Tchítchikov começou de muito longe, abordou os problemas de todo o Estado russo, louvando muito a sua extensão, dizendo que nem mesmo a mais antiga monarquia romana era tão grande e que os estrangeiros tinham todas as razões para se admirarem... Sobakévitch ouvia com a cabeça inclinada. Disse depois que, de acordo com as leis vigentes neste Estado incomparável pela sua glória, as almas da gleba, depois de terminada a sua vida terrena, continuavam a figurar nas listas do censo ao lado das almas vivas, até à elaboração de novas listas, para que assim não sobrecarregassem as instituições públicas com inúmeras declarações individuais insignificantes e inúteis, e para que se não agravasse a complicação do mecanismo estatal, já sem isso bastante complicado... Sobakévitch continuava a ouvir com a cabeça inclinada... E mais disse que, apesar de toda a sensatez desta medida, ela não deixava de resultar onerosa para muitos proprietários, obrigando-os a pagar a tributação tal como pelos objectos vivos, e que ele, Tchítchikov, votando um respeito pessoal ao senhor Sobakévitch, estava até pronto a tomar a seu cargo uma parte desse fardo verdadeiramente pesado. No respeitante à matéria principal, Tchítchikov exprimiu-se com muito cuidado: não chamou mortas às almas, mas tão-só inexistentes.
Sobakévitch ouvia sem mudar de posição, com a cabeça inclinada, não se lhe desenhando na cara qualquer expressão, nem nada que se lhe assemelhasse. Parecia que naquele corpo não havia alma ou que, então, se a havia, ela estava nalgum outro lugar, tal como o bruxo Kochei Imortal escondera a sua atrás dos montes sob uma carapaça tão grossa que mexer no fundo dessa alma não produzia qualquer efeito à superfície.
- Então?... - disse Tchítchikov, esperando pela resposta com alguma emoção.
- Deseja almas mortas? - perguntou Sobakévitch de modo muito singelo e sem o mínimo espanto, como se se tratasse de uma compra de trigo.
- Sim - respondeu Tchítchikov e voltou a suavizar a expressão para «inexistentes».
- Arranjam-se, por que não?... - disse Sobakévitch.
- Quer dizer que, se dispõe delas, gostará sem dúvida... de se desfazer delas?
- Faça o favor, concordo em vender-lhas - disse Sobakévitch, levantando um pouco a cabeça e tendo já compreendido que o comprador levava alguma vantagem neste négócio.
«C'os diabos! - pensou Tchítchikov. - Este já fala em vender, quando eu ainda nem sequer tive tempo de lho insinuar!»
- Pois, mas qual seria o seu preço? Aliás, nesta matéria... até é estranho falar de preço...
- Para não o prejudicar, cem rublos cada uma! - disse Sobakévitch.»
Nikolai Gogol, Almas Mortas
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