O irreal é o ilógico. E esta época não parece já poder elevar-se a um mais alto grau no ilógico, no antilógico: dir-se-á que a monstruosa realidade da guerra suprimiu a realidade do mundo. O fantástico torna-se realidade lógica, mas a realidade dissolve-se na mais lógica das fantasmagorias. Uma época cobarde e mais triste que todas precedentes afoga-se em sangue e em gases asfixiantes, multidões de empregados bancários e de especuladores lançavam-se contra arames farpados, um humanitarismo bem organizado não impede nada, mas organiza-se em Cruz Vermelha e empenha-se no fabrico de membros artificiais; cidades morrem de fome e cunham moeda com a sua própria fome, mestres-escola de óculos comandam pelotões de assalto, habitantes das grandes cidades vivem em cavernas, operários fabris e outros paisanos rastejam com as patrulhas de reconhecimento, e quando, finalmente, encontram a retaguarda, com a vida salva, os seus membros artificiais criam novos especuladores. Na dissolução de toda a forma, à luz crepuscular de uma incerteza embotada que ilumina um mundo de espectros, o homem, tal como uma criança perdida, caminha às apalpadelas, seguindo o frio de uma qualquer logicazinha de curto fôlego, caminha às apalpadelas numa paisagem de sonho a que chama realidade e que, no entanto, não passa de um pesadelo para ele.»
Hermann Broch, Os Sonâmbulos, Huguenau ou o Realismo
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