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terça-feira, 12 de abril de 2011

Vida do Espírito

«Alma - Eu ainda não aprendi nada, pois começo a viver neste instante; e deve ser por isso que não te entendo. Mas, diz-me,  excelência e infelicidade extraordinária são, substancialmente, uma mesma coisa? Ou, caso sejam duas coisas, não as poderias desassociar uma do outra?

Natureza - Nas almas dos homens, e proporcionalmente nas de todas as espécies animais, pode dizer-se que uma e outra coisa são quase o mesmo: porque a excelência das almas implica uma maior intensidade da vida delas; a qual implica uma maior consciência da própria felicidade, o que é como se eu dissesse uma maior infelicidade. De modo idêntico, a vida superior dos espíritos contém um grau mais elevado de amor-próprio, seja para onde for que ele se incline, e seja qual for o aspecto sob o qual se manifeste: essa maior dimensão de amor próprio comporta um maior desejo de suprema felicidade, e, por conseguinte, mais descontentamento e angústia por se estar privado dela, e mais sofrimento devido aos infortúnios que sobrevêm. Tudo isto faz parte da ordem primordial e perpétua das coisas criadas, a qual eu não posso alterar. Para além disso, a subtileza do teu intelecto e a fertilidade da imaginação privar-te-ão de uma grande parte do teu livre-arbítrio. Os animais selvagens usam facilmente, para os fins que pretendem, todas as suas capacidades e força. Mas os homens rarissimamente fazem tudo aquilo que podem fazer, impedidos, normalmente, pela razão e pela imaginativa, que originam mil incertezas no deliberar e mil hesitações no executar. Os menos aptos, ou menos habituados a ponderar e a avaliar por si mesmos, são os que mais prontamente se decidem e, na execução, os mais eficazes. Mas as almas semelhantes a ti, debruçadas continuamente sobre si próprias e como que dominadas pela grandeza das suas próprias faculdades, e portanto incapazes de auto-domínio, estão, a maior do tempo, sujeitas à indecisão, tanto para deliberar como para agir: a qual é um dos maiores tormentos que angustiam a vida humana. Acresce que, enquanto pela excelência das tuas capacidades ultrapassarás facilmente e em pouco tempo quase todas as outras da tua espécie nos saberes mais relevantes e até nas matérias mais difíceis, no entanto ser-te-á sempre impossível ou extremamente difícil aprender ou pôr em prática imensas coisas insignificantes em si mesmas, mas indispensáveis para conviver com os outros homens; as quais verás, ao mesmo tempo, serem perfeitamente executadas e aprendidas sem esforço por inúmeros espíritos, não só inferiores a ti, como desprezíveis em todos os sentidos. Estas e outras dificuldades e desgraças infinitas ocupam e rodeiam as grandes almas. Mas são largamente recompensadas pela fama, pelos louvores e pelas honras que a grandeza destes espíritos insignes lhes rende, e pela perenidade da lembrança que de si deixam aos seus pósteros.»

Giacomo Leopardi, Pequenas Obras Morais


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