade e vida animal, mas a ideia que está de tal modo no próprio elemento, o da livre interioridade, a espiritualidade elabora a sua própria objectividade que se encontra para além da vida puramente sensível: é a ciência que não conhece outra realidade que a do pensamento. Fora do pensamento e da sua actividade filosófica e sistemática, o espírito vive ainda de uma vida completa que é a dos sentimentos, das inclinações, das representações, da imaginação, etc., e que, se ligam mais ou menos à sua existência enquanto alma e corpo, e possui a sua realidade no corpo humano. É nesta realidade que lhe pertence que o espírito se manifesta de uma forma vivente, penetrando-a e impondo-se aos outros. Consequentemente o corpo humano não é um simples objecto natural, mas tem por função representar por assim dizer, através das suas formas e da sua estrutura, a vida sensível e natural do espírito, mesmo distinguindo-se, enquanto expressão, de uma interioridade de uma qualidade mais elevada, da corporeidade animal, não obstante a parecença desta com o corpo humano.»
Mas a figura humana não é somente, como a figura animal, a corporeidade da alma; é também a do espírito. Ora entre a alma e o espírito existe uma diferença essencial. Com efeito, a alma não é senão o ser por si, simples e ideal, do corporal enquanto corporal, ao passo que o espírito é o ser por si da vida consciente de si própria em particular, com todos os sentimentos, representações e afins que comporta e implica esta exigência consciente. Dada esta enorme diferença entre a vitalidade puramente animal e a consciência espiritual, pode parecer estranho que a corporeidade humana, o corpo humano, tenha uma tal analogia com o corpo animal. Àqueles a quem esta parecença surpreenda, responderei lembrando a determinação em virtude da qual o espírito, para permanecer conforme ao seu próprio conceito, se deixa decidir e afirmar de uma maneira viva sob o aspecto ao mesmo tempo de uma obra e de uma existência natural. Em virtude do conceito inerente à alma animal, à espiritualidade, enquanto alma vivente, damos um corpo que, pelas suas propriedades gerais, se pareça ao organismo animal vivente. O espírito, por mais que esteja acima do que é simplesmente vivente, não se imagina menos um corpo que parece derivar do mesmo conceito que o corpo animal e ser organizado como ele. Mas, visto que o espírito não é somente a ideia na sua existência, a ideia enquanto naturalidade e vida animal, mas a ideia que está de tal modo no próprio elemento, o da livre interioridade, a espiritualidade elabora a sua própria objectividade que se encontra para além da vida puramente sensível: é a ciência que não conhece outra realidade que a do pensamento. Fora do pensamento e da sua actividade filosófica e sistemática, o espírito vive ainda de uma vida completa que é a dos sentimentos, das inclinações, das representações, da imaginação, etc., e que, se ligam mais ou menos à sua existência enquanto alma e corpo, e possui a sua realidade no corpo humano. É nesta realidade que lhe pertence que o espírito se manifesta de uma forma vivente, penetrando-a e impondo-se aos outros. Consequentemente o corpo humano não é um simples objecto natural, mas tem por função representar por assim dizer, através das suas formas e da sua estrutura, a vida sensível e natural do espírito, mesmo distinguindo-se, enquanto expressão, de uma interioridade de uma qualidade mais elevada, da corporeidade animal, não obstante a parecença desta com o corpo humano.»
G. W. F. Hegel, Estética
Induvidui e masse
«Dopo aver fermato la mente sopra un concetto di Vico e di Hegel, è mai possibile acconciarsi ad esaminare gli altri che danno materia alle controversie degli storici e metodologisti della storia dei nostri tempi, e che sono la forma volgare, in termini naturalistici e perciò insolubile, dei problemi circa la relazione tra l'individuo e l'idea, tra la storia prammatica e la storia idealistica? Forse questa pazienza dello scendere in basso loco è meritoria e doverosa, e forse qualcosa di utile c'è da trarre anche dall'esame di quelle comuni controversie; ma io mi scuso dal prendere l'impegno, e mi restringo al solo accenno: che la questione, che da un pezzo si agita, se la storia sia storia delle «masse» o degli «individui», sarebbe risibile nella sua stessa enunciazione, se per «massa» s'intendesse, come suona la parola, un complesso d'individui. E poiché non è buon metodo attribuire agli avversari idee risibili, sarà da credere che per «massa» s'intenda, questa volta, qualcos'altro: per esempio, lo «spirito», che muove la massa degli individui; nel qual caso non è chi non veda che il problema è il medesimo di quello finora esaminato. Il contrasto tra una storiografia «collettivistica» e una storiografia «individualistica» non si comporrà mai, fintanto che gli uni assegneranno alla collettività il potere creatore delle idee e delle istituzioni, e gli altri all'individuo geniale, essendo entrambe le affermazioni vere in ciò che includono e false in ciò che escluono, e cioè non solo nell'esclusione espressa dell'opposto enuciato, ma anche in quella tacita, che entrambe esse fanno, della totalità come idea.»
Benedetto Croce, Teoria e storia della storiografia
IV
There are those who would build the Temple,
And those who prefer that the Temple should not be built.
In the days of Nehemiah the Prophet
There was no exception to the general rule.
In Shushan the palace,in the month Nisan,
He served the wine to the king Artaxerxes,
And he grieved for the broken city, Jerusalem;
And the King gave him leave to depart
That he might rebuild the city.
So he went, with a few, to Jerusalem,
And there, by the dragon's well, by the dung gate,
By the fountain gate, by the king's pool,
Jerusalem lay waste, consumed with fire;
No place for a beast to pass.
There were enemies without to destroy him,
And spies and self-seekers within,
When he and his men laid their hands to rebuilding the wall
So they built as men must build
With the sword in one hand and the trowel in the other.
And those who prefer that the Temple should not be built.
In the days of Nehemiah the Prophet
There was no exception to the general rule.
In Shushan the palace,in the month Nisan,
He served the wine to the king Artaxerxes,
And he grieved for the broken city, Jerusalem;
And the King gave him leave to depart
That he might rebuild the city.
So he went, with a few, to Jerusalem,
And there, by the dragon's well, by the dung gate,
By the fountain gate, by the king's pool,
Jerusalem lay waste, consumed with fire;
No place for a beast to pass.
There were enemies without to destroy him,
And spies and self-seekers within,
When he and his men laid their hands to rebuilding the wall
So they built as men must build
With the sword in one hand and the trowel in the other.
T. S. Eliot, Choruses from 'The Rock' - 1934
domingo, 21 de agosto de 2011
XXII
Quem na sua vida é íntegro e inocente,
de mouros dardos e arco não precisa,
Fusco, nem de uma aljava cheia
de setas envenenadas,
quer se prepare para viajar pelas ardentes Sirtes,
quer pelo inospitaleiro Cáucaso,
quer pelos locais banhados
pelo lendário Hidaspes.
Pois enquanto eu num bosque sabino
a minha Lálage cantava, vagueando
em sossego já longe de minha casa,
de mim, desarmado, fugiu um lobo:
um monstro tal como nunca a belígera Dáunia
nos seus vastos carvalhais alimentou,
como nunca a terra de Juba engendrou,
árida nutriz de leões.
Põe-me numa sáfara planície,
onde a brisa estival nenhuma árvore revigora,
numa região do mundo oprimida
pelas nuvens e por um funesto Júpiter,
põe-me sob o carro do sol, onde ele rasante voa,
ou numa terra que se recusa a ser habitada,
ainda assim Lálage amarei, a que docemente ri,
a que docemente fala.
de mouros dardos e arco não precisa,
Fusco, nem de uma aljava cheia
de setas envenenadas,
quer se prepare para viajar pelas ardentes Sirtes,
quer pelo inospitaleiro Cáucaso,
quer pelos locais banhados
pelo lendário Hidaspes.
Pois enquanto eu num bosque sabino
a minha Lálage cantava, vagueando
em sossego já longe de minha casa,
de mim, desarmado, fugiu um lobo:
um monstro tal como nunca a belígera Dáunia
nos seus vastos carvalhais alimentou,
como nunca a terra de Juba engendrou,
árida nutriz de leões.
Põe-me numa sáfara planície,
onde a brisa estival nenhuma árvore revigora,
numa região do mundo oprimida
pelas nuvens e por um funesto Júpiter,
põe-me sob o carro do sol, onde ele rasante voa,
ou numa terra que se recusa a ser habitada,
ainda assim Lálage amarei, a que docemente ri,
a que docemente fala.
Horácio, Odes, I, 22
Dúvida
«Será que foi por acaso que a filosofia moderna começou pela dúvida?
Aqui ele se perguntou se fora por um acidente análogo ao que permitira a descoberta da púrpura, o qual, por natureza, permaneceria por toda eternidade um acidente. Se tal fosse o caso, então, a proposição que afirma que a filosofia moderna começa pela dúvida implicaria uma contingência histórica, que excluiria qualquer consideração quanto a uma filosofia anterior ou posterior, ou à filosofia em geral; assim como tampouco se poderia deduzir do facto de um cão ter descoberto a púrpura que todo o cão possa descobrir a púrpura. Se fosse assim, então, esta proposição conteria uma informação meramente histórica, mas, aí, entraria em contradição com a primeira, de que a filosofia começa pela dúvida, na medida em que essas duas proposições, quando confrontadas, mostrariam que o essencial acontece de modo acidental.
Ele perguntou em seguida se este acidente, graças ao qual a filosofia moderna começa com a dúvida, poderia, talvez, caracterizar-se por ocultar em si uma necessidade que no momento seguinte explicaria o acidental, se ele fosse da mesma natureza que o acidente que permitiu a Newton descobrir a lei da gravidade, pois, embora se tratasse de um acidente, a lei descoberta no instante seguinte explicava a própria contingência como uma necessidade. Nesse caso, então, é apenas aparentemente, no sentido histórico imperfeito, que a filosofia moderna começou acidentalmente, pela dúvida, pois deve-se descobrir imediatamente a necessidade de tal começo. Para a filosofia moderna considerada como documento histórico, esta necessidade não pode ser descoberta, dado que a filosofia moderna ainda não está concluída. A descoberta dessa necessidade só poderia ser feita num sentido eterno, pois a filosofia moderna seria, afinal, a filosofia. Tal descoberta exerceria uma influência decisiva sobre todo o futuro e, retroactivamente, sobre qualquer passado na questão da origem da filosofia. Assim, nossa proposição teria sofrido uma modificação que a tornaria idêntica à primeira proposição.»
Aqui ele se perguntou se fora por um acidente análogo ao que permitira a descoberta da púrpura, o qual, por natureza, permaneceria por toda eternidade um acidente. Se tal fosse o caso, então, a proposição que afirma que a filosofia moderna começa pela dúvida implicaria uma contingência histórica, que excluiria qualquer consideração quanto a uma filosofia anterior ou posterior, ou à filosofia em geral; assim como tampouco se poderia deduzir do facto de um cão ter descoberto a púrpura que todo o cão possa descobrir a púrpura. Se fosse assim, então, esta proposição conteria uma informação meramente histórica, mas, aí, entraria em contradição com a primeira, de que a filosofia começa pela dúvida, na medida em que essas duas proposições, quando confrontadas, mostrariam que o essencial acontece de modo acidental.
Ele perguntou em seguida se este acidente, graças ao qual a filosofia moderna começa com a dúvida, poderia, talvez, caracterizar-se por ocultar em si uma necessidade que no momento seguinte explicaria o acidental, se ele fosse da mesma natureza que o acidente que permitiu a Newton descobrir a lei da gravidade, pois, embora se tratasse de um acidente, a lei descoberta no instante seguinte explicava a própria contingência como uma necessidade. Nesse caso, então, é apenas aparentemente, no sentido histórico imperfeito, que a filosofia moderna começou acidentalmente, pela dúvida, pois deve-se descobrir imediatamente a necessidade de tal começo. Para a filosofia moderna considerada como documento histórico, esta necessidade não pode ser descoberta, dado que a filosofia moderna ainda não está concluída. A descoberta dessa necessidade só poderia ser feita num sentido eterno, pois a filosofia moderna seria, afinal, a filosofia. Tal descoberta exerceria uma influência decisiva sobre todo o futuro e, retroactivamente, sobre qualquer passado na questão da origem da filosofia. Assim, nossa proposição teria sofrido uma modificação que a tornaria idêntica à primeira proposição.»
Soren Kierkegaard, É Preciso duvidar de tudo
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Singularidade
«A defesa kierkegaardiana da singularidade é a forma genial não só da recusa do Sistema (a filosofia de Hegel) que integra o indivíduo no movimento da História (e em particular na manifestação concreta de um Estado hegelianamente já bem totalitário) como da ausência de sentido aceitável para a mera existência empírica quotidiana, prisioneira do instante. Esta última, de que o modelo democrático moderno e a sua tradução cultural suprema, o jornalismo, são as expressões mais típicas, representa, aos olhos de Kierkegaard, a forma inferior da existência, a existência inautêntica, como a primeira - o Sistema - representa a sua conciliação pervertida e perversa. Em suma, a paixão da subjectividade infinita que caracteriza o homem, segundo Kierkegaard, não tem o perfil harmonioso, conciliante, de uma certeza racional: é um grito do Eu ameaçado no seu projecto, de um indivíduo único que não pode salvar-se senão aceitando o paradoxo, quer dizer, renunciando às consolações racionais à maneira de Hegel, à ideia de que tudo na vida humana se processa por mediação, superando antagonismos necessários mas provisórios em vista de síntese redentora, pessoal ou histórica. Kierkegaard odeia esse «consolacionismo» e a sua expressão imemorial triunfante: a Filosofia, com efeito, instância suprema do homem como razão. Mas não odeia menos a desfiguração permanente da seriedade e do trágico da existência sob a forma da religião institucional, simples fato de domingo das almas mortas, salvação a domicílio, bilhete grátis para a eternidade. O seu problema de teólogo, ou antes, de «poeta do religioso», foi o de devir cristão numa sociedade que já não é cristã (e acaso nunca o foi), ou porque recusa em nome da Razão toda a vivência cristã da vida ou porque, mais perfidamente, se considera cristã, como se considerava dinamarquesa. Tal foi o problema pessoal e histórico vivido pela consciência do homem Kierkegaard.»
Eduardo Lourenço, Fernando Rei da Nossa Baviera
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sábado, 20 de agosto de 2011
Intuizione
«Per avere un'idea vera ed esatta dell'intuizione non basta riconoscerla come indipendente dal concetto. Tra coloro che cosí la riconoscono, o che almeno non la fanno esplicitamente dipendente dall'intellezione, appare un altro errore, il quale offusca e confonde l'indole propria di essa. Per intuizione s'intende frequentemente la percezione, ossia la conoscenza della realtà accaduta, l'apprensione di qualcosa come reale.
Di certo, la percezione è intuizione: le percezioni della stanza nella quale scrivo, del calamaio e della carta che ho innanzi, della penna di cui mi servo, degli oggetti che tocco e adopero come strumenti della mia persona, la quale, se scrive, dunque esiste; - sono tutte intuizioni. Ma è parimente intuizione l'immagine, che ora mi passa pel capo, di un me che scrive in un'altra stanza, in un'altra città, con carta, penna e calamaio diversi. Il che vuol dire che la distinzione tra realtà e non realtà è estranea all'indole propria dell'intuizione, e secondaria. Supponendo uno spirito umano che intuisca per la prima volta, sembra ch'egli non possa intuire se non realtà effettiva ed abbia perciò soltanto intuizioni del reale. Ma poiché la coscienza della realtà si fonda sulla distinzione tra immagini reali e immagini irreali, e tale distinzione nel primo momento non ha luogo, quelle, in verità non saranno intuizioni né del reale né dell'irreale, non percezioni ma pure intuizioni. Dove tutto è reale, niente è reale. Una certa idea, assai vaga e ben da lontano approssimativa, di questo stato ingenuo può darci il fanciullo, con la sua difficoltà a discernere il reale dal finto, la storia dalla favola, che per lui fanno tutt'uno. L'intuizione è l'unità indifferenziata della percezione del reale e della semplice immagine del possibile. Nell'intuizione noi non ci contrapponiamo come esseri empirici alla realtà esterna, ma oggettiviamo senz'altro le nostre impressioni, quale che siano.»
Di certo, la percezione è intuizione: le percezioni della stanza nella quale scrivo, del calamaio e della carta che ho innanzi, della penna di cui mi servo, degli oggetti che tocco e adopero come strumenti della mia persona, la quale, se scrive, dunque esiste; - sono tutte intuizioni. Ma è parimente intuizione l'immagine, che ora mi passa pel capo, di un me che scrive in un'altra stanza, in un'altra città, con carta, penna e calamaio diversi. Il che vuol dire che la distinzione tra realtà e non realtà è estranea all'indole propria dell'intuizione, e secondaria. Supponendo uno spirito umano che intuisca per la prima volta, sembra ch'egli non possa intuire se non realtà effettiva ed abbia perciò soltanto intuizioni del reale. Ma poiché la coscienza della realtà si fonda sulla distinzione tra immagini reali e immagini irreali, e tale distinzione nel primo momento non ha luogo, quelle, in verità non saranno intuizioni né del reale né dell'irreale, non percezioni ma pure intuizioni. Dove tutto è reale, niente è reale. Una certa idea, assai vaga e ben da lontano approssimativa, di questo stato ingenuo può darci il fanciullo, con la sua difficoltà a discernere il reale dal finto, la storia dalla favola, che per lui fanno tutt'uno. L'intuizione è l'unità indifferenziata della percezione del reale e della semplice immagine del possibile. Nell'intuizione noi non ci contrapponiamo come esseri empirici alla realtà esterna, ma oggettiviamo senz'altro le nostre impressioni, quale che siano.»
Benedetto Croce, Estetica come scienza dell'espressione e linguistica generale
Between
«A Member of the audience: You explain to us that neither reason nor experience helps us to choose between a transcendental and an immanentist perspective. Does that mean that we just have to resign ourselves to the fact that in this world everyone sticks to their own superstition, or is there a point at which we take stock, and we say: "No, it is preferable to pursue this course rather than the others"? That moment of stock-taking, of assessing the facts, isn't that democracy in action?
Richard Rorty: I think yes, that is the application. Of course reading history philosophy has an influence on which of the great visions of the world you will ally yourself with. But in the end I think we should give up the idea that either philosophy or history provides a neutral court of appeal to decide between us and our friends who are attracted by the alternative vision. We are gradually working out a form of social life in which atheists and Christians can live together in the same political arena.Three hundred years ago this would have been thought impossible. But we achieved it. It was a great imaginative project and it turned out to be a successful project. I hope we can hold on to this project and that it will become a model for the future course of moral progress.
Gianni Vattimo: I have the impression that, as the last question shows, the idea is widespread in the general public that in the end everyone just sticks with their own convictions. But there is a whole middle ground between total, definitive truth, on the the one hand, and "everything goes", on the other, and experience and history can supply us with what you might call rhetorical arguments ad homines. If someone says "I prefer the Beatles (or something even worse than the Beatles) to Beethoven", what can I do? All I can do is try to convince him: "Listen to this with me, hear how banal that chord is", and so on. More I cannot do. In history and experience I find not so much definitive arguments as rhetorical arguments. I don't know whether Richard Rorty agrees.
Richard Rorty: Yes. I don't mean to say that historical experience, reading history, reading literature, reading philosophy, talking with your friends, taking part in politics, is useless, that it's just a matter of arbitrary preference. All I want to say is that - I agree with you - we should stop opposing universal necessary truth and arbitrary preference, and say that no important decisions are made by an exercise of arbitrary preference, no important decisions are made by assured grounding in universal truth. We are all always somewhere in between.»
Richard Rorty: I think yes, that is the application. Of course reading history philosophy has an influence on which of the great visions of the world you will ally yourself with. But in the end I think we should give up the idea that either philosophy or history provides a neutral court of appeal to decide between us and our friends who are attracted by the alternative vision. We are gradually working out a form of social life in which atheists and Christians can live together in the same political arena.Three hundred years ago this would have been thought impossible. But we achieved it. It was a great imaginative project and it turned out to be a successful project. I hope we can hold on to this project and that it will become a model for the future course of moral progress.
Gianni Vattimo: I have the impression that, as the last question shows, the idea is widespread in the general public that in the end everyone just sticks with their own convictions. But there is a whole middle ground between total, definitive truth, on the the one hand, and "everything goes", on the other, and experience and history can supply us with what you might call rhetorical arguments ad homines. If someone says "I prefer the Beatles (or something even worse than the Beatles) to Beethoven", what can I do? All I can do is try to convince him: "Listen to this with me, hear how banal that chord is", and so on. More I cannot do. In history and experience I find not so much definitive arguments as rhetorical arguments. I don't know whether Richard Rorty agrees.
Richard Rorty: Yes. I don't mean to say that historical experience, reading history, reading literature, reading philosophy, talking with your friends, taking part in politics, is useless, that it's just a matter of arbitrary preference. All I want to say is that - I agree with you - we should stop opposing universal necessary truth and arbitrary preference, and say that no important decisions are made by an exercise of arbitrary preference, no important decisions are made by assured grounding in universal truth. We are all always somewhere in between.»
Richard Rorty, An Ethics for Today, finding common ground between philosophy and religion
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Caridade
«A principal vantagem que deveria resultar do estabelecimento do socialismo seria o facto de este, indubitavelmente, nos poder aliviar da sórdida necessidade de viver para os outros, uma realidade que tão rigorosamente se impõe sobre quase todos nós. Na verdade, quase ninguém lhe escapa.
De quando em quando,no decorrer dos séculos, um grande cientista como Darwin, um grande poeta como Keats, um espírito fino como Renan, um sublime artista como Flaubert consegue isolar-se, conservar-se fora das ruidosas exigências dos outros, ficar "no abrigo da caverna", como diz Platão, e assim compreender a perfeição que em si residia, para seu benefício e para incomparável e perdurável benefício da humanidade. Estes homens, contudo, são a excepção. A maioria estraga a própria vida por um altruísmo exagerado e pouco saudável. De facto, são forçados a estragá-la: encontram-se rodeados pela pobreza hedionda. É inevitável que não consigam impedir-se de se comover com essas situações. Mais facilmente se abala a emoção de um homem do que a sua razão. E, como já fiz notar há algum tempo atrás, num artigo sobre a função da crítica, é muito mais fácil compadecermo-nos através do sofrimento do que do pensamento.
Assim, com admirável, embora mal dirigida, intenção, esses homens dão-se muito séria e sentimentalmente à tarefa de remediar os males que vêem. Mas os seus remédios não curam a doença, apenas a prolongam. Os seus remédios são parte da doença. Esses homens tentam resolver o problema da pobreza mantendo o pobre vivo, ou até, de acordo com ideais mais avançados, divertindo-o. Mas esta não é a solução, é agravar o problema. A aspiração correcta deveria ser tentar reconstruir a sociedade numa base em que a pobreza seja impossível. As virtudes altruístas têm na realidade impedido de levar a cabo essa aspiração. Porque os piores senhores de escravos foram os que os tratavam com bondade, evitando que esse sistema horrível fosse compreendido por aqueles que o sentiam na carne e por aqueles que o observavam. É tal-qual assim, na Inglaterra, no presente estado de coisas. As pessoas que agem pior são as que tentam agir melhor. Mas temos também o espectáculo de homens que estudaram seriamente o problema e conhecem a vida, homens instruídos que vivem no East End de Londres, que imploram à comunidade que controle/domine os impulsos altruístas de caridade, benevolência e similares. Fazem-no porque sabem que tal caridade degrada e desmoraliza. E esses homens estão completamente certos. A caridade origina um grande número de pecados.»
De quando em quando,no decorrer dos séculos, um grande cientista como Darwin, um grande poeta como Keats, um espírito fino como Renan, um sublime artista como Flaubert consegue isolar-se, conservar-se fora das ruidosas exigências dos outros, ficar "no abrigo da caverna", como diz Platão, e assim compreender a perfeição que em si residia, para seu benefício e para incomparável e perdurável benefício da humanidade. Estes homens, contudo, são a excepção. A maioria estraga a própria vida por um altruísmo exagerado e pouco saudável. De facto, são forçados a estragá-la: encontram-se rodeados pela pobreza hedionda. É inevitável que não consigam impedir-se de se comover com essas situações. Mais facilmente se abala a emoção de um homem do que a sua razão. E, como já fiz notar há algum tempo atrás, num artigo sobre a função da crítica, é muito mais fácil compadecermo-nos através do sofrimento do que do pensamento.
Assim, com admirável, embora mal dirigida, intenção, esses homens dão-se muito séria e sentimentalmente à tarefa de remediar os males que vêem. Mas os seus remédios não curam a doença, apenas a prolongam. Os seus remédios são parte da doença. Esses homens tentam resolver o problema da pobreza mantendo o pobre vivo, ou até, de acordo com ideais mais avançados, divertindo-o. Mas esta não é a solução, é agravar o problema. A aspiração correcta deveria ser tentar reconstruir a sociedade numa base em que a pobreza seja impossível. As virtudes altruístas têm na realidade impedido de levar a cabo essa aspiração. Porque os piores senhores de escravos foram os que os tratavam com bondade, evitando que esse sistema horrível fosse compreendido por aqueles que o sentiam na carne e por aqueles que o observavam. É tal-qual assim, na Inglaterra, no presente estado de coisas. As pessoas que agem pior são as que tentam agir melhor. Mas temos também o espectáculo de homens que estudaram seriamente o problema e conhecem a vida, homens instruídos que vivem no East End de Londres, que imploram à comunidade que controle/domine os impulsos altruístas de caridade, benevolência e similares. Fazem-no porque sabem que tal caridade degrada e desmoraliza. E esses homens estão completamente certos. A caridade origina um grande número de pecados.»
Oscar Wilde, A Alma do homem sob o socialismo
Tirania
«Há pessoas que, como tigres, têm a avidez do sangue, anseiam por lambê-lo. Quem experimentou uma vez tal poder, tal domínio ilimitado sobre o corpo, sobre o sangue e sobre o espírito de um ser humano, criado como ele próprio por Deus, seu irmão pela lei de Cristo; quem experimentou o poder e a absoluta possibilidade de ofender com a pior das humilhações outra criatura que traz em si a imagem de Deus - tal indivíduo deixa de ser senhor das suas sensações. A tirania é um hábito; como tal, tem capacidade de evoluir e evolui, acabando por se tornar uma doença. Afirmo que o melhor dos homens pode ficar bruto e cretino até ao estado animalesco por força do hábito. O sangue e o poder embriagam: desenvolve-se a rigidez, a degradação; os fenómenos mais anormais tornam-se acessíveis e, por fim, doces à mente. O homem e o cidadão perecem no tirano para sempre, e o regresso à dignidade humana, ao arrependimento, ao renascimento tornam-se quase impossíveis para ele. Além disso, o exemplo, a própria possibilidade do arbítrio são contagiosos para toda a sociedade: um tal poder é sedutor. A sociedade que se mostre indiferente a este fenómeno é contaminada nos seus alicerces. Numa palavra, o direito de castigo corporal que uma pessoa tem sobre outra é uma das chagas da sociedade, e é, nela, um dos mais fortes meios de extermínio de qualquer germe, de qualquer tentativa de civismo, é a base certa da sua inevitável corrupção.»
Fiódor Dostoiévski, Cadernos da Casa Morta
Tártaro
«O arbusto do «tártaro» tinha três rebentos. Um deles fora arrancado e o que restou sobressaía, assemelhando-se a uma mão desmembrada. Cada um dos outros dois tinha uma flor. Outrora vermelhas, agora as flores estavam pretas. Um caule estava partido e metade dele pendia com a flor suja na extremidade; o outro, ainda que enlameado com terra negra, apontava para cima. Era evidente que todo o arbusto tinha sido pisado por uma roda e que só depois se reerguera. Embora curvado, o arbusto mantinha-se em pé.
Parecia que uma parte do seu corpo tinha sido arrancada, as tripas reviradas, a mão desmembrada, um olho vazado. Porém, ainda assim, mantém-se de pé e não se entrega ao homem que destruiu todos os seus companheiros em seu redor. «Que energia!», pensei. «O homem venceu tudo, destruiu milhões de ervas, mas esta não capitula.»
Parecia que uma parte do seu corpo tinha sido arrancada, as tripas reviradas, a mão desmembrada, um olho vazado. Porém, ainda assim, mantém-se de pé e não se entrega ao homem que destruiu todos os seus companheiros em seu redor. «Que energia!», pensei. «O homem venceu tudo, destruiu milhões de ervas, mas esta não capitula.»
Lev Tolstoy, Khadji-Murat
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
Erro
«...porque nada jamais consegue penetrar as brenhas, porque o mortal nunca sai da selva, porque permanece preso, vagueando, imóvel, no mesmo lugar, no desespero, ao acaso, aferrado a toda a monstruosidade do erro, oh, apesar disso, apesar disso, nada se realiza sem necessidade, nada resulta sem necessidade, uma vez que o necessário da alma humana, uma vez que o necessário da tarefa humana, supera todos os acontecimentos e até o caminho errado, até o erro:
porque só no erro, só através do erro,
no qual se mantém sem poder fugir,
se torna o homem no investigador
que, é,
o homem que investiga:
porque o homem precisa do conhecimento da inutilidade.
tem de aceitar o seu medo, o medo de cada erro,
reconhecendo-o, provando-o até ao fim;
tem de ter consciência do pavor,
não por auto-flagelação, mas sim
porque só nessa consciência que reconhece
se ultrapassa o pavor,
porque só então é possível
entrar pela porta córnea do pavor
até atingir a existência
por isso o homem é levado para o espaço de toda a insegurança,
para lá levado, como se nenhum barco já o levasse;
ainda que ele para lá deslize em deslizante barca
por isso se dirige o homem para espaços e mais espaços
da sua consciência,
para os espaços do seu eu que se torna consciente,
destino da alma humana;
mas aquele que, por detrás de si,
fechou o pesado portão do pavor.
esse alcançou o adro da realidade e
o fluido desconhecido por cima do qual
pairando, desliza,
o não-conhecimento tornar-se-á fundo de saber,
uma vez que é o crescimento fluente da sua alma,
o incabado inacabável do próprio eu,
desdobrando-se, no entanto, como unidade,
logo que o eu tomar consciência de si próprio,
imperecível, graças ao seu crescimento, a unidade fluente do universo,
a ele tornada consciente, por ele avistada
na simultaneidade que, devido ao seu agora,
faz de todos os espaços em que ele é mantido um único
um uno, único espaço de origem,
e igual a este,
alberga em si o eu, para, no entanto, ser guardado pelo eu,
rodeado pela alma e no entanto rodeando a alma,
descansando no tempo e determinando os tempos,
sujeito à lei do conhecimento e criando o conhecimento,
pairando com ele no seu fluente crescer.
pairando em conjunto no pairar da sua crescente evolução,
que é só ela, a origem da realidade,
tão transcendente e imensa é a irradiação recíproca do mundo exterior e interior
que o pairar e o manter-se, que a libertação e a prisão
se diluem em transparência mútua indistinguível.
oh, tão imperecivelmente necessária,
oh, tão transparente que ultrapassa todas as medidas,
que na sua isolada esfera superior,
que só o olhar alcança, só o tempo alcança,
consciente em ambos,
reflectido em ambos, espelhado no rosto humano,
franco, virado para o céu por uma mão brônzea, suave,
envolta pelo destino
envolta pelas estrelas
brilha a dádiva prometida da não-inutilidade.
livre do acaso o tempo ofertado para sempre,
aberto ao conhecimento, à consolação na terra -,
e consoladoramente, no campo inundado de luar, uniam-se as esferas, as esferas do céu e da terra, para todo o sempre, ligadas umas às outras, consoladoramente semelhantes à respiração que, do universo inundado de luar deve voltar para dentro do peito, consoladoramente anunciando que nada foi inútil, que o que foi feito por amor do conhecimento não foi feito em vão e devido à sua necessidade não poderia ter sido em vão. Esperança no incabado e no inacabável, e ao lado, muito timidamente, a esperança da conclusão da Eneida, eco ressoante de esperança e da promessa na terra, reverberando na confiança terrena; disposto a acolher está o mortal, no seio da existência terrena.»
porque só no erro, só através do erro,
no qual se mantém sem poder fugir,
se torna o homem no investigador
que, é,
o homem que investiga:
porque o homem precisa do conhecimento da inutilidade.
tem de aceitar o seu medo, o medo de cada erro,
reconhecendo-o, provando-o até ao fim;
tem de ter consciência do pavor,
não por auto-flagelação, mas sim
porque só nessa consciência que reconhece
se ultrapassa o pavor,
porque só então é possível
entrar pela porta córnea do pavor
até atingir a existência
por isso o homem é levado para o espaço de toda a insegurança,
para lá levado, como se nenhum barco já o levasse;
ainda que ele para lá deslize em deslizante barca
por isso se dirige o homem para espaços e mais espaços
da sua consciência,
para os espaços do seu eu que se torna consciente,
destino da alma humana;
mas aquele que, por detrás de si,
fechou o pesado portão do pavor.
esse alcançou o adro da realidade e
o fluido desconhecido por cima do qual
pairando, desliza,
o não-conhecimento tornar-se-á fundo de saber,
uma vez que é o crescimento fluente da sua alma,
o incabado inacabável do próprio eu,
desdobrando-se, no entanto, como unidade,
logo que o eu tomar consciência de si próprio,
imperecível, graças ao seu crescimento, a unidade fluente do universo,
a ele tornada consciente, por ele avistada
na simultaneidade que, devido ao seu agora,
faz de todos os espaços em que ele é mantido um único
um uno, único espaço de origem,
e igual a este,
alberga em si o eu, para, no entanto, ser guardado pelo eu,
rodeado pela alma e no entanto rodeando a alma,
descansando no tempo e determinando os tempos,
sujeito à lei do conhecimento e criando o conhecimento,
pairando com ele no seu fluente crescer.
pairando em conjunto no pairar da sua crescente evolução,
que é só ela, a origem da realidade,
tão transcendente e imensa é a irradiação recíproca do mundo exterior e interior
que o pairar e o manter-se, que a libertação e a prisão
se diluem em transparência mútua indistinguível.
oh, tão imperecivelmente necessária,
oh, tão transparente que ultrapassa todas as medidas,
que na sua isolada esfera superior,
que só o olhar alcança, só o tempo alcança,
consciente em ambos,
reflectido em ambos, espelhado no rosto humano,
franco, virado para o céu por uma mão brônzea, suave,
envolta pelo destino
envolta pelas estrelas
brilha a dádiva prometida da não-inutilidade.
livre do acaso o tempo ofertado para sempre,
aberto ao conhecimento, à consolação na terra -,
e consoladoramente, no campo inundado de luar, uniam-se as esferas, as esferas do céu e da terra, para todo o sempre, ligadas umas às outras, consoladoramente semelhantes à respiração que, do universo inundado de luar deve voltar para dentro do peito, consoladoramente anunciando que nada foi inútil, que o que foi feito por amor do conhecimento não foi feito em vão e devido à sua necessidade não poderia ter sido em vão. Esperança no incabado e no inacabável, e ao lado, muito timidamente, a esperança da conclusão da Eneida, eco ressoante de esperança e da promessa na terra, reverberando na confiança terrena; disposto a acolher está o mortal, no seio da existência terrena.»
Hermann Broch, A Morte de Virgílio
terça-feira, 16 de agosto de 2011
As cidades e os olhos. 5.
«Passando o rio vau, atravessando a passagem, o homem encontra-se de repente diante da cidade de Moriana, com as portas de alabastro transparentes à luz do sol, as colunas de coral que sustêm os frontões incrustados em serpentina, os palácios todos de vidro como aquários onde nadam as sombras das bailarinas de escamas prateadas sob os candelabros em forma de medusa. Se não for a sua primeira viagem o homem sabe já que as cidades como esta têm um reverso: basta percorrer um semicírculo e ter-se-á à vista a face oculta de Moriana, uma extensão de chapa enferrujada, sarapilheira, tábuas cheias de pregos, canos negros de fuligem, montões de latas, muros cobertos com escritas meio apagadas, fundos de cadeira desempalhadas, cordas que só servem para alguém se enforcar numa trave apodrecida.
De uma parte à outra a cidade parece que continua em perspectiva multiplicando o seu repertório de imagens: afinal não tem espessura, consiste apenas num direito e num avesso, como uma filha de papel, com uma figura de cá e outra de lá, que não se podem arrancar nem guardar.»
De uma parte à outra a cidade parece que continua em perspectiva multiplicando o seu repertório de imagens: afinal não tem espessura, consiste apenas num direito e num avesso, como uma filha de papel, com uma figura de cá e outra de lá, que não se podem arrancar nem guardar.»
Italo Calvino, As Cidades invisíveis
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
Tramonto
«C'è un'anima che racconta la vita del moderno Occidente, spiega le sue trasformazioni e le infinite varietà dei suoi simbolismi, l'incontro con la luce della bellezza e il crepuscolo dei sogni, il destino di successo e il cammino verso il tramonto. È l'anima di Faust. I suoi simboli originari sono lo spazio illimitato, l'impulso verso la profondità, la consapevolezza di un io che osserva se stesso e sa che accanto alla luce c'è l'ombra. Faust ama le grandi distanze, la dinamica dello spazio illimitato, i raggi polarizzati, le molecole dei gas, i campi magnetici, le correnti elettriche, la forza ascendente delle cattedrali gotiche, il desiderio d'ignoto dei grandi viaggi. L'anima di Faust nasce qui, nella congiunzione della forza dell'uomo con le potenze cosmiche della Natura e di Dio. Il pensiero tecnico, osserva Spengler, ha un'origine religiosa che sacralizza il sentimento della scoperta e dell'invenzione, avvicinando l'anima individuale all'immoratlità e a quanto c'è di più grande e maestoso di essa.
La vita di Faust è dunque nell'irriducibile tensione tra la logica tragica e la logica tecnica, tra la vita - nel suo movimento metamorfico, che è necessità della morte per incontrare la rinascita, presenza del dolore per tovare l'amore - e la potenza, la volontà di dominio sul Tutto. Sono le due logiche della stessa anima, e l'Occidente non può sfuggire al proprio destino di forza e di potenza, per rincorrere soltanto quella forma dell'anima faustiana, che più somiglia all'armonia apollinea della clssicità. Ma avrebbe potuto non tradire la complessità di Faust, mantenendo unite le due logiche e non profanando la misteriosa sacralità della tecnica. «Un'epoca irreligiosa - concetto che coincide perfettamente con quello di cosmopolitismo - è un'epoca di decadenza.» Il tramonto dell'Occidente ha la propria rappresentazione simbolica nel tradimento dell'anima di Faust.
Desiderare soltanto l'anima apollinea di Faust significa rimanere prigionieri di un'eterna decadenza, mentre l'esaltazione dell'anima tecnica faustiana genera, con l'illusione del progresso, il dominio e la «dittatura del denaro»: l'Occidente tramonta perché separa ciò che è organico, divide l'unità e l'integrità della sua anima vivente.»
La vita di Faust è dunque nell'irriducibile tensione tra la logica tragica e la logica tecnica, tra la vita - nel suo movimento metamorfico, che è necessità della morte per incontrare la rinascita, presenza del dolore per tovare l'amore - e la potenza, la volontà di dominio sul Tutto. Sono le due logiche della stessa anima, e l'Occidente non può sfuggire al proprio destino di forza e di potenza, per rincorrere soltanto quella forma dell'anima faustiana, che più somiglia all'armonia apollinea della clssicità. Ma avrebbe potuto non tradire la complessità di Faust, mantenendo unite le due logiche e non profanando la misteriosa sacralità della tecnica. «Un'epoca irreligiosa - concetto che coincide perfettamente con quello di cosmopolitismo - è un'epoca di decadenza.» Il tramonto dell'Occidente ha la propria rappresentazione simbolica nel tradimento dell'anima di Faust.
Desiderare soltanto l'anima apollinea di Faust significa rimanere prigionieri di un'eterna decadenza, mentre l'esaltazione dell'anima tecnica faustiana genera, con l'illusione del progresso, il dominio e la «dittatura del denaro»: l'Occidente tramonta perché separa ciò che è organico, divide l'unità e l'integrità della sua anima vivente.»
Stefano Zecchi, «Introdução» a Il Tramonto dell'Occidente, de Oswald Spengler
domingo, 14 de agosto de 2011
Profecia
(Dos 4 Exorcismos contra o nefelibatismo)
Ai de quem sonha o futuro
d'olhos fitos no passado!
Ai de quem vive abraçado
à sua estátua de bronze!
Ai daquele que já sabe
por onde abrir o caminho!
O seu destino tem certo:
que tudo lhe há-de saber
a comida já comida,
que nada pode viver
sem lhe par'cer já vivido!
Ai de quem sonha o futuro
d'olhos fitos no passado!
Ai de quem vive abraçado
à sua estátua de bronze!
Ai daquele que já sabe
por onde abrir o caminho!
O seu destino tem certo:
que tudo lhe há-de saber
a comida já comida,
que nada pode viver
sem lhe par'cer já vivido!
Adolfo Casais Monteiro, in Presença, nº 36)
sábado, 13 de agosto de 2011
Storia
«Se la storia (lo Spirito) à soltanto l'intreccio degli eventi spirituali prodotti dagli individui nelle relazioni intersoggettive che li costituiscono come tali, il dovere di ciascuno di noi, nel momento in cui si accinge all'azione, non è quello di rifarsi a una presunta legge cosmica che ci sovrasterebbe, ma di scendere al fondo di se stesso, per ritrovare, con umiltà di cuore, quella lex singularis in cui s'incarna l'universale morale secondo i particolari bisogni del momento storico e la specifica situazione che l'individuo in questione à chiamato a vivere: la coscienza morale così concepita non è la manifestazione di un qualche io noumenico, alla maniera kantiana, ma l'acme di un processo storico che offre alla legge morale la sua esistenziale concretezza.»
Paolo Bonetti, «Croce e L'Etica dell'Opera»
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
Dannazione
Come il sasso aspro del vulcano,
Come il logoro sasso del torrente,
Come la notte sola e nuda,
Anima da fionda e da terrori
Perché non ti raccatta
La mano ferma del Signore?
Quest'anima
Che sa la vanità del cuore
E perfide ne sa le tentazioni
E del mondo conosce la misura
E i piani della nostra mente
Giudica tracotanza,
Perché non può soffrire
Se non rapimenti terreni?
Tu non mi guardi più, Signore...
E non cerco se non oblio
Nella cecità della carne.
Come il logoro sasso del torrente,
Come la notte sola e nuda,
Anima da fionda e da terrori
Perché non ti raccatta
La mano ferma del Signore?
Quest'anima
Che sa la vanità del cuore
E perfide ne sa le tentazioni
E del mondo conosce la misura
E i piani della nostra mente
Giudica tracotanza,
Perché non può soffrire
Se non rapimenti terreni?
Tu non mi guardi più, Signore...
E non cerco se non oblio
Nella cecità della carne.
Giuseppe Ungaretti, Inni
Crime
«A justiça institucional, que os perseguira de modo tenaz, acaba por ceder às artes da advocacia e a influências de amigos do escritor, e os dois «criminosos» podem então viver o seu amor em paz e sossego, aliás um sossego muito relativo, devido a dificuldades financeiras, e ocorrendo entretanto o nascimento de Jorge, o segundo filho. Mas Pinheiro Alves morre dois anos depois, e eles vão então residir calmamente em São Miguel de Ceide, onde lhes nascerá o último filho, Nuno, instalando-se todos na casa do «brasileiro», que coubera a Manuel como parte da herança, que é administrada pela mãe.
Estas peripécias biográficas são úteis ao estudo das Memórias do Cárcere, não só porque o texto nelas em parte se fundamente, mas porque o leitor de hoje ganha em ponderar duas questões com elas relacionadas.
Uma das questões tem a ver com esse crime, que conduziu um homem e uma mulher à prisão, e também uma criança, já que Ana Augusta será encarcerada com o pequenino Manuel, que vai completar os seus dois e seus três aninhos na cadeia, onde vive com a mãe detida. Quer dizer: há cento e cinquenta anos, manter relações amorosas e sexuais fora do casamento, não era apenas um acto de possíveis implicações familiares e afectivas, como é na sociedade actual, em que as coisas se resolvem (ou não), no plano privado, com maior ou menor laceração emocional, acesa ou discreta disputa jurídica, violência doméstica dissimulada ou demonstrada; há cento e cinquenta anos, isso era matéria de crime severamente punível, com privação da liberdade e perspectiva de degredo para o homem, e clausura prisional ou, no mínimo, conventual, e sem direitos, para a mulher.»
Estas peripécias biográficas são úteis ao estudo das Memórias do Cárcere, não só porque o texto nelas em parte se fundamente, mas porque o leitor de hoje ganha em ponderar duas questões com elas relacionadas.
Uma das questões tem a ver com esse crime, que conduziu um homem e uma mulher à prisão, e também uma criança, já que Ana Augusta será encarcerada com o pequenino Manuel, que vai completar os seus dois e seus três aninhos na cadeia, onde vive com a mãe detida. Quer dizer: há cento e cinquenta anos, manter relações amorosas e sexuais fora do casamento, não era apenas um acto de possíveis implicações familiares e afectivas, como é na sociedade actual, em que as coisas se resolvem (ou não), no plano privado, com maior ou menor laceração emocional, acesa ou discreta disputa jurídica, violência doméstica dissimulada ou demonstrada; há cento e cinquenta anos, isso era matéria de crime severamente punível, com privação da liberdade e perspectiva de degredo para o homem, e clausura prisional ou, no mínimo, conventual, e sem direitos, para a mulher.»
Maria Alzira Seixo, «A Força da Alma, Crimes, histórias, vida e percursos da narrativa em Memórias do Cárcere», Prefácio a Memórias do Cárcere, de Camilo Castelo-Branco
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Camilo Castelo-Branco,
Maria Alzira Seixo
Pravda
«Desde o primeiro minuto, o ouvinte é surpreendido pela dissonância deliberada, por uma corrente confusa de som. É um jogo de esperteza ingénua que pode acabar muito mal.»
Jornal Pravda, 28 de Janeiro de 1936, sobre a ópera Katarina Izmailova, de Shostakovitch
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
Cinética Filosófica
«A cinética filosófica, que se encontra na base da interpretação do presente aqui esboçada, parte de três axiomas. Primeiro, que nós nos movemos a nós próprios num mundo que move a si próprio; segundo, que os movimentos próprios do mundo incluem e atropelam os nossos movimentos próprios; terceiro, que, na Modernidade, os movimentos próprios do mundo provêm dos nossos movimentos próprios, que cada vez mais se adicionam ao movimento mundial. A partir destes axiomas, é possível grosso modo desenvolver plenamente a relação de mundo antigo, mundo moderno e mundo pós-moderno.»
Peter Sloterdijk, A Mobilização Infinita, para uma crítica da cinética política
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
Ignorância
«... o teatro oferece-se como mediação tendente à sua própria supressão.
É neste ponto que as descrições e as proposições da emancipação intelectual podem entrar em jogo e ajudar-nos a reformular o problema. Porque esta mediação auto-evanescente não nos é desconhecida. Trata-se da própria lógica da relação pedagógica: nela, o papel entregue ao mestre é o de suprimir a distância entre o seu saber e a ignorância do ignorante. As lições do mestre e os exercícios que dá a fazer têm por finalidade reduzir progressivamente o abismo que os separa. Porém, infelizmente, o mestre só pode reduzir o afastamento na condição de o recriar constantemente. Para substituir a ignorância pelo saber, tem de caminhar sempre um passo mais à frente, reintroduzindo entre ele e o aluno uma nova ignorância. A razão para que assim seja é simples. Na lógica pedagógica, o ignorante não é apenas aquele que ignora ainda o que o mestre sabe. É antes aquele que não sabe o que ignora nem como chegar a saber isso que ignora. O mestre, esse, não é apenas o indivíduo que detém o saber ignorado pelo ignorante. É também aquele que sabe como fazer da coisa ignorada um objecto de saber, em que momento e segundo que protocolo. Porque, em boa verdade, não há ignorante que não saiba já um conjunto de coisas, que não as tenha aprendido por si próprio olhando e escutando à sua volta, observando e repetindo, enganando-se e corrigindo os seus erros. Mas, para o mestre, um tal saber não passa de um saber de ignorante, um saber incapaz de se ordenar segundo a progressão que vai do mais simples ao mais complexo. O ignorante progride comparando o que descobre com aquilo que já sabe, ao sabor do acaso dos encontros, mas também segundo a regra aritmética, a regra democrática que faz da ignorância um menor saber. Preocupa-se apenas em saber mais, em passar a saber aquilo que ainda ignorava. O que lhe falta, o que sempre faltará ao aluno, a não ser que se torne ele próprio mestre, é o saber relativo à ignorância, o conhecimento da distância exacta que separa o saber da ignorância.
Essa medida escapa precisamente à aritmética dos ignorantes. O que o mestre sabe, o que o protocolo de transmissão do saber começa por ensinar ao aluno, é que a ignorância não é um menor saber. A ignorância é o oposto do saber; porque o saber não é um conjunto de conhecimentos, mas sim uma posição. A distância exacta é a distância que nenhuma regra mede, a distância que se prova pelo simples jogo das posições ocupadas, que se exerce pela interminável prática do «passo mais à frente» que separa o mestre do indivíduo que supostamente mestre deve trazer até junto de si. A distância é a metáfora do abismo radical que separa o modo de estar do mestre do do ignorante porque separa duas inteligências: a que sabe em que consiste a ignorância e a que o desconhece. É antes de mais este afastamento radical que é ensinado ao aluno pela ordenação própria do ensino progressivo. Este ensina-lhe antes de mais a respectiva incapacidade. E, assim sendo, trata de verificar constantemente no seu agir o seu próprio pressuposto, a desigualdade das inteligências.»
É neste ponto que as descrições e as proposições da emancipação intelectual podem entrar em jogo e ajudar-nos a reformular o problema. Porque esta mediação auto-evanescente não nos é desconhecida. Trata-se da própria lógica da relação pedagógica: nela, o papel entregue ao mestre é o de suprimir a distância entre o seu saber e a ignorância do ignorante. As lições do mestre e os exercícios que dá a fazer têm por finalidade reduzir progressivamente o abismo que os separa. Porém, infelizmente, o mestre só pode reduzir o afastamento na condição de o recriar constantemente. Para substituir a ignorância pelo saber, tem de caminhar sempre um passo mais à frente, reintroduzindo entre ele e o aluno uma nova ignorância. A razão para que assim seja é simples. Na lógica pedagógica, o ignorante não é apenas aquele que ignora ainda o que o mestre sabe. É antes aquele que não sabe o que ignora nem como chegar a saber isso que ignora. O mestre, esse, não é apenas o indivíduo que detém o saber ignorado pelo ignorante. É também aquele que sabe como fazer da coisa ignorada um objecto de saber, em que momento e segundo que protocolo. Porque, em boa verdade, não há ignorante que não saiba já um conjunto de coisas, que não as tenha aprendido por si próprio olhando e escutando à sua volta, observando e repetindo, enganando-se e corrigindo os seus erros. Mas, para o mestre, um tal saber não passa de um saber de ignorante, um saber incapaz de se ordenar segundo a progressão que vai do mais simples ao mais complexo. O ignorante progride comparando o que descobre com aquilo que já sabe, ao sabor do acaso dos encontros, mas também segundo a regra aritmética, a regra democrática que faz da ignorância um menor saber. Preocupa-se apenas em saber mais, em passar a saber aquilo que ainda ignorava. O que lhe falta, o que sempre faltará ao aluno, a não ser que se torne ele próprio mestre, é o saber relativo à ignorância, o conhecimento da distância exacta que separa o saber da ignorância.
Essa medida escapa precisamente à aritmética dos ignorantes. O que o mestre sabe, o que o protocolo de transmissão do saber começa por ensinar ao aluno, é que a ignorância não é um menor saber. A ignorância é o oposto do saber; porque o saber não é um conjunto de conhecimentos, mas sim uma posição. A distância exacta é a distância que nenhuma regra mede, a distância que se prova pelo simples jogo das posições ocupadas, que se exerce pela interminável prática do «passo mais à frente» que separa o mestre do indivíduo que supostamente mestre deve trazer até junto de si. A distância é a metáfora do abismo radical que separa o modo de estar do mestre do do ignorante porque separa duas inteligências: a que sabe em que consiste a ignorância e a que o desconhece. É antes de mais este afastamento radical que é ensinado ao aluno pela ordenação própria do ensino progressivo. Este ensina-lhe antes de mais a respectiva incapacidade. E, assim sendo, trata de verificar constantemente no seu agir o seu próprio pressuposto, a desigualdade das inteligências.»
Jacques Rancière, O Espectador emancipado
Intervalo
«O conceito de prazo não circunscreve apenas o espaço que a ilusão e a esperança partilham entre si, mas recorda, ao mesmo tempo, a figura fundamental do pensamento histórico ocidental. Pois só é possível compreender o que significa a história, no eminente sentido ocidental da palavra, através do seu carácter de prazo e de intervalo.Só pode haver um tempo intermédio quando um acontecer no tempo tende para um fim último ou para um termo final, a partir do qual pode ser abrangido com a vista com um prazo. São precisamente estas as características basilares do pensamento judaico tardio e cristão, que é elemento constitutivo do fenómeno Europa. Poucos historiadores se dão conta com a necessária clareza de que não só os primórdios da história ocidental, mas também os tempos modernos, incluindo o presente mais recente, foram modelados pela tradição e evolução de motivos messiânicos e escatológicos. Mas no que diz respeito a programa, aberto desde Marx e Dilthey, de uma crítica da razão histórica, não deveria haver dúvida nenhuma de que a messianologia (tal como esta saiu da tradição judia e tal como fez história na sua variante cristã) tem de constituir a sua parte essencial.»
Peter Sloterdijk, A Mobilização Infinita, para uma crítica da cinética política
terça-feira, 9 de agosto de 2011
Rinunzia
«Avevo vagheggiato pei miei ultimi anni, se non una totale rinunzia, una diminuizione della mia fatica di ricercatores, critico e scrittore, e di circondarmi di giovani ai quali avrei comunicato le mie esperienze di studioso e, per così dire, i piccoli segreti di mestiere, dato a loro indirizzo per la formazione scientifica nelle cose della filosofia, della storia e della letteratura, e cercato di far loro intendere e sentire il legame che queste hanno con la disposizione morale e religiosa dello spirito; sempre seguendo l'impulso che ci porta a volere i nostri figli migliori di noi, o almeno non impacciati dagli impacci dai quali noi con difficoltà ci siamo liberati. Ma i fatti hanno disposto diversamente, ede eccomi ad attendere ancora a lunghi lavori di ricerca, a curare una rivista, a recensire libri, a correggere storture, a protestare contro atti e tendenze riprovevoli e perniciosi, a sforzarmi di mantenere da mia parte la tradizione degli studi e il costume e i concetti morali che furono quelli degli uomini a cui dobbiamo il risorgimento d'Italia. Non posso far altro, e debbo far questo.»
Benedetto Croce, Contributo alla critica di me stesso
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
255.
«Se alguma coisa há que esta vida tem para nós, e, salvo a mesma vida, tenhamos que agradecer aos Deuses, é o dom de nos desconhecermos: de nos desconhecermos a nós mesmos e de nos desconhecermos uns aos outros. A alma humana é um abismo obscuro e viscoso, um poço que se não usa na superfície do mundo. Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse, e assim, não havendo a vaidade, que é o sangue da vida espiritual, morreríamos na alma de anemia. Ninguém conhece outro, e ainda bem que o não conhece, e, se o conhecesse, conheceria nele, ainda que mãe, mulher ou filho, o íntimo, metafísico inimigo.
Entendemo-nos porque nos ignoramos. Que seria de tantos cônjuges felizes se pudessem ver um na alma do outro, se pudessem compreender-se, como dizem os românticos, que não sabem o perigo - se bem que o perigo fútil - do que dizem. Todos os casados do mundo são mal casados, porque cada um guarda consigo, nos secretos onde a alma é do Diabo, a imagem subtil do homem desejado que não é aquele, a figura volúvel da mulher sublime, que aquela não realizou. Os mais felizes ignoram em si mesmos estas suas disposições frustradas; os menos felizes não as ignoram, mas não as conhecem, e só um outro arranque fruste, uma ou outra aspereza no trato, evoca, na superfície casual dos gestos e das palavras, o Demónio oculto, a Eva antiga, o Cavaleiro e a Sílfide.
A vida que se vive é um desentendimento fluido, uma média alegre entre a grandeza que não há e a felicidade que não pode haver. Somos contentes porque, até ao pensar e ao sentir, somos capazes de não acreditar na existência da alma. No baile de máscaras que vivemos, basta-nos o agrado do traje, que no baile é tudo. Somos servos das luzes e das cores, vamos na dança como na verdade, nem há para nós - salvo se, desertos, não dançamos - conhecimento do grande frio do alto da noite externa, do corpo mortal por baixo dos trapos que lhe sobrevivem, de tudo quanto, a sós, julgamos que é essencialmente nós, mas afinal não é senão a paródia íntima da verdade do que nos supomos.
Tudo quanto fazemos ou dizemos, tudo quanto pensamos ou sentimos, traz a mesma máscara e o mesmo dominó. Por mais que dispamos o que vestimos, nunca chegamos à nudez, pois a nudez é um fenómeno da alma e não de tirar fato. Assim, vestidos de corpo e alma, com os nossos múltiplos trajes tão pegados a nós como as penas das aves, vivemos felizes ou infelizes, ou nem até sabendo o que somos, o breve espaço que nos dão os deuses para os divertirmos, como crianças que brincam a jogos sérios.
Um outro de nós, liberto ou maldito, vê de repente - mas até esse raras vezes vê - que tudo quanto somos é o que não somos, que nos enganamos no que está certo e não temos razão no que concluímos justo. E esse, que, num breve momento, vê o universo despido, cria uma filosofia, ou sonha uma religião; e a filosofia espalha-se e a religião propaga-se, e os que crêem na filosofia passam a usá-la como veste que não vêem, e os que crêem na religião passam a pô-la como máscara de que se esquecem.
E sempre, desconhecendo-nos a nós e aos outros, e por isso entendendo-nos alegremente, passamos na volutas da dança ou nas conversas do descanso, humanos, fúteis, a sério, ao som da grande orquestra dos astros, sob os olhares desdenhosos e alheios dos organizadores do espectáculo.
Só eles sabem que nós somos presas da ilusão que nos criaram. Mas qual é a razão dessa ilusão, e porque é que há essa, ou qualquer, ilusão, ou porque é que eles, ilusos também, nos deram que tivéssemos a ilusão que nos deram - isso, por certo, eles mesmos não sabem.»
Entendemo-nos porque nos ignoramos. Que seria de tantos cônjuges felizes se pudessem ver um na alma do outro, se pudessem compreender-se, como dizem os românticos, que não sabem o perigo - se bem que o perigo fútil - do que dizem. Todos os casados do mundo são mal casados, porque cada um guarda consigo, nos secretos onde a alma é do Diabo, a imagem subtil do homem desejado que não é aquele, a figura volúvel da mulher sublime, que aquela não realizou. Os mais felizes ignoram em si mesmos estas suas disposições frustradas; os menos felizes não as ignoram, mas não as conhecem, e só um outro arranque fruste, uma ou outra aspereza no trato, evoca, na superfície casual dos gestos e das palavras, o Demónio oculto, a Eva antiga, o Cavaleiro e a Sílfide.
A vida que se vive é um desentendimento fluido, uma média alegre entre a grandeza que não há e a felicidade que não pode haver. Somos contentes porque, até ao pensar e ao sentir, somos capazes de não acreditar na existência da alma. No baile de máscaras que vivemos, basta-nos o agrado do traje, que no baile é tudo. Somos servos das luzes e das cores, vamos na dança como na verdade, nem há para nós - salvo se, desertos, não dançamos - conhecimento do grande frio do alto da noite externa, do corpo mortal por baixo dos trapos que lhe sobrevivem, de tudo quanto, a sós, julgamos que é essencialmente nós, mas afinal não é senão a paródia íntima da verdade do que nos supomos.
Tudo quanto fazemos ou dizemos, tudo quanto pensamos ou sentimos, traz a mesma máscara e o mesmo dominó. Por mais que dispamos o que vestimos, nunca chegamos à nudez, pois a nudez é um fenómeno da alma e não de tirar fato. Assim, vestidos de corpo e alma, com os nossos múltiplos trajes tão pegados a nós como as penas das aves, vivemos felizes ou infelizes, ou nem até sabendo o que somos, o breve espaço que nos dão os deuses para os divertirmos, como crianças que brincam a jogos sérios.
Um outro de nós, liberto ou maldito, vê de repente - mas até esse raras vezes vê - que tudo quanto somos é o que não somos, que nos enganamos no que está certo e não temos razão no que concluímos justo. E esse, que, num breve momento, vê o universo despido, cria uma filosofia, ou sonha uma religião; e a filosofia espalha-se e a religião propaga-se, e os que crêem na filosofia passam a usá-la como veste que não vêem, e os que crêem na religião passam a pô-la como máscara de que se esquecem.
E sempre, desconhecendo-nos a nós e aos outros, e por isso entendendo-nos alegremente, passamos na volutas da dança ou nas conversas do descanso, humanos, fúteis, a sério, ao som da grande orquestra dos astros, sob os olhares desdenhosos e alheios dos organizadores do espectáculo.
Só eles sabem que nós somos presas da ilusão que nos criaram. Mas qual é a razão dessa ilusão, e porque é que há essa, ou qualquer, ilusão, ou porque é que eles, ilusos também, nos deram que tivéssemos a ilusão que nos deram - isso, por certo, eles mesmos não sabem.»
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
Ode à Maneira de Horácio
Feliz aquela que efabulou o romance
Depois de o ter vivido
A que lavrou a terra e construiu a casa
Mas fiel ao canto estridente das sereias
Amou a errância o caçador e a caçada
E sob o fulgor da noite constelada
À beira da tenda partilhou o vinho e a vida.
Depois de o ter vivido
A que lavrou a terra e construiu a casa
Mas fiel ao canto estridente das sereias
Amou a errância o caçador e a caçada
E sob o fulgor da noite constelada
À beira da tenda partilhou o vinho e a vida.
Sophia de Mello Breyner Andresen, O Búzio de Cós e Outros Poemas
sábado, 6 de agosto de 2011
Le coeur supplicié.
Mon triste coeur bave à la poupe...
Mon coeur est plein de caporal!
Ils y lancent des jets de soupe,
Mon triste coeur bave à la poupe...
Sou les quolibets de la troupe
Qui lance un rire général,
Mon triste coeur bave à la poupe,
Mon coeur est plein de caporal!
Ithyphalliques et pioupiesques
Leurs insultes l'ont dépravé;`
À la vesprée, ils font des fresques
Ithyphaliques et pioupiesques;
Ô flots abracadabrantesques,
Prenez mon coeur, qu'il soit sauvé!
Ithyphalliques et pioupiesques
Leurs insultes l'ont dépravé!
Quand ils auront tari leurs chiques,
Comment agir, ô coeur volé?
Ce seront des refrains bachiques
Quand ils auront tari leurs chiques!
J'aurai des sursauts stomachiques
Si mon coeur triste est ravalé!
Quand ils auront tari leurs chiques
Comment agir, ô coeur volé?
Mon coeur est plein de caporal!
Ils y lancent des jets de soupe,
Mon triste coeur bave à la poupe...
Sou les quolibets de la troupe
Qui lance un rire général,
Mon triste coeur bave à la poupe,
Mon coeur est plein de caporal!
Ithyphalliques et pioupiesques
Leurs insultes l'ont dépravé;`
À la vesprée, ils font des fresques
Ithyphaliques et pioupiesques;
Ô flots abracadabrantesques,
Prenez mon coeur, qu'il soit sauvé!
Ithyphalliques et pioupiesques
Leurs insultes l'ont dépravé!
Quand ils auront tari leurs chiques,
Comment agir, ô coeur volé?
Ce seront des refrains bachiques
Quand ils auront tari leurs chiques!
J'aurai des sursauts stomachiques
Si mon coeur triste est ravalé!
Quand ils auront tari leurs chiques
Comment agir, ô coeur volé?
Arthur Rimbaud, Poésies complètes
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
Poesia
«Platone l'aveva confinata [la poesia], come sappiamo, nella parte vile dell'anima, tra gli spiriti animali. Ma il Vico la risolleva egli ne fa un periodo della storia dell'umanità, e poiché la sua è storia ideale, i cui periodi non sono fatti contingenti ma forme dello spirito, una forma della coscienza. La poesia viene prima dell'intelletto, ma dopo il senso: confondendola con questo, Platone non aveva riconosciuto il posto che la spetta e l'aveva scacciata dalla sua Repubblica. «Gli uomini prima sentono senz'avvertire; da poi avvertiscono con animo perturbato e commosso; finalmente, riflettono con mente pura. Questa Degnità è 'l Principio delle sentenze poetiche, che sono formate con sensi di passioni e d'affetti, a differenza delle sentenze filosofiche, che si formano dalla riflessione con raziocini: onde queste più s'appressano al vero, quanto più s'innalzano agli universali; e quelle son più certe, quanto più s'appropiano a' particolari». Grado fantastico, ma fornito di valore positivo.»
Benedetto Croce, «Giambattista Vico», in Estetica
Imagination
«The desire of the Romantics is perhaps for what Blake calls "organized innocence", but never for a mere return to the state of nature. The German Romantics, however, because of the contemporaneous philosophical tradition which centered on the relations between consciousness and consciousness of the self (Fichte, Schelling, Hegel), gained in some respects a clearer though not more fruitful understanding of the problem. I cannot consider in detail the case of French Romanticism; but Shelley's visionary despair, Keat's understanding of the poetical character, and Blake's doctrine of the contraries, reveal that self-consciousness cannot be overcome; and the very desire to overcome it, which poetry and imagination encourage, is part of a vital, dialectical movement of "soul-making".
The link between consciousness and self-consciousness, or knowledge and guilt, is already expressed in the story of the expulsion from Eden. Having tasted knowledge, man realizes his nakedness, his sheer separateness of self. I have quoted Kleist's reflection; and Hegel, in his interpretation of the Fall, argues that the way back to Eden is via contraries: the naively sensuous mind must pass through separation and selfhood to become spiritually perfect. It is the destiny of consciousness, or as the English Romantics would have said, of Imagination, to separate from nature, so that it can finally transcend not only nature but also its own lesser forms.»
The link between consciousness and self-consciousness, or knowledge and guilt, is already expressed in the story of the expulsion from Eden. Having tasted knowledge, man realizes his nakedness, his sheer separateness of self. I have quoted Kleist's reflection; and Hegel, in his interpretation of the Fall, argues that the way back to Eden is via contraries: the naively sensuous mind must pass through separation and selfhood to become spiritually perfect. It is the destiny of consciousness, or as the English Romantics would have said, of Imagination, to separate from nature, so that it can finally transcend not only nature but also its own lesser forms.»
Geoffrey H. Hartman, «Romanticism and "Anti-Self-Consciousness"», in Harold Bloom, Romanticism and Consciousness
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Ideia do Imemorial
«Quando acordamos sabemos por vezes que vivemos em sonhos a verdade, clara e ao alcance da mão, de tal modo que ficamos totalmente dominados por ela. Umas vezes é-nos dado ver uma escrita cujo selo subitamente quebrado nos fornece o segredo da nossa existência. Outras vezes, uma só palavra, acompanhada de um gesto imperioso, ou repetida numa lenga-lenga infantil, ilumina como um relâmpago toda uma paisagem de sombras, devolvendo a todos os pormenores a sua forma reencontrada, definitiva.
No despertar, porém, embora nos recordemos, de forma límpida, de todas as imagens do sonho, aquela escrita e aquela palavra perderam a sua força de verdade, e é com tristeza que as voltamos de todos os lados, sem conseguir redescobrir-lhes o encanto. Temos o sonho, mas, inexplicavelmente, falta-nos a sua essência, que ficou sepultada naquela terra à qual, uma vez despertados, deixámos de ter acesso.
Raramente temos tempo de observar aquilo que devia ser perfeitamente evidente: que confiamos em vão a um outro tempo e a um outro lugar o segredo do sonho. Só no momento do despertar, quando nos vem como um lampejo, o sonho existe para nós na sua inteireza. A recordação que o sonho nos concedeu é a mesma que nos faz ver o vazio que aflige: as duas estão contidas num e no mesmo gesto.
A memória involuntária proporciona uma experiência análoga. Nela, a recordação que nos devolve a coisa esquecida esquece-se também dela, e este esquecimento é a sua luz. Daí, porém, vem a nostalgia que a anima: há uma nota elegíaca que vibra tão tenazmente no fundo de toda a memória humana que, no limite, a recordação que não recorda nada é a mais poderosa das recordações.
Em vez de ver nesta aporia do sonho e da recordação uma limitação e uma fraqueza, devemos, pelo contrário, tomá-la por aquilo que ela é: uma profecia que tem a ver com a própria estrutura da consciência. Não é aquilo que vivemos e depois esquecemos que regressa, na sua imperfeição, à consciência; somos antes nós que acedemos então a qualquer coisa que nunca foi, ao esquecimento como parte da consciência. É por isso que a nossa felicidade está impregnada de nostalgia: a consciência contém em si o presságio da inconsciência, e esse presságio é precisamente a condição da sua perfeição. Isto significa que toda a atenção tende, em última instância, para uma distracção e que, no seu limite extremo, o pensamento não é mais que um estremecimento. Sonho e recordação mergulham a vida no sangue de dragão da palavra e, deste modo, tornam-na invulnerável à memória. O imemorial, que se precipita de memória em memória sem nunca chegar à recordação, é verdadeiramente inesquecível. Este esquecimento inesquecível é a linguagem, é a palavra humana.
Assim, a promessa que o sonho formula no próprio momento em que se dissipa é a de uma lucidez tão poderosa que nos entrega à distracção, de uma palavra tão completa que nos reenvia para a infância, de uma razão tão soberana que se compreende a si mesma como incompreensível.»
No despertar, porém, embora nos recordemos, de forma límpida, de todas as imagens do sonho, aquela escrita e aquela palavra perderam a sua força de verdade, e é com tristeza que as voltamos de todos os lados, sem conseguir redescobrir-lhes o encanto. Temos o sonho, mas, inexplicavelmente, falta-nos a sua essência, que ficou sepultada naquela terra à qual, uma vez despertados, deixámos de ter acesso.
Raramente temos tempo de observar aquilo que devia ser perfeitamente evidente: que confiamos em vão a um outro tempo e a um outro lugar o segredo do sonho. Só no momento do despertar, quando nos vem como um lampejo, o sonho existe para nós na sua inteireza. A recordação que o sonho nos concedeu é a mesma que nos faz ver o vazio que aflige: as duas estão contidas num e no mesmo gesto.
A memória involuntária proporciona uma experiência análoga. Nela, a recordação que nos devolve a coisa esquecida esquece-se também dela, e este esquecimento é a sua luz. Daí, porém, vem a nostalgia que a anima: há uma nota elegíaca que vibra tão tenazmente no fundo de toda a memória humana que, no limite, a recordação que não recorda nada é a mais poderosa das recordações.
Em vez de ver nesta aporia do sonho e da recordação uma limitação e uma fraqueza, devemos, pelo contrário, tomá-la por aquilo que ela é: uma profecia que tem a ver com a própria estrutura da consciência. Não é aquilo que vivemos e depois esquecemos que regressa, na sua imperfeição, à consciência; somos antes nós que acedemos então a qualquer coisa que nunca foi, ao esquecimento como parte da consciência. É por isso que a nossa felicidade está impregnada de nostalgia: a consciência contém em si o presságio da inconsciência, e esse presságio é precisamente a condição da sua perfeição. Isto significa que toda a atenção tende, em última instância, para uma distracção e que, no seu limite extremo, o pensamento não é mais que um estremecimento. Sonho e recordação mergulham a vida no sangue de dragão da palavra e, deste modo, tornam-na invulnerável à memória. O imemorial, que se precipita de memória em memória sem nunca chegar à recordação, é verdadeiramente inesquecível. Este esquecimento inesquecível é a linguagem, é a palavra humana.
Assim, a promessa que o sonho formula no próprio momento em que se dissipa é a de uma lucidez tão poderosa que nos entrega à distracção, de uma palavra tão completa que nos reenvia para a infância, de uma razão tão soberana que se compreende a si mesma como incompreensível.»
Giorgio Agamben, Ideia da Prosa
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
36. O Ponto
Não dizer, não ditar,
não fazer, não ser,
não ser destino ou presciência,
estar mais escuro que o escuro,
nulo, coisa nada.
Não ponto nem desponto,
não há caixa onde o vazio caiba.
não fazer, não ser,
não ser destino ou presciência,
estar mais escuro que o escuro,
nulo, coisa nada.
Não ponto nem desponto,
não há caixa onde o vazio caiba.
Pedro Tamen, O Livro do Sapateiro
Doing Laundry
Here finally I have shriven myself and am saint,
Pouring the detergent just so, collating the whites
With the whites, and the coloreds with the coloreds,
Though I slip in a light green towel with the load
Of whites for Vivian Malone and Medgar Evers,
Though I leave a pale shift among the blue jeans
For criminals and the ones who took small chances.
O brides and grooms, it is not always perfect.
It is not always the folded, foursquare, neat soul
Of sheets pressed and scented for lovemaking,
But also this Friday, stooping in a dark corner
Of the bedroom, harvesting diasporas of socks,
Extracting like splinters the T-shirts from the shirts.
I do not do this with any anger, as the poor chef
May add to a banker's consommé the tail of a rat,
But with the joy of a salesman closing a sweet deal,
I tamp loosely around tha shaft of the agitator
And mop the kitchen while it runs the cycles.
Because of my diligence, one woman has time
To teach geography, another to design a hospital.
The organ transplant arrives. The helicopter pilot
Steps down, dressed in an immaculate germent.
She waves to me and smiles as I hoist the great
Moist snake of fabric and heave it into the dryer.
I who popped rivets into the roof of a hangar,
Who herded copper tubes into the furnace,
Who sweated bales of alfalfa into the rafters
High in the barn loft of July, who dug the ditch
For the gas line under the Fourteenth Street overpass
And repaired the fence the new bull had ruined,
Will wash the dishes and scrub the counters
Before unclogging the drain and vacuuming.
When I tied steel on the bridge, I was not so holy
As now, taking the hot sheets from the dryer,
Thinking of the song I will make in praise of women,
But also of ordinary men, doing laundry.
Pouring the detergent just so, collating the whites
With the whites, and the coloreds with the coloreds,
Though I slip in a light green towel with the load
Of whites for Vivian Malone and Medgar Evers,
Though I leave a pale shift among the blue jeans
For criminals and the ones who took small chances.
O brides and grooms, it is not always perfect.
It is not always the folded, foursquare, neat soul
Of sheets pressed and scented for lovemaking,
But also this Friday, stooping in a dark corner
Of the bedroom, harvesting diasporas of socks,
Extracting like splinters the T-shirts from the shirts.
I do not do this with any anger, as the poor chef
May add to a banker's consommé the tail of a rat,
But with the joy of a salesman closing a sweet deal,
I tamp loosely around tha shaft of the agitator
And mop the kitchen while it runs the cycles.
Because of my diligence, one woman has time
To teach geography, another to design a hospital.
The organ transplant arrives. The helicopter pilot
Steps down, dressed in an immaculate germent.
She waves to me and smiles as I hoist the great
Moist snake of fabric and heave it into the dryer.
I who popped rivets into the roof of a hangar,
Who herded copper tubes into the furnace,
Who sweated bales of alfalfa into the rafters
High in the barn loft of July, who dug the ditch
For the gas line under the Fourteenth Street overpass
And repaired the fence the new bull had ruined,
Will wash the dishes and scrub the counters
Before unclogging the drain and vacuuming.
When I tied steel on the bridge, I was not so holy
As now, taking the hot sheets from the dryer,
Thinking of the song I will make in praise of women,
But also of ordinary men, doing laundry.
Rodney Jones, Elegy for the Southern Drawl
terça-feira, 2 de agosto de 2011
Presente
«No princípio do século XX ainda havia a euforia da industrialização, a euforia da máquina.
MFM - E a euforia da destruição. Agora, a destruição parece que já não é acompanhada de euforia. Todas as condições históricas, económicas, políticas estão sempre a ser estudadas.Já reparou que nós não podemos dizer uma frase sem que a seguir ela seja imediatamente analisada? Vemos isso na política. Aquilo a que chamamos «o presente» - e que é tão difícil de determinar - parece que tem uma vida cada vez menos real.
Está em exegese permanente?
MFM - Sempre. Isso parece impedir o pensamento. Para haver pensamento é preciso haver distância. Aqui não; é tudo em cima da hora. Quando há declarações dos políticos, quase ao mesmo tempo já se está a fazer o comentário. Às vezes nem se deixa acabar o discurso. Há nisso uma impossibilidade de criar distância, uma condição para nós pensarmos. Há uma tradução mimética do que se está a ouvir, orientada por certos lugares-comuns que o jornalista tem na cabeça ou porque pertence àquele partido ou porque não pertence ou porque quer fazer de conta que é muito neutro. Há uma série de razões psicológicas nisso. Por outro lado há o interesse do público, que quer que lhe traduzam tudo o que ouve.
Essa aceleração do tempo parece-lhe perniciosa?
MFM - Não sei se é uma aceleração do tempo. Acho que é uma forma de evitar a distância e a demora que possibilitam pensar.
Eu referia-me à instantaneidade mediática.
MFM - Quer dizer, é ligar-se à instantaneidade de modo a criar reproduções de instantaneidades que não têm fim. Porque depois também há os comentadores que comentam os comentadores.O elemento representacional na política não foi inventado agora. Existe desde sempre.
Refere-se ao aspecto simbólico daquilo que é dito?
MFM - Exactamente. Se eu estou a fazer uma declaração para um público há aí um elemento representacional imediatamente inscrito. Faço-a com uma determinada retórica, com determinados instrumentos de persuasão, com um objectivo que tem a ver não só com a ideia de convencer mas provavelmente também com a de vencer.
Ou seja, nada é para ser lido pelo valor facial.
Pois. Mas na política, como em todos os discursos públicos, há uma oscilação entre aquilo a que chama «valor facial» e o tal valor representacional. Nunca podemos estar completamente certos de que um deles se sobrepõe ao outro. Mas depois hámecanismos de confronto e de comparação das palavras que se dizem com aquilo que se passa, na medida do possível. O comentador parece ter esse papel de comparação. A verdade é que faz quase sempre só uma espécie de paráfrase do que está a ser dito como se estivesse a ser falado numa língua estrangeira.É como se fosse uma linguagem que o comentador tem que decifrar para benefício dos seus auditores. Acho que isso é impossibilitador e pensamento. Chamou-lhe «aceleração do tempo» e tem muita razão: é algo que tem a ver com uma pressa enorme de tornar cifrada a palavra que está a ser dita para obter dividendos junto de quem ouve. Junto de quem lê é mais difícil porque a escrita implica demora.»
MFM - E a euforia da destruição. Agora, a destruição parece que já não é acompanhada de euforia. Todas as condições históricas, económicas, políticas estão sempre a ser estudadas.Já reparou que nós não podemos dizer uma frase sem que a seguir ela seja imediatamente analisada? Vemos isso na política. Aquilo a que chamamos «o presente» - e que é tão difícil de determinar - parece que tem uma vida cada vez menos real.
Está em exegese permanente?
MFM - Sempre. Isso parece impedir o pensamento. Para haver pensamento é preciso haver distância. Aqui não; é tudo em cima da hora. Quando há declarações dos políticos, quase ao mesmo tempo já se está a fazer o comentário. Às vezes nem se deixa acabar o discurso. Há nisso uma impossibilidade de criar distância, uma condição para nós pensarmos. Há uma tradução mimética do que se está a ouvir, orientada por certos lugares-comuns que o jornalista tem na cabeça ou porque pertence àquele partido ou porque não pertence ou porque quer fazer de conta que é muito neutro. Há uma série de razões psicológicas nisso. Por outro lado há o interesse do público, que quer que lhe traduzam tudo o que ouve.
Essa aceleração do tempo parece-lhe perniciosa?
MFM - Não sei se é uma aceleração do tempo. Acho que é uma forma de evitar a distância e a demora que possibilitam pensar.
Eu referia-me à instantaneidade mediática.
MFM - Quer dizer, é ligar-se à instantaneidade de modo a criar reproduções de instantaneidades que não têm fim. Porque depois também há os comentadores que comentam os comentadores.O elemento representacional na política não foi inventado agora. Existe desde sempre.
Refere-se ao aspecto simbólico daquilo que é dito?
MFM - Exactamente. Se eu estou a fazer uma declaração para um público há aí um elemento representacional imediatamente inscrito. Faço-a com uma determinada retórica, com determinados instrumentos de persuasão, com um objectivo que tem a ver não só com a ideia de convencer mas provavelmente também com a de vencer.
Ou seja, nada é para ser lido pelo valor facial.
Pois. Mas na política, como em todos os discursos públicos, há uma oscilação entre aquilo a que chama «valor facial» e o tal valor representacional. Nunca podemos estar completamente certos de que um deles se sobrepõe ao outro. Mas depois hámecanismos de confronto e de comparação das palavras que se dizem com aquilo que se passa, na medida do possível. O comentador parece ter esse papel de comparação. A verdade é que faz quase sempre só uma espécie de paráfrase do que está a ser dito como se estivesse a ser falado numa língua estrangeira.É como se fosse uma linguagem que o comentador tem que decifrar para benefício dos seus auditores. Acho que isso é impossibilitador e pensamento. Chamou-lhe «aceleração do tempo» e tem muita razão: é algo que tem a ver com uma pressa enorme de tornar cifrada a palavra que está a ser dita para obter dividendos junto de quem ouve. Junto de quem lê é mais difícil porque a escrita implica demora.»
Maria Filomena Molder, in Revista «Ler», nº104, Julho/Agosto de 2011
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
Allegoria
«L'allegoria non è altro, per chi non ne perda di vista la vera e semplice natura, se non una sorta di criptografia, e perciò un prodotto pratico, un atto di volontà, col quale si decreta che questo debba significare quello, e quello quell'altro: per «cielo» (scrive Dante nel Convivio) «voglio» intendere «la scienza», e per «cieli» le «scienze», e per «occhi» le «dimostrazioni». E quando l'autore di quel prodotto non lascia un espresso documento per dichiarare l'atto di volontà da lui compiuto, porgendo al lettore la «chiave» della sua allegoria, è vano ricercare e sperare di fissarne in modo sicuro il significato: la «vera sentenza non si può vedere», se l'autore «non la conta», come anche si avverte nel Convivio. In mancanza della chiave, della espressa dichiarazione di chi ha formato l'allegoria, si può, fondandosi sopra altri luoghi dell'autore e dei libri che egli leggeva, giungere, nel miglior caso, a una probablità d'interpretazione, che per altro non si converte mai in certezza: per la certezza ci vuole, a rigor di termini, l'ipse dixit. Se, in fatto di poesia, l'autore è sovente il peggiore dei critici, in fatto d'allegoria è sempre il migliore.»
Benedetto Croce, La Poesia di Dante
Farce
«Hegel fait quelque part cette remarque que tous les grands événements et personnages historiques se répètent pour ainsi dire une deuxième fois. Il a oublié d'ajouter: la première fois comme tragédie, la seconde fois comme farce. Caussidière pour Danton, Louis Blanc pour Robespierre, la Montaigne de 1848 à 1851 pous la Montaigne de 1793 à 1795, le neveu pour l'oncle. Et nous constatons la même caricature dans les circonstances où parut la deuxième édition du 18-Brumaire.
Les hommes font leur propre histoire, mais ils ne la font pas arbitrairement, dans les conditions choisies par eux, mais dans des conditions directement données et hérités du passé. La tradition de toutes les générations mortes pèse d'un poids très lourd sur le cerveau des vivants. Et même quand ils semblent occupés à se transformer, eux et les choses, à créer quelque chose de tout à fait nouveau, c'est précisément à ces époques de crise révolutionnaire qu'ils évoquent craintivement les esprits du passé, qu'ils leur empruntent leurs noms, leurs mots d'ordre, leurs costumes, pour apparaître sur la nouvelle scène de l'histoire sous ce déguisement respectable et avec ce langage emprunté. C'est ainsi que Luther prit le masque de l'apôtre Paul, que la Révolution de 1789 à 1814 se drapa successivement dans le costume de la République romaine, puis dans celui de l'Empire romain, et que la révolution de 1848 ne sut rien faire de mieux que de parodier tantôt 1789, tantôt la tradition révolutionnaire de 1793 à 1795. C'est ainsi que le débutant qui apprend une nouvelle langue la retraduit toujours en pensée dans sa langue maternelle, mais il ne parvient à s'assimiler l'esprit de cette nouvelle langue et à s'en servir librement que lorqu'il arrive à la manier sans recourir à l'aide de sa langue maternelle.»
Les hommes font leur propre histoire, mais ils ne la font pas arbitrairement, dans les conditions choisies par eux, mais dans des conditions directement données et hérités du passé. La tradition de toutes les générations mortes pèse d'un poids très lourd sur le cerveau des vivants. Et même quand ils semblent occupés à se transformer, eux et les choses, à créer quelque chose de tout à fait nouveau, c'est précisément à ces époques de crise révolutionnaire qu'ils évoquent craintivement les esprits du passé, qu'ils leur empruntent leurs noms, leurs mots d'ordre, leurs costumes, pour apparaître sur la nouvelle scène de l'histoire sous ce déguisement respectable et avec ce langage emprunté. C'est ainsi que Luther prit le masque de l'apôtre Paul, que la Révolution de 1789 à 1814 se drapa successivement dans le costume de la République romaine, puis dans celui de l'Empire romain, et que la révolution de 1848 ne sut rien faire de mieux que de parodier tantôt 1789, tantôt la tradition révolutionnaire de 1793 à 1795. C'est ainsi que le débutant qui apprend une nouvelle langue la retraduit toujours en pensée dans sa langue maternelle, mais il ne parvient à s'assimiler l'esprit de cette nouvelle langue et à s'en servir librement que lorqu'il arrive à la manier sans recourir à l'aide de sa langue maternelle.»
Karl Marx, Le 18-Brumaire de Louis Bonaparte
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