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sábado, 16 de abril de 2011

Avó

«Um dia, perguntei à minha avó:
- Como é que se faz para não ter frio na sepultura, no Inverno?
A minha avó era uma mulher simples e devota que via Deus em toda a parte; mesmo no mal, mesmo no castigo, mesmo na injustiça. Nenhum acontecimento a surpreendia sem orações. A sua pele tinha a brancura da areia do deserto. Sobre a cabeça, ela usava um enorme lenço preto, de que parecia não se conseguir separar.
- Quem não se esquece de Deus não tem frio na sepultura - disse ela.
- Que é que o mantém quente? - insisti eu.
A sua voz fraca tornou-se um murmúrio: era um segredo.
- O bom Deus em pessoa.
Um sorriso benevolente iluminou-lhe o rosto até à beira do lenço que lhe cobria metade da fronte. Ela sorria desta maneira de cada vez que eu lhe colocava uma pergunta cuja resposta lhe parecia ser evidente.
- Será que o bom Deus também está na sepultura, juntamente com os homens e as mulheres que são enterrados?
- Sim - asseverou a minha avó. - É ele quem os mantém quentes.
Lembro-me que então uma tristeza turva desceu sobre mim. Eu compadeci-me de Deus. Eu dizia a mim mesmo: Ele é mais infeliz que o homem, que só morre uma vez, que é enterrado numa única sepultura.
- Avó, diz-me, Deus também morre?
- Não, Deus é imortal.
A sua resposta impressionou-me. Tive vontade de chorar. Deus é enterrado vivo! Eu teria preferido inverter os papéis, pensar que Deus é mortal e o homem não. Acreditar que, quando um homem finge morrer, é Deus quem é coberto de terra.»

Elie Wiesel, Dia

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