Hubert Robert, Ruines d'un Temple, c.1775-80.
São as ruínas do próprio deus. Por entre elas passa o
quotidiano da cidade. Século a século permanecem do desfazer
do ângulo cimeiro de uma coluna e o roubo levou a cabeça
de uma estátua, o torso de um herói os genitais de um atleta
coroado pela vitória.
A chuva cai pelo rombo da abóbada e a partir do cruzeiro
o templo é rua aberta à mais cruel criatura, ao adulador do
antigo tão semelhante ao sábio da moral política - pedaço
de sebo movendo-se a gosto em águas turvas, ele remove a cidade
até à sedição. Estende as mãos em rapina
para a pedra mais obscura e diz procurar indícios.
Era um templo antigo. Tempo por demais antigo. Gestos
passados sobre grandes ideais e grandes feitos. Por isso
há no ar um não sei quê de inesperado e, ao mesmo tempo,
familiar.
Qualquer coisa a um tempo remota, estranha, breve
e, de tão breve, ainda pertence ao dia em que vivemos. Os
habitantes
da cidade de nada se apercebem
habituados que estão a respirar por entre o abandono do deus. Só
os que vêm de fora
se movem por entre aqueles muros e vêem preguiça, indiferença,
soberba. Eles vêem, mais do que ouvem, palavras tecidas por
entre
os deuses
pois elas descem do erguido arco onde irrompem
as silvas: «Guido, gostava que tu, o Lapo e eu».
E os da cidade atravessam o corredor em ruína
rasam as colunatas, arrastam os pés e os haveres
negoceiam a compra e a venda
com o alheamento de quem não vê
não sabe
e coisa alguma pergunta.
João Miguel Fernandes Jorge, Museu das Janelas Verdes
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