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Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

sábado, 30 de abril de 2011

Wagner: Tristan und Isolde - Prelude

Ser Solitário

«Estar só não significa necessariamente ser solitário. Ter amigos distantes também não - há sempre aqueles amigos que nunca nos deixam e com quem podemos ainda ter uma conversa séria. Eu tenho os livros. Dante, Espinosa, Goethe. Mas mesmo eles não me entenderiam. A verdadeira amizade, amizade masculina, não seria possível, nem mesmo com eles. Eu compreendo-os, mas eles não me compreendem. O mesmo acontece com esta época. Cheguei demasiado cedo. Solidão. Não tenho opção. O que disse Lutero quando teve de defender-se? «É esta a minha posição. Não posso agir de outra maneira.» Ah, Lutero. Certamente sabia escrever. Basta comparar a sua linguagem com a prosa desinteressante dos teólogos actuais. Escrevinhadores! Filisteus cultos! Lutero adorava inegavelmente o drama e dava-se bem com a atenção e a fama. Ah, ser ele próprio Papa, ter poder. Quem procura reconhecimento público deseja apenas isso. «Bene vixit qui bene latuit». Tristia, de Ovídio. Os alunos eram obrigados a traduzir isto: «Quem viveu longe do centro das atenções viveu bem.» Não percebiam. Publicidade! O jornal! Esse é o seu Valhala. O que lhes disse então? «Vocês substituíram a vossa oração matinal pela leitura de jornais.» Gostaram da observação. Aparentemente, também não a perceberam. E estes são os cultos. Até fiz palestras sobre educação liberal. Expliquei então também que ninguém se esforçaria pela Bildung se percebesse quão incrivelmente pequeno é o número dos verdadeiramente cultos como aliás só pode ser. A gratificante palavra Bildung foi destituída de todo o seu significado e não é mais do que uma concha primorosamente pintada mas vazia. A utilidade foi declarada como o mais importante objectivo na vida - ou, para ser mais exacto, ganhar tanto dinheiro quanto for possível. E eu, que assumi a nobre tarefa de formar a elite jovem, o meu trabalho foi rebaixado à função de formar pessoas comercializáveis. Tudo tem de ser comercializável, moderno, adaptado, actual, e, acima de tudo, não ser diferente, não ser difícil, não ser pesado, ser simples - primeiro que tudo simples. Só assim mais facilmente se poderá ganhar dinheiro, só então todos seriam felizes. Não muito difícil, professor. Por favor! Porque qualquer Bildung que pudesse tornar alguém solitário, alguém que não se preocupasse em fazer dinheiro e gerar lucro, levaria tempo, esse era o tipo de educação liberal que eu iria propor, era «superior egoísmo», era «indecoroso epicurismo cultural». Isto seria engraçado se não fosse tão trágico.»

Rob Riemen, Nobreza de espírito, um ideal esquecido (a propósito de Nietzsche)

Cecilia Bartoli - Ombra mai fù (Sacrificium - The Art of the Castrati)

Modéstia

«Vedete come un cavalier sia di mala grazia, quando si sforza d'andare così stirato in su la sella e, come noi sogliam dire, alla veneziana, a comparazion d'un altro che paia che non vi pensi e stia a cavallo così disciolto e sicuro come se fosse a piedi. Quanto piace più e quanto più è laudato un gentilom che porti arme, modesto, che parli poco e poco si vanti, che un altro, il quale sempre stia in sul laudar se stesso e biastemando con braveria mostri minacciar al mondo! e niente altro è questo che affettazione di voler parer gagliardo. Il medesimo accade in ogni esercizio, anzi in ogni cosa che al mondo fare o dir si possa.»

Baldassare Castiglione, Il Cortigiano

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Jaroussky : Orlando Finto Pazzo

Templo em Ruínas


Hubert Robert, Ruines d'un Temple, c.1775-80.

São as ruínas do próprio deus. Por entre elas passa o
quotidiano da cidade. Século a século permanecem do desfazer
do ângulo cimeiro de uma coluna e o roubo levou a cabeça
de uma estátua, o torso de um herói os genitais de um atleta
coroado pela vitória.
A chuva cai pelo rombo da abóbada e a partir do cruzeiro
o templo é rua aberta à mais cruel criatura, ao adulador do
antigo tão semelhante ao sábio da moral política - pedaço
de sebo movendo-se a gosto em águas turvas, ele remove a cidade
até à sedição. Estende as mãos em rapina
para a pedra mais obscura e diz procurar indícios.

Era um templo antigo. Tempo por demais antigo. Gestos
passados sobre grandes ideais e grandes feitos. Por isso
há no ar um não sei quê de inesperado e, ao mesmo tempo,
familiar.
Qualquer coisa a um tempo remota, estranha, breve
e, de tão breve, ainda pertence ao dia em que vivemos. Os
   habitantes
da cidade de nada se apercebem
habituados que estão a respirar por entre o abandono do deus. Só
os que vêm de fora
se movem por entre aqueles muros e vêem preguiça, indiferença,
soberba. Eles vêem, mais do que ouvem, palavras tecidas por
   entre
                                                                      os deuses
pois elas descem do erguido arco onde irrompem
as silvas: «Guido, gostava que tu, o Lapo e eu».

E os da cidade atravessam o corredor em ruína
rasam as colunatas, arrastam os pés e os haveres
negoceiam a compra e a venda
com o alheamento de quem não vê
não sabe
e coisa alguma pergunta.

João Miguel Fernandes Jorge, Museu das Janelas Verdes

Imortal

«Ser imortal é insignificante; com excepção do homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível é saber-se mortal. Tenho notado que, apesar das religiões, essa convicção é raríssima. Israelitas, cristãos e muçulmanos crêem na imortalidade, mas a veneração que tributam ao primeiro século prova que só crêem nele, já que destinam todos os demais, em número infinito, a premiá-lo ou a castigá-lo. Mais razoável me parece a roda de certas religiões do Indostão; nessa roda, que não tem princípio nem fim, cada vida é feita da anterior e engendra a seguinte, mas nenhuma determina o conjunto... Doutrinada num exercício de séculos, a república de homens imortais atingira a perfeição de tolerância e quase do desdém. Sabia que num prazo infinito todas as coisas ocorrem em todos os homens. Por suas passadas ou futuras virtudes, todo o homem é credor de toda a bondade, mas também de toda a traição, pelas suas infâmias do passado ou do futuro. Assim como nos jogos de azar os números pares e os números ímpares tendem ao equilíbrio, assim também se anulam e se corrigem o talento e a estupidez, e é possível que o rústico poema do Cid seja o contrapeso exigido por um só epíteto das Éclogas ou por uma sentença de Heraclito. O pensamento mais fugaz obedece a um desenho invisível e pode coroar, ou inaugurar, uma forma secreta. Sei dos que praticavam o mal para que nos séculos futuros resultasse o bem, ou tivesse resultado nos já passados... Encarados assim, todos os nossos actos são justos, mas também são indiferentes. Não há méritos morais ou intelectuais. Homero escreveu a Odisseia; dado um prazo infinito, com infinitas circunstâncias ou mudanças, o impossível seria não escrever, sequer uma vez, a Odisseia. Ninguém é ninguém, um só homem imortal é todos os homens. Como Cornélio Agripa, sou deus, sou herói, sou filósofo, sou demónio e sou mundo, o que é uma fatigante maneira de dizer que não sou.
O conceito do mundo como sistema de precisas compensações influiu enormemente nos Imortais. Em primeiro lugar, tornou-os invulneráveis à piedade. Mencionei já as velhas pedreiras que sulcavam os campos da outra margem; um homem despenhou-se na mais funda; não podia lastimar-se nem morrer, mas a sede abrasava-o; antes que lhe atirassem uma corda, passaram setenta anos. Nem sequer interessava o próprio destino. O corpo era um submisso animal doméstico e bastava-lhe, cada mês, a esmola de umas horas de sono, de um pouco de água e de uma migalha de carne. Que ninguém nos queira rebaixar a ascetas. Não há prazer mais complexo que o pensamento e a ele nos entregávamos. Às vezes, um estímulo extraordinário restituía-nos ao mundo físico. Por exemplo, naquela manhã, o velho gozo elementar da chuva. Esses momentos eram raríssimos; todos os Imortais eram capazes de perfeita quietude lembro-me de um que nunca vi de pé: um pássaro fizera ninho no seu peito.»

Jorge Luís Borges, O Aleph

Janacek : Taras Bulba (mvt. I)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Política

«Bontà e generosità erano anche la sostanza del suo sentimento politico, da onest'uomo di tutti i tempi, che piange sulle sventure della patria, aborre il dominio degli stranieri, giudica severamente le oppressioni dei signori, si scandalizza per la corruttela ed ipocrisia dei preti e della Chiesa, lamenta che le armi unite do Europa non si volgono contro il Turco ossia contro il barbaro infesto; ma non va oltre questa superficiale impressionabilità, e finisce con l'accettare i tempi suoi e rispettare i potenti che, in ultimo, hanno prevalso. Perciò ha scarso interesse il notare (e può notarsi nello stesso Furioso) la varietà delle idee politiche dell'Ariosto, dapprima ostile agli Spagnuoli, come si vede da parecchi accenni e da certe qualifiche date a Ferraù spagnuolo, e, da ultimo, avverso ao Francesi, che avevano perso la partita in Italia, ed esaltatore dell'ispano-imperiale Carlo V, e di coloro che in Italia sostenevano quella causa, Andrea Doria o gli Avalos che fossero. Ma è, d'altra parte, come si è detto, ingiusto rimproverargli di non essere stato un campione d'italianità e di ribellione ai tiranni e agli stranieri, come pur ve ne furono, sebbene rari, a quei tempi, o un appassionato meditatore e profeta politico, un Machiavelli. Basta la famosa invettiva contro le armi da fuoco a segnare la qualità della politica ariostesca: la politica era per lui la morale, la privata morale, e una morale poco combattiva e molto idilliaca, quantunque non volgare, anzi disdegnosa del volgo di qualsiasi sorta, per fortunato a altolocato che fosse. Non era tale, dunque, da generare, come l'amore e l'umana pietà, figure e scene del poema, e le bastava incanalarsi qua e là nei letti delle ottave rifflessive, esclamative ed oratorie.»

Benedetto Croce, Ariosto

Luca Carboni - Colori

Utilidade

«O curso dos acontecimentos deu ao génio do tempo uma orientação que ameaça afastá-lo cada vez mais da arte do ideal. Esta tem de abandonar a realidade e elevar-se com a ousadia conveniente acima da carência; porque a arte é filha da liberdade e tem de receber as suas directrizes a partir da necessidade dos espíritos, não da precariedade da matéria. Presentemente, porém, a carência reina e verga a humanidade humilhada sob o seu jugo tirânico. A utilidade é o grande ídolo do tempo, a que todas as forças devem ser consagradas e que todos os talentos devem homenagear. Nessa grosseira balança, o mérito espiritual da arte não tem qualquer peso e esta, privada de todo o estímulo, desaparece do ruidoso mercado do século. Mesmo o espírito de investigação filosófica arrebata à imaginação uma província após outra, e as fronteiras da arte estreitam-se quanto mais a ciência expande os seus limites.»

Friedrich Schiller, Sobre a educação estética do ser humano numa série de cartas e outros textos

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Beethoven Sonata Op 106 "Hammerklavier" Part 1 Valentina Lisitsa

Mal


«- (...) Também nunca esquecerei o dia da nossa chegada, a alegria de ser acolhida pela tua «Mulher Poderosa». Mas para ser sincera não creio que a América seja ainda um grande país. Quando me tornei cidadã canadiana, devolvi de moto próprio o meu passaporte americano. Há muito tempo que este não era o meu país. E em minha opinião é bom que o Nexus organize este colóquio, pelo menos para clarificar se a falta de liberdade se prende com o mal dentro de nós. Além disso, só podemos esperar que o 11 de Setembro também nos faça perceber até que ponto o Ocidente, os Estados Unidos em particular, é mais uma vez infiel aos seus ideais. Como somos hipócritas quando ser trata de interesses económicos e de política externa! A hipocrisia é o resultado da ganância que estrangula a nossa sociedade. Marx certamente viu-o bem: o capitalismo também é uma força destrutiva! Já para não falar da estupidez que cultivamos, da decadência. Estas coisas têm sempre consequências.
- Entaõ aprovas o que aconteceu a 11 de Setembro? Fazes parte dos que argumentam que devíamos tentar «compreender» porque foram assassinadas por fanáticos religiosos três mil pessoas inocentes? Como se fosse assim tão difícil compreender que esses fascistas são simplesmente o mal.
Joe estava tão emocionado que a sua cabeça sacudia de uma maneira cada vez mais descontrolada, sendo-lhe crescentemente difícil levar a comida à boca. Calmamente, com a mão pousada nos seu braço, Elisabeth disse:
- Não, Joe, não é correcto, e conheces-me suficientemente bem para entender que eu nunca justificaria o assassinato de pessoas inocentes. E sei bem que o mal existe. Nunca esquecerei o mês de Março de 1933. Depois de umas férias na Suíça com os meus pais, voltei para a escola, em Munique. Durante essas duas semanas, Hitler e os seus nazis conquistaram o controlo total da Alemanha. Foi um imenso choque ver que os professores estavam subitamente a afirmar exactamente o oposto do que tinham declarado antes de partirmos. Raparigas que apenas três meses antes desfaleciam diante de um professor denunciavam-no agora porque as tinha proibido de iniciar a aula com um Heil Hitler. Em menos de três semanas todas se tinham transformado em nazis inveteradas. Eu tinha quase 15 anos e desde então não tenho quaisquer ilusões acerca do mal que se esconde dentro dos seres humanos. Mas também sei que não podemos erradicar o mal com bombas e granadas. Vamos ter de descobrir uma resposta melhor do que a chamada guerra do terror.»

Rob Riemen, Nobreza de espírito, um ideal esquecido

terça-feira, 26 de abril de 2011

Três Tristes Tigres - Zap Canal (Official Videoclip) 1996

El Largo Viaje a Oriente

   En aquella mañana de luz azul,
en barcas jubilosas, las velas desplegadas, partimos
                                                        al Oriente.
Y entramos en el bronce del pecho de aquel sol.
El mar quedó desierto tras nosotros, bajo una lluvia
                                                           de oro.
Así tuvo lugar el único viaje.

   A la tarde volvimos, caídas ya las velas,
derramada en las aguas la púrpura extendida
de aquel día cansado.

   (Ya sólo miro el mar por la abierta ventana,
y otras velas que parten, matutinas,
regresan a la tarde, sin color,
fatigadas.)

   Me han borrado los años con piedad,
y el cuerpo es sólo un bulto. Aún con vida en los
                                                              ojos
vigilo los navíos de luz, distantes y amarrados,
en el puerto celeste.
Igual que en la niñez los miro ahora.
                                                      Son eternos,
y tiemblan sus fanales en lo oscuro. Son el feliz engaño
del mundo que no ha sido.

Y allí, me lo dijeron y nunca los creí,
habita Dios.

Francisco Brines, A Última Costa

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Ao Longe O Mar-Madredeus

Valori

«Anche la crisi della sfera dei valori economico-materiali deve essere infatti considerata una particolare manifestazione del crollo del sistema universale dei valori. Che la coscienza comune abbia ormai colto questo nesso è un fatto evidentissimo. Oggi si avverte chiaramente che lo stadio intermedio tra il Non-Più e il Non-Ancora, questo spazio interstiziale in cui la confusione del declino si mescola con la confusione della ricerca, deve diventare il punto do partenza per un nuovo equilibrio spirituale; e si sente la necessità di giungere ad una nuova sistemazione dei valori, ad una nuova armonia dello spirito che ci fornisce criteri certi e razionali per poter stabilire ancora una volta che cosa à valore e che cosa non lo è. Malgrado l'avversione positivistica per le definizioni speculative e teologiche, malgrado la tendenza (alimentata dagli stessi orientamenti positivistici) a fondare i giudizi di valore soprattutto sul sentimento e sull'intuizione, questo è l'obiettivo cui tende l'umanità, un obiettivo platonico perché rappresentato da un razionale sistema di valori al quale si chiede di rendere plausibile il mondo e di fondare i suoi valori su una sistematica razionalità. Il disprezzo con cui l'uomo pratico e l'uomo di scienza guardano alla filosofia non ha impedito la rinascenza nietzscheana cui assistiamo oggi in tutto il mondo e che può essere senz'altro considerata un sintomo estremamente significativo, non tanto per i contenuti morali di Nietzsche (che sotto quest'aspetto à ancora pienamente radicato in un humus borghese ed estetizzante e resta perciò legato al suo tempo) quanto per le esigenze di principio e di metodo che egli ha sollevato, facendo del concetto di valore il nucleo metodologico della filosofia e in modo particolare della filosofia della storia. Ciò che ha mosso Nietzsche (e Kierkegaard non meno di lui) è stata la scoperta, quasi passionale, dell'importanza, oggi ancora difficilmente valutabile in tutta la sua portata, del concetto di valore. Per quanto grandi siano stati il ritardo e la riluttanza con cui la filosofia ufficiale, di orientamento post-kantiano o di altri orientamenti, ha accolto il concetto di valore, sta di fatto che non ha potuto farne meno, mentre tutto testimonia a favore della funzione decisiva che questo concetto (così repentinamente impostosi alla meditazione filosofica) è destinato ad esercitare come possibile ponte tra una speculazione in declino, sopravvissuta a se stessa, e una nuova possibile metafisica. La fortissima tensione tra «bene» e «male» e la polarità quasi insopportabile di tutte le coppie di contrari (tensione e polarità che sono proprie di questa epoca alla quale anzi imprimono una specifica radicalità), la necessità cui soggiaciono gli uomini di accogliere nella loro vita, per poterla vivere, sia i più alti imperativi etici sia gli aspetti più ripugnanti e quasi inconcepibili di una terribile realtà, indicano una direzione agli orientamenti spirituali del nostro tempo e conferiscono alla loro problematica una legittimità che sembrava perduta.»

Hermann Broch, «Il Male nel Sistema di Valori dell'Arte», in Il Kitsch

Dvořák's Carnival Overture, Op. 92 - Bernstein

Liberdade

«È noto infatti, che non di rado uno Stato cerca di imitare il modo di vivere di un altro per quanto riguarda l'organizzazione dei mezzi di produzione, di comunicazione, ecc. Orbene questa imitazione può essere attiva o passiva, e, se giungerà al punto di essere totalmente passiva, finirà di spegnere ogni originalità nel popolo che cerca di imitarne un altro. Allora potremo chiederci: questa perdita di originalità non finirà per significare perdita di indipendenza? Dove passa la linea di discriminazione fra adeguazione al modo di vivere e di pensare di un altro popolo ed effettiva perdita di indipendenza?
Quando si parla di indipendenza di uno Stato, ci si riferisce soprattutto alla sua capacitá di difendere efficacemente i propri confini. Questa difesa viene di solito affidata alle armi, ma non solo ad esse. Può per esempio venire affidata alla diplomazia, alle alleanze, ad organismi internazionali, ecc. Non va però dimenticato che, se un alleato più forte corre in aiuto di uno più debole, questo aiuto finisce per costituire alla fin fine un pericolo per l'indipendenza dello Stato più debole, che si trova non solo aiutato ma schiacciato dal suo stesso protettore.
Ne segue che il concetto di indipendenza e quindi di libertà degli Stati risulta assai più difficile da definirsi di quanto ci era sembrato all'inizio del presente paragrafo. Il fatto è che all'inizio avevamo cercato di darne una definizione astratta, mentre ora constatiamo che essa non riesce ad adeguarsi a tutti i casi concreti.
In realtà, come ora vedremo, il concetto di indipendenza di un popolo (o di uno Stato) non può venire analizzato e precisato se non si fa diretto riferimento a tutta la sua storia, cioè alla complesse vicende che esso ha attraversato nei tempi trascorsi.»

Ludovico, Geymonat, La Libertà

Youth For Human Rights -The Right to Democracy

Se tu mio fratello

Se tu mi rivenissi incontro vivo,
Con la mano tesa,
Ancora potrei,
Di nuovo in uno slancio d'oblio, stringere,
Fratello, una mano.

Ma di te, di te più non mi circondano
Che sogni, barlumi,
I fuochi senza fuoco del passato.

La memoria non svolge che le immagini
E a me stesso io stesso
Non sono già più
Che l'annientante nulla del pensiero.

Giuseppe Ungaretti

Perdão

«Bem estreito é o fio da navalha! Entre dois perigos me equilibro: de um lado ameaça-me a ávida boca do excesso, do outro a amargura da avareza que de si mesma se alimenta. E teimo na recusa de optar entre a orgia e a ascese, ainda que com isso me sujeite ao suplício em brasa dos desejos. Não sou livre nos meus actos, por isso tudo me pode ser desculpado. Mas este conhecimento não me basta. O que procuro para a vida não é uma desculpa, mas exactamente o seu contrário: é o perdão que busco. Descubro, afinal, que se não levar em conta a minha liberdade, todo o consolo é enganador, mera imagem reflectida do desespero. De facto, assim que o desespero me diz - «perde a esperança, o dia não passa de um momento de trevas entre duas noites», há uma falsa voz que me grita - «tem confiança, a noite não é mais do que um momento de trevas entre dois dias».
A humanidade, porém, não é de palavras que precisa; anseia por um consolo que ilumine. E mesmo aquele que deseje tornar-se mau - agir como se todos os actos fossem defensáveis - deve ter ao menos a bondade de notar quando o consegue.
É impossível saber quando cairá o crepúsculo, impossível enumerar todos os casos em que o consolo se fará necessário. A vida não é um problema que possa resolver-se dividindo a luz pela escuridão ou os dias pelas noites, mas sim uma viagem imprevisível entre lugares que não existem.»

Stig Dagerman, A Nossa Necessidade de Consolo é Impossível de Satisfazer  

Totalitarismo

«Mein Kampf é o manifesto completo de um programa político. O nazismo tinha uma teoria do racismo e do arianismo, uma noção precisa da entartete Kunst, a "arte degenerada", uma filosofia da vontade de poder e do Ubermensch. O nazismo era decididamente anticristão e neopagão, do mesmo modo que o Diamat (a versão oficial do marxismo soviético) de Staline era claramente materialista e ateu. Se por totalitarismo se entender um regime que subordina todos os actos individuais ao estado e à sua ideologia, então o nazismo e o estalinismo eram regimes totalitários.
O fascismo foi sem dúvida uma ditadura, mas não era consumadamente totalitário, não tanto pela sua brandura como pela fraqueza filosófica da sua ideologia. Ao contrário do que se pensa normalmente, o fascismo italiano não teve uma filosofia própria. O artigo sobre o fascismo assinado por Mussolini para a Enciclopédia Treccani foi escrito ou fundamentalmente inspirado por Giovanni Gentile, mas reflectia uma noção tardo-hegeliana do "estado ético e absoluto" que Mussolini nunca realizou completamente. Mussolini não tinha nenhuma filosofia: tinha só uma retórica.»

Umberto Eco, Cinco Escritos Morais

sábado, 23 de abril de 2011

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Prece

Senhor, a noite veio e a alma é vil,
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -,
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!

Fernando Pessoa, Mensagem 

Brahms' Requiem - Denn alles fleisch es ist wie gras

Dignidade

Habituámo- nos a correr ao sabor do tempo. Ao sabor da sua voragem, sem ao menos tentar compreender os sinais do tempo por que passávamos. Frequentemente ouvi dizer a pessoas das mais variadas proveniências “alguém de há-de pagar”, quando se referia alguma notícia relativa a um gasto que estivesse para além do nível da razoabilidade.
Lembro-me que, em criança, educaram-me de forma a evitar dever fosse o que fosse. Deveria aprender a viver com o que tinha, não fazendo contas àquilo que não tinha. Nesse tempo não era comum o uso do cartão de crédito e evitava-se pagar a prestações. Quando se tinha juntado o dinheiro, comprava-se.
Os tempos são outros, bem sei, e considero que são muito melhores em muitos aspectos. Não é isso que discuto. Aquilo que é preocupante é o facto de, aos poucos, termos passado a fazer parte de uma sociedade em que ninguém é o verdadeiro proprietário daquilo de que quotidianamente usufrui.
O problema maior não é o caso isolado, do senhor António, ou da senhora Maria. O problema assume proporções abissais quando esta atitude passa a ser a de um Estado e de um país inteiro. O problema maior é o da incapacidade de compreender criticamente a História e de, pelo seu escrutínio, se fazer passar o critério da acção política e económica.
Por assim termos funcionado, enquanto Estado, tornámo-nos colectivamente mendigos. Mendigos que já não sabem onde terão deixado a sua dignidade. Hoje em dia, precisamos de um exercício de memória, rigoroso e colectivo, para fazermos emergir a nossa dignidade e lembrarmo-nos que já houve tempos em que fomos bravos. Para aí chegarmos, é à História, à perspectiva histórica que recorremos e é nela que podemos encontrar lugar para a esperança.  

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Angelus Novus

Paul Klee, Angelus Novus, 1920

«É certo que existe uma outra concepção da História. Os progressos alcançados pela liberdade, a competição, a corrida ao "cada vez mais", tudo isto pode ser vivido como um furacão destruidor. É assim que a representa um amigo do meu pai, o homem que com dividiu a tarefa de traduzir para alemão Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust. Trata-se do filósofo alemão Walter Benjamin. Extraiu uma mensagem pessimista de um quadro do pintor suíço Paul Klee, o Angelus Novus, no qual a figura do anjo abre os braços como para refrear e repelir uma tempestade que ele identifica como sendo o progresso. Para Benjamin, que se suicidou em 1940 para escapar ao nazismo, o sentido da História é uma progressão imparável de catástrofe em catástrofe.»

Stéphane Hessel, Indignai-vos!

A Forma Justa

«O poema «A Forma Justa» dá a ler a circulação, a passagem entre o justo da justeza e o justo da justiça, bem como o acorde que reúne os sentidos.

Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos - se ninguém atraiçoasse - proporia
A cada um a liberdade e o reino
- Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo


Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo (III, 238)

«A forma justa/ De uma cidade humana», embora a construir, corresponde à justeza de cada forma ou corpo terrestre. E essa justeza que é qualidade do mundo já ali e é o canto da esperança (simultaneamente promessa, palavra dada e compromisso com a forma não corrompida das coisas do mundo) encontra o seu símile na integração das palavras no verso. O leitor de Sophia entenderá aquilo em que aqui o poema insiste; esse leitor sabe que esta poesia busca restituir um reino ou uma aliança, que por «traição» ou doença se perderam ou continuam a perder-se. Este poema declara a possibilidade condicional dessa construção e funda-a numa fidelidade «à perfeição do universo».
O dístico final enuncia o ofício e toma-o como um incessante recomeço. A página em branco, «coisa» ou «cena da escrita», diz-nos então que nem tudo foi já escrito ou dito, que nem tudo está para sempre perdido. Sempre que o poema vai recomeçar a gravar a página em branco tudo por momentos parece voltar a ser possível. Sobretudo para quem como Antígona, recordemo-lo, «não aprendeu a ceder aos desastres».»

Manuel Gusmão, «Da Evidência Poética: Justeza e Justiça na Poesia de Sophia», in Tatuagem & Palimpsesto da poesia em alguns poetas e poemas

Sobre o Lado Esquerdo

«De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme pensa: «o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração».»

Carlos de Oliveira, «Sobre o Lado Esquerdo», in Trabalho Poético, vol.II

Caeiro

«Segundo uma ficha biográfica redigida pelo próprio Pessoa («esse homem que inventou as biografias para as obras e não as obras para as biografias», como penetrantemente observou Adolfo Casais Monteiro: e a diferença é capital, sublinha Octavio Paz, ao estabelecer o confronto com António Machado), Alberto Caeiro da Silva nasceu em Lisboa em 1889 e aí morreu tísico, em 1915, vinte anos antes de Pessoa e um ano depois de ter surgido como heterónimo.Era um homem louro, pálido, de estatura média. Passou toda a sua curta vida numa aldeia do Ribatejo, em casa duma velha tia-avó, para onde se retirara devido a uma saúde delicada. Além de O Guardador de Rebanhos, deixou o diário poético intitulado O Pastor Amoroso e várias poesias dispersas, que Fernando Pessoa, a quem Álvaro de Campos as entregara, reuniu com o título de Poemas Inconjuntos. Aparentemente mais nada haveria a dizer sobre a vida deste homem solitário e tranquilo, que escrevia mal o português (fizera só a instrução primária) e que viveu longe de cenáculos e de salões. Só ele gozou de uma posição de indiscutível primazia na família dos heterónimos: foi o Mestre deles. Mais: como afirma categoricamente Pessoa, Caeiro foi o seu Mestre («Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu Mestre»: de uma carta a Casais Monteiro, de 13 de Janeiro de 1935).
Mas qual é o «significado» da doutrina deste misterioso Mestre? Quanto a mim, prefiro considerar, com Octavio paz, que a afirmação de Pessoa, Caeiro é o meu Mestre, «é a pedra de toque de toda a sua obra. E poderia acrescentar-se que a obra de Caeiro é a única afirmação feita por Pessoa. Caeiro é o sol em volta do qual giram Reis, Campos e o próprio Pessoa. Em todos eles há partículas de negação ou de irrealidade: Reis acredita na forma, Campos na sensação, Pessoa nos símbolos. Caeiro não crê em nada: existe».»

Antonio Tabucchi, Pessoana Mínima 

"Paradoxes and Oxymorons," by John Ashbery

Light Turnouts

Dear ghost, what shelter
in the noonday crowd? I'm going to write
an hour, then read
what someone else has written.

You've no mansion for this to happen in.
But your adventures are like safe houses,
your knowing where to stop an adventure
of another order, like seizing the weather.

We too are embroiled in this scene of happening,
and when we speak the same phrase together:
"We use to have one of those,"
it matters like a shot in the dark.

One of us stays behind.
One of us advances on the bridge
as on a carpet. Life - it's marvelous -
follows and falls behind.

John Ashbery, Notes from the air

quarta-feira, 20 de abril de 2011

H. Berlioz : Les Troyens 1

Na Ilha por vezes habitada

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
    manhãs e madrugadas em que não precisamos de
    morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
    em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
    palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
    mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
    vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
    sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
    mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
    ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
    como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

José Saramago, Provavelmente Alegria

Marc-Antoine Charpentier - Actéon (5/5)

Marc-Antoine Charpentier - Actéon (4/5)

Parêntesis

«Certo, nell'opporre alle legioni dei diversamenti pensanti o diversamente favellanti queste proposizioni apodittiche si à ben consapevoli che esse sono proprio di quelle che possono far sorridere o muovere a scherni verso il filosofo, il qual par che caschi sul mondo come un uomo dell'altro mondo, ignaro di ciò che la realtà è, cieco e sordo alle sue dure fattezze e alla sua voce o ai suoi gridi. Anche senza soffermarsi sugli avvenimenti e sulle condizioni contemporanee onde in molti paesi gli ordini liberali, che furono il grande acquisto del secolo decimonono e sembrano acquisto in perpetuo, sono crollati e in molti altri s'allarga il desiderio di questo crollo, la storia tutta mostra, con brevi intervalli d'inquieta, malsicura e disordinata libertà, con rari lampeggiamenti di una felicità piuttosto intravista che mai posseduta, un accavallarsi di oppresioni, d'invasioni barbariche, di depredazioni, di tirannie profane ed ecclesiastiche, di guerre tra i popoli e nei popoli, di persecuzioni, di esilî e di patiboli. E, con questa vista innanzi agli occhi, il detto che la storia è storia della libertà, suona come un'ironia o, asserito sul serio, come una balordaggine.
Senonché la filosofia non sta al mondo per lasciarsi sopraffare dalla realtà quale si configura nelle immaginazioni percosse e smarrite, ma per interpretarla, sgombrando le immaginazioni. Così, indagando e interpretando, essa, la quale ben sa come l'uomo che rende schiavo l'altro uomo sveglia nell'altro la coscienza di sé e lo avviva alla libertà, vede serenamente succedere a periodi di maggiore altri di minore libertà, perché quanto più stabilito e indisputato è un ordinamento liberale, tanto più decade ad abitudine, e, scemando nell'abitudine la vigile coscienza di sé stesso e la prontezza della difesa, si dà luogo ad un vichiano ricorso di ciò che si credeva ch enon sarebbe mai riapparso al mondo, e cha a sua volta aprirà un nuovo corso.»

Benedetto Croce, La Storia come pensiero e come azione

terça-feira, 19 de abril de 2011

Marc-Antoine Charpentier - Actéon (3/5)

Hommage

Le silence déjà funèbre d'une moire
Dispose plus qu'un pli seul sur le mobilier
Que doit un tassement du principal pilier
Précipiter avec le manque de mémoire.

Notre si vieil ébat triomphal du grimoire,
Hiéroglyphes dont s'exalte le milier
A propager de l'aile un frisson familier!
Enfouissez-le moi plutôt dans une armoire.

Du souriant fracas originel hai
Entre elles de clartés maîtresses a jailli
Jusque vers un parvis né pour leur simulacre,

Trompettes tout haut d'or pâmé sur les vélins,
Le dieu Richard Wagner irradiant un sacre
Mal tû par l'oncre même en sanglots sibylins.

Stéphane Mallarmé, Poésie

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Marc-Antoine Charpentier - Actéon (2/5)

Actéon

«A primeira causa de dor, Cadmo, no meio de tanta felicidade, foi o teu neto, a cuja fronte se somaram estranhos cornos, e vós, cadelas, que vos saciastes com o sangue do vosso dono. Mas se indagares bem, descobrirás que a culpa foi da Fortuna, não de um crime dele. Pois desde quando um erro é um crime?
O monte estava tingido pela matança da mais diversa caça, e já o meio-dia reduzira ao mínimo as sombras das coisas e o sol se encontrava a igual distância de ambas as metas, quando o jovem dos Hiantes, em tom tranquilo, chama e diz aos colegas de caça que vagueavam por barrancos afastados: "As redes e as armas, amigos, estão tintas do sangue das feras, e o dia concedeu-nos sorte bastante. Mal a próxima Aurora conduzir de volta o dia, montada no carro da cor do açafrão, retomaremos a tarefa planeada. Febo dista agora o mesmo das duas metas, e com calor escaldante abre gretas na terra. Parai as presentes tarefas e desarmadilhai as nodosas redes." Os homens cumprem as ordens e interrompem o trabalho.
Havia ali um vale, coberto de pinheiros e esguios ciprestes; Sagrado a Diana, a de veste arregaçada, chamava-se Gargáfia. Na parte mais recôndita, no meio do bosque, fica uma gruta por arte humana alguma trabalhada. Com a sua criatividade, a natureza imitara a arte, pois ela própria construíra um arco natural em pedra-pomes viva e em leve tufo.
À direita, murmura uma cristalina nascente de água límpida, formando uma laguna larga, cingida por margens herbosas. Era ali que a deusa dos bosques, quando cansada da caça, costumava banhar o corpo virginal em transparentes águas. Nessa ocasião, ao chegar ao local, confiou a uma das ninfas, que era sua escudeira, a lança de caça, a aljava e o arco desapertado; outra segurou nos braços as vestes que ela despira; duas outras descalçaram-lhe as sandálias dos pés. Crócale, a do Ismeno, a mais sábia, ata-lhe com um nó o cabelo solto caído pelos ombros, embora ela o traga solto. Acartam água Néfele, Híale, Rânis, e Psécade, e Fíale, derramam-na em enormes vasilhas.
Enquanto a neta do Titã aí se banha nas águas habituais, eis que o neto de Cadmo, adiada a jornada de trabalho, deambulando ao acaso pela floresta que não conhecia, chega a este arvoredo sagrado: assim o levava o destino. Logo que ele entrou na gruta oralhada pela nascente, as ninfas, à vista do homem, desnudadas como estavam, puseram-se a bater no peito e encheram o bosque inteiro de gritos de surpresa. Rodearam então Diana, cobrindo-a com os seus próprios corpos. Mas a deusa era mais alta que elas, e do pescoço para cima ultrapassava a todas. E aquela cor que costumam ter as nuvens quando tingidas pelos golpes do sol defronte, ou a da purpúrea Aurora, essa foi a cor no rosto de Diana ao ser vista sem roupas. E apesar de rodeada pelo seu grupo de companheiras, virou-se de lado e voltou o seu olhar para trás.
Embora o que ela quisesse fosse ter as flechas prontas, pegou em água (era o que tinha à mão) e atirou à cara do rapaz. Salpicando os cabelos com a água vingadora, lançou tais dizeres, prenunciadores da iminente desgraça: "Agora, poderás contar que me viste despojada de roupas - se conseguires falar..." Sem mais ameaças, faz surgir na cabeça que molhara as hastes de um veado já velho, alonga-lhe o pescoço e aguça-lhe as pontas das orelhas; muda-lhe as mãos em pés e os braços em longas patas, e reveste-lhe o corpo todo de uma pelagem malhada; por último, instila-lhe o medo. O herói filho de Autónoe desata a fugir, e, ao correr, pasma-se por se ver tão veloz. [Mas quando vislumbrou na água o focinho e as hastes,] "Ai de mim!", queria ele gritar: mas voz alguma saiu.
Soltou foi um bramido: era a sua voz!; e as lágrimas caíram pelas faces que não eram as suas. Só restou a antiga mente. Que haveria de fazer? Voltar para casa, ao palácio do rei? Ocultar-se no bosque? Isto impede o medo, aquilo o pudor.
Hesitava ele, quando os seus cães o avistam. Melampo e o sagaz Icnóbates, os primeiros, dão o sinal a ladrar: Icnóbates é de Cnosso, Melampo, de estirpe espartana. Depois lançam-se outros, mais lestos que o rápido vento: Pânfago e Dorceu e Oríbaso, todos eles da Arcádia; o pujante Nebrófono e o feroz Téron, junto de Lélape; Ptérelas, útil pela voz corrida, e Agre, útil pelo seu faro; Hileu, que há pouco fora ferido por um feroz javali; Nape, filha de lobo; Pémenis, guardadora de rebanhos, e Harpia, acompanhada pelos seus dois cachorros; Ládon de Sicíon, que tinha os flancos bem estreitos; e Dromas e Cánaque, Esticte e Tigre e Alce, e Lêucon, de pêlo alvo como neve, e Ásbolo, de pêlo negro; e o possantíssimo Lácon, e Aelo, infatigável na corrida; e Tóos e a veloz Licisca junto com seu irmão Cíprio; e Hárpalo, inconfundível pela sua mancha branca no meio da negra fronte, e Melaneu, e a peluda Lacne; Labro e Argíodo, filhos de pai do Dicte e de mãe lacónia, e Hilactor, com o seu ladrar estridente; e muitos outros que seria demorado referir. Na ânsia de o caçar, a matilha persegue-o por escarpas e penhas e inacessíveis rochedos, por onde o caminho é difícil, onde não há caminho algum. Ele foge por onde tantas vezes perseguira as suas presas, oh!, ele foge aos seus próprios servidores! Queria gritar, ["Sou eu, Actéon! Não me reconheceis, o vosso dono?"] mas faltam palavras ao seu querer; o céu ecoa com latidos. A primeira a atingi-lo foi Melanquetes, ferindo-o nas costas; depois foi Terodamente; Oresítrofo pendura-se no ombro: tinham saído atrasados, mas lá chegaram primeiro por uns atalhos da serra. Enquanto seguram o dono, o resto da matilha cai sobre ele e ferra os dentes na carne. Já falta espaço para as feridas. Ele geme, soltando um som que, embora não sendo humano, cervo algum pode lançar, e enche os cimos tão familiares de lamentosos queixumes. De joelhos, implorante, como se numa prece, lança à volta o olhar silencioso, como se estendesse os braços. Ora, os camaradas, sem saber, açulam a matilha impetuosa com os usuais gritos de incitamento. Com o olhar buscam Actéon, e à compita Actéon chamam como se fosse ausente (e ele vira a cabeça ao nome!). Lamentam a ausência, perder por preguiça o espectáculo da presa que lhes surgira. Bem queria ele não estar ali, mas está. E ele bem gostaria de ver, mas não sentir a ferocidade dos seus próprios cães. De todo o lado o cercam e mergulham os focinhos na carne, dilacerando o dono sob a enganadora aparência de veado.
E a ira de Diana, a portadora da aljava, não se saciou, dizem, antes de se pôr termo à vida dele com incontáveis feridas.»

Ovídio, Metamorfoses, III, 138-252

domingo, 17 de abril de 2011

Marc-Antoine Charpentier - Actéon (1/5)

Paesaggio VIII

I ricordi cominciano nella sera
sotto il fiato del vento a levare il volto
e ascoltare la voce del fiume. L'acqua
è la stessa, nel buio, degli anni morti.

Nel silenzio del buio sale uno sciacquo
dove passano voci e risa remote;
s'accompagna al brusío un colore vano
che è di sole, di rive e di sguardi chiari.
Un'estate di voci. Ogni viso contiene
come un frutto maturo un sapore andato.

Ogni occhiata che torna, conserva un gusto
di erba e cose impregnate di sole a sera
sulla spiaggia. Conserva un fiato di mare.
Come un mare notturno è quest'ombra vaga
di ansie e brividi antichi, che il cielo sfiora
e ogni sera ritorna. Le voci morte
assomigliano al frangersi di quel mare.

Cesare Pavese, Lavorare Stanca 

sábado, 16 de abril de 2011

Alla sera di Ugo Foscolo




Forse perché della fatal quïete
Tu sei l'imago a me sì cara vieni
O sera! E quando ti corteggian liete
Le nubi estive e i zeffiri sereni,

E quando dal nevoso aere inquïete
Tenebre e lunghe all'universo meni
Sempre scendi invocata, e le secrete
Vie del mio cor soavemente tieni.

Vagar mi fai co' miei pensier su l'orme
che vanno al nulla eterno; e intanto fugge
questo reo tempo, e van con lui le torme

Delle cure onde meco egli si strugge;
e mentre io guardo la tua pace, dorme
Quello spirto guerrier ch'entro mi rugge.

Ugo Foscolo

Interpretation

«In other words interpretative communities are no more stable than texts because interpretative strategies are not natural or universal, beu learned. This does not mean that there is a point at which an individual has not yet learned any. The ability to interpret is not acquired; it is constitutive of being human. What is acquired are the ways of interpreting and those same ways can also be forgotten or supplanted, or complicated or dropped from favor ("no one reads that way anymore"). When any of these things happens, there is a corresponding change in texts, not because they are being read differently, but because they are being written differently.
The only stability, then, inheres in the fact (at least in my model) that interpretative strategies are always beign deployed, and this means that communication is a much more chancy affair than we are accustomed to think it. For it there are no fixed texts, but only interpretative strategies making them, and if interpretative strategies are not natural, but learned (and are therefore unavailable to a finite description), what is it utterers are in the business of handing over ready-made or prefabricated meanings. Those meanings are said to be enconded, and the code is assumed to be in the world independently of the individuals who are obliged to attach themselves to it (if they do not they run the danger of being declared deviant). In my model, however, meanings are not extracted but made and made not by encoded forms but by interpretative strategies that call forms into being. It follows then that what utterers do is give hearers and readers the opportunity to make meanings (and texts) by inviting them to put into execution a set of strategies. It is presumed that the invitation will be recognized, and that presumption rests on a projection on the part of a speaker or author of the moves he would make if confronted by the sounds or marks he is uttering or setting down.
It would seem at first that this account of things simply reintroduces the old objection; for isn't this an admission that there is after all a formal encoding, not perhaps of meanings, but of the directions for making them, for executing interpretative strategies? The answer is that they will only be  directions to those who already have the interpretative strategies in the first place. Rather than producing interpretative acts, they are the products of one. An author hazards his projection, not because of something "in" the marks, but because of something he assumes to be in his reader. The very existence of the "marks" is a function of an interpretative community, for they will be recognized (that is, made) only by its members. Those outside that community will be deploying a different set of interpretative strategies (interpretation cannot be withheld) and will therefore be making different marks.»

Stanley Fish, «Interpretating the Variorum», in Is there a text in this class?

Animal Collective - Brothersport

Avó

«Um dia, perguntei à minha avó:
- Como é que se faz para não ter frio na sepultura, no Inverno?
A minha avó era uma mulher simples e devota que via Deus em toda a parte; mesmo no mal, mesmo no castigo, mesmo na injustiça. Nenhum acontecimento a surpreendia sem orações. A sua pele tinha a brancura da areia do deserto. Sobre a cabeça, ela usava um enorme lenço preto, de que parecia não se conseguir separar.
- Quem não se esquece de Deus não tem frio na sepultura - disse ela.
- Que é que o mantém quente? - insisti eu.
A sua voz fraca tornou-se um murmúrio: era um segredo.
- O bom Deus em pessoa.
Um sorriso benevolente iluminou-lhe o rosto até à beira do lenço que lhe cobria metade da fronte. Ela sorria desta maneira de cada vez que eu lhe colocava uma pergunta cuja resposta lhe parecia ser evidente.
- Será que o bom Deus também está na sepultura, juntamente com os homens e as mulheres que são enterrados?
- Sim - asseverou a minha avó. - É ele quem os mantém quentes.
Lembro-me que então uma tristeza turva desceu sobre mim. Eu compadeci-me de Deus. Eu dizia a mim mesmo: Ele é mais infeliz que o homem, que só morre uma vez, que é enterrado numa única sepultura.
- Avó, diz-me, Deus também morre?
- Não, Deus é imortal.
A sua resposta impressionou-me. Tive vontade de chorar. Deus é enterrado vivo! Eu teria preferido inverter os papéis, pensar que Deus é mortal e o homem não. Acreditar que, quando um homem finge morrer, é Deus quem é coberto de terra.»

Elie Wiesel, Dia

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Rameau Les Paladins 1 *Added words in box*

Le Principe de Charité

«En quoi donc le geste chrétien - exemplairement désigné par Paul comme agapè - consiste-t-il? Dans ses Enquêtes su la vérité et l'interprétation, Donald Davidson a développé ce qu'il appelle le Principe de Charité: «Le but n'est pas celui, absurde, de faire disparaître le désaccord et l'erreur. C'est plutôt qu'un large accord est ce sur fond de quoi seulement on peut interpréter conflits et erreurs.» En ce sens: «Ce qui rend donc l'interprétation possible est le fait que nous puissions écarter a priori la possibilité d'erreur massive.» Comme le souligne Davidson, cette assomption ne relève pas simplement du choix à faire ou à ne pas faire, mais d'une sorte d'a priori de la parole, d'une présupposition qui nous détermine dans le silence et que nous suivons du moment que nous entrons en communication avec les autres:

«Puisque la charité n'est pas une option, mais la condition même qui nous permet d'avoir une théorie maniable, cela n'as pas de sens de suggérer que nous pourrions tomber dans une erreur massive en l'adoptant. [...] La charité nous est imposé; que cela nous plaise ou non, si nous voulons comprendre les autres, nous devons considérer qu'ils ont raison sur la plupart des sujets.»

Le Principe de Charité de Davidson n'est donc qu'un autre nom pour le «grand Autre» de Lacan: il représente la garantie ultime de la Vérité sur laquelle nous ne pouvons pas ne pas nous appuyer, même si nous mentons à nos interlocuteurs, et ce précisément afin de réussir à les tromper.»

Slavoj Zizek, Fragile absolu, Pourquoi l'héritage chrétien vaut-il d'être défendu?

Diamanda Galás - Baby's Insane

Desconfiar

«Uma realidade que não está embelezada pelas fábulas é mais difícil de suportar que um inferno envolto em mitos. O homem sempre preferiu as figurações incertas à visão despojada que desmascara os dias. O medo de afrontar a ausência na sua alma e no tempo fê-lo povoar de ilusões o céu e a terra: os deuses impalpáveis como as preocupações quotidianas resultaram. O pavor de contemplar no seio da vida, o silêncio que a precede, e aquele que lhe sucede, fê-lo aceitar o fracasso que se chama viver, ao qual cada um junta o receio de se escutar a si mesmo e de nada ouvir.»

Emil Cioran, Exercices négatifs

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Arvo Part - Cantus In Memory Of Benjamin Britten/Festina Lente

12. Degradação dos Valores (1)

«Esta vida disparatada terá ainda realidade? Esta realidade hipertrófica terá ainda vida? O gesto patético de uma disposição gigantesca remata-se com um encolher de ombros - não sabem por que morrem; privados de realidade, caem no vácuo, sem deixarem de estar cercados e de serem mortos por uma realidade que é bem deles, visto lhe concederem causalidade.
O irreal é o ilógico. E esta época não parece já poder elevar-se a um mais alto grau no ilógico, no antilógico: dir-se-á que a monstruosa realidade da guerra suprimiu a realidade do mundo. O fantástico torna-se realidade lógica, mas a realidade dissolve-se na mais lógica das fantasmagorias. Uma época cobarde e mais triste que todas precedentes afoga-se em sangue e em gases asfixiantes, multidões de empregados bancários e de especuladores lançavam-se contra arames farpados, um humanitarismo bem organizado não impede nada, mas organiza-se em Cruz Vermelha e empenha-se no fabrico de membros artificiais; cidades morrem de fome e cunham moeda com a sua própria fome, mestres-escola de óculos comandam pelotões de assalto, habitantes das grandes cidades vivem em cavernas, operários fabris e outros paisanos rastejam com as patrulhas de reconhecimento, e quando, finalmente, encontram a retaguarda, com a vida salva, os seus membros artificiais criam novos especuladores. Na dissolução de toda a forma, à luz crepuscular de uma incerteza embotada que ilumina um mundo de espectros, o homem, tal como uma criança perdida, caminha às apalpadelas, seguindo o frio de uma qualquer logicazinha de curto fôlego, caminha às apalpadelas numa paisagem de sonho a que chama realidade e que, no entanto, não passa de um pesadelo para ele.»

Hermann Broch, Os Sonâmbulos, Huguenau ou o Realismo

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Egberto Gismonti

Democracia

«Desde que os cidadãos começaram a possuir a terra por outros modos que não eram os da tendência feudal, e desde que, uma vez conhecida a riqueza mobiliária, esta pôde por seu turno criar influência e dar poder, não se fizeram descobertas nas artes, não se introduziram novos procedimentos no comércio e na indústria, sem que se criassem como que outros tantos elementos de igualdade entre os homens. A partir desse momento, todos os procedimentos que se descobrem, todas as necessidades que nascem, todos os desejos que reclamam satisfação, são progressos em direcção ao nivelamento universal. O gosto do luxo, o amor da guerra, o império da moda, as paixões mais superficiais do coração humano como as mais profundas, parecem trabalhar de concerto para empobrecer os ricos e para enriquecer os pobres.
Desde que os trabalhos da inteligência se tornaram fontes de força e de riquezas, passou a ter de se considerar cada desenvolvimento da ciência, cada conhecimento novo, cada ideia nova, como um germe de poder posto ao alcance do povo. A poesia, a eloquência, a memória, as graças do espírito, os fulgores da imaginação, a profundidade do pensamento, todos estes dons que o céu repartiu ao acaso, aproveitaram à democracia, e ainda quando se acharam na posse dos seus adversários, continuaram a servir a sua causa, pondo em relevo a grandeza natural do homem; as suas conquistas alargaram-se pois com as da civilização e das luzes, e a literatura foi um arsenal aberto a todos, aonde os fracos e os pobres foram cada dia buscar armas.
Quando se percorrem as páginas da nossa história, não se encontram por assim dizer grandes acontecimentos que de há setecentos anos a esta parte não tenham vindo a mostrar-se favoráveis à igualdade.»

Alexis de Tocqueville, Da Democracia na América

terça-feira, 12 de abril de 2011

DEIDDA CANTA PAVESE - ANCHE TU SEI L'AMORE





Anche tu sei l'amore.
Sei di sangue e di terra
come gli altri. Cammini
come chi non si stacca
dalla porta di casa.
Guardi come chi attende
e non vede. Sei terra
che dolora e che tace.
Hai sussulti e stanchezze,
hai parole - cammini
in attesa. L'amore
è il tuo sangue - non altro

Cesare Pavese

Mariano Deidda legge Pessoa . ( inedito)

Vida do Espírito

«Alma - Eu ainda não aprendi nada, pois começo a viver neste instante; e deve ser por isso que não te entendo. Mas, diz-me,  excelência e infelicidade extraordinária são, substancialmente, uma mesma coisa? Ou, caso sejam duas coisas, não as poderias desassociar uma do outra?

Natureza - Nas almas dos homens, e proporcionalmente nas de todas as espécies animais, pode dizer-se que uma e outra coisa são quase o mesmo: porque a excelência das almas implica uma maior intensidade da vida delas; a qual implica uma maior consciência da própria felicidade, o que é como se eu dissesse uma maior infelicidade. De modo idêntico, a vida superior dos espíritos contém um grau mais elevado de amor-próprio, seja para onde for que ele se incline, e seja qual for o aspecto sob o qual se manifeste: essa maior dimensão de amor próprio comporta um maior desejo de suprema felicidade, e, por conseguinte, mais descontentamento e angústia por se estar privado dela, e mais sofrimento devido aos infortúnios que sobrevêm. Tudo isto faz parte da ordem primordial e perpétua das coisas criadas, a qual eu não posso alterar. Para além disso, a subtileza do teu intelecto e a fertilidade da imaginação privar-te-ão de uma grande parte do teu livre-arbítrio. Os animais selvagens usam facilmente, para os fins que pretendem, todas as suas capacidades e força. Mas os homens rarissimamente fazem tudo aquilo que podem fazer, impedidos, normalmente, pela razão e pela imaginativa, que originam mil incertezas no deliberar e mil hesitações no executar. Os menos aptos, ou menos habituados a ponderar e a avaliar por si mesmos, são os que mais prontamente se decidem e, na execução, os mais eficazes. Mas as almas semelhantes a ti, debruçadas continuamente sobre si próprias e como que dominadas pela grandeza das suas próprias faculdades, e portanto incapazes de auto-domínio, estão, a maior do tempo, sujeitas à indecisão, tanto para deliberar como para agir: a qual é um dos maiores tormentos que angustiam a vida humana. Acresce que, enquanto pela excelência das tuas capacidades ultrapassarás facilmente e em pouco tempo quase todas as outras da tua espécie nos saberes mais relevantes e até nas matérias mais difíceis, no entanto ser-te-á sempre impossível ou extremamente difícil aprender ou pôr em prática imensas coisas insignificantes em si mesmas, mas indispensáveis para conviver com os outros homens; as quais verás, ao mesmo tempo, serem perfeitamente executadas e aprendidas sem esforço por inúmeros espíritos, não só inferiores a ti, como desprezíveis em todos os sentidos. Estas e outras dificuldades e desgraças infinitas ocupam e rodeiam as grandes almas. Mas são largamente recompensadas pela fama, pelos louvores e pelas honras que a grandeza destes espíritos insignes lhes rende, e pela perenidade da lembrança que de si deixam aos seus pósteros.»

Giacomo Leopardi, Pequenas Obras Morais


segunda-feira, 11 de abril de 2011

Gluck-Iphigénie en Tauride -"O malheureuse..."-Delunsch- Minkowski-Les Musiciens du Louvre

Rosh Hashaná

«No último dia do calendário anual judeu, a criança assiste à cerimónia solene do Rosh Hashaná. Ela ouve milhares de escravos gritarem a uma só voz: «Bendito seja o nome do Eterno!». Ainda não há muito tempo, também ela se tinha prostrado com tamanha adoração, tamanho receio, tamanho amor! Mas, naquele dia, ela mantém-se direita, ela resiste. A criatura humilhada e ofendida para lá do que é concebível pelo espírito e pelo coração desafia a divindade cega e surda: «Hoje, eu já não implorava. Já não era capaz de me lamentar. Sentia-me, pelo contrário, muito forte. Era eu o acusador. E o acusado era Deus. Os meus olhos estavam abertos e eu estava só, terrivelmente só no mundo, sem Deus, sem homem. Sem amor nem piedade. Nada mais era do que cinzas, mas sentia-me mais forte do que aquele Todo Poderoso ao qual eu tinha unido a minha vida durante tanto tempo. No meio daquela assembleia religiosa, eu era um observador estrangeiro.»

François Mauriac, in Wiesel, Elie, Noite 

domingo, 10 de abril de 2011

Virgem Negra



O título do livro de Mário de Cesariny é suficientemente sugestivo e, ao mesmo tempo, parece indicar um caminho particular para uma nova maneira de ler Fernando Pessoa. Com efeito, se entendermos que o “Virgem Negra” nomeado por Mário de Cesariny é Fernando Pessoa, convém tentar compreender a relação de sentido que, neste contexto, permite constituir esta associação, até porque parece existir a um nível cabalístico uma relação entre a figura da Virgem Negra e aquilo que é considerado como o “feminino sombrio”, resultante da fuga de Lilith do Paraíso, tendo, posteriormente, ido habitar as sombras.
Não deixa de ser pertinente o facto de a Fernando Pessoa Mário Cesariny associar, embora através de uma inversão de género, um elemento originariamente feminino, para mais se tivermos em consideração algumas passagens de Fernando Pessoa, nomeadamente, quando Álvaro de Campos, nas «Notas para a Recordação do Meu Mestre Caeiro», afirma que, por ter conhecido Caeiro, “Ricardo Reis deixou de ser mulher para ser homem, ou deixou de ser homem para ser mulher”. Cesariny, através da ambiguidade suscitada pelo título da sua obra, não estará senão a atribuir um grau de visibilidade particular àquilo que no interior da obra de Fernando Pessoa se pode encontrar.
Num outro sentido, Cesariny ilustra ao longo da obra o modo como o seu Fernando Pessoa se expõe, contaminado pela existência sombria da Virgem Negra, daí resultando um exercício paródico, do interior do qual emergirá, então, um Fernando Pessoa, agora desprovido do véu de pudor e contenção que metodicamente emana dos seus textos. Deste modo, Mário Cesariny apresenta um Fernando Pessoa histriónico, nascido do original, mas dele intuindo uma exterioridade apenas pressentida. Por outras palavras, ao associar a imagem da Virgem Negra a Fernando Pessoa, Cesariny faz sobressair uma espécie de encobrimento e de controlo dos sentidos que emerge muitas vezes dos textos de Pessoa, até em resultado de uma estratégia compositória e organizacional dos seus textos. Assim sendo, através de uma composição particular do discurso, Cesariny enuncia variantes dos textos de Fernando Pessoa, como se deste tivessem nascido, pelo menos de uma maneira aparente, sendo capaz de sugerir ao leitor a ligação imediata entre muitos dos textos contidos na sua obra e aqueles que, na obra de Pessoa têm com ele uma afinidade particular e reconhecível.
Esta estratégia de Cesariny envolve, além disso, outras peculiaridades, nomeadamente se tivermos em atenção o facto de, ao proceder deste modo, poder colocar-se numa posição de onde possa assumir uma actualização de Fernando Pessoa, na medida em que, partindo dos textos deste autor, que, funcionando como a música de fundo, cujo ritmo, variável, se estende do mais grave ao mais agudo, expõe uma visão particular de algumas das suas marcas fundamentais. Cesariny, num certo sentido, pelo modo como recria textos de Fernando Pessoa, escreve como se fosse Fernando Pessoa, ou então como Pessoa se lhe mostra. No fundo, Virgem Negra constitui-se como a obra em que Mário de Cesariny lê Fernando Pessoa, e em que, levando até às últimas consequências o seu projecto de actualização do autor, poderá ser entendido como lugar particular da observação e da reunião de Pessoa e dos seus heterónimos.
A actualização de Fernando Pessoa que Cesariny leva a cabo corresponde a uma tarefa que visa a exposição daquilo que Pessoa esconde nos seus textos, deles apenas se podendo intuir. De acordo com este ponto de vista, Mário de Cesariny apresenta-se como um Fernando Pessoa de contornos diferentes porque são aqueles que resultam de uma leitura e de um posicionamento particular em relação a este autor.
Poder-se-ia pensar à partida que uma obra desta natureza se arriscaria a destruir aquela que a origina. Contudo, o modo como aquilo que se intui em Fernando Pessoa resulta reescrito em Cesariny, apenas parece expor de forma mais visível o lado sombrio do Virgem Negra. Ao carácter sombrio do texto de Pessoa, Cesariny contrapõe uma luminosidade e, deste modo, servindo-se de uma organização particular, Cesariny reconhece um Fernando Pessoa, em completa exposição. O Fernando Pessoa comedido, ponderado na execução de um plano deliberado surge, deste modo, pela mão de Cesariny, desnudado, exposto de uma forma anteriormente apenas intuída.
De outro modo, a angústia de reconhecimento de Fernando Pessoa, que podemos encontrar por exemplo na carta a Gaspar Simões, de 1929, embora tendo sido resolvida a seu tempo pelo próprio Pessoa, nomeadamente através da ideia de que os grandes só são reconhecidos depois de morrerem, essa angústia encontra no texto de Cesariny uma nova maneira de ser resolvida, através do excesso, numa espécie de exercício ejaculatório, decorrente do qual o poeta exprime a explosão decorrente da eliminação da instância censória que o condiciona.
Cesariny vê os textos de Fernando Pessoa, descobrindo-lhes a face, desviando o véu que o pudor lhes poderá ter imposto. É um Fernando Pessoa “sem pudor” aquele que nos é apresentado no livro de Cesariny e, mesmo que em alguns momentos, o exercício de imaginação do poeta releve referências excessivas, o facto é que, no seu conjunto, Virgem Negra se apresenta como espaço onde irrompe a contenção ponderada e construída metodicamente ao longo da obra de Fernando Pessoa.
Mário de Cesariny, em O Virgem Negra, a certa altura, por via do modo como acolhe em si os textos de Fernando Pessoa, e, partindo da ideia de que ele terá composto a obra como se fosse Pessoa, parece colocar-se na situação de alguém a quem é dada a possibilidade de se sentar à mesa com outros convivas. Esses convivas são especiais e ainda mais especiais se tornam por terem sido escolhidos por ele próprio. Além disso, visto que o carácter excepcional desses convivas remete para a circunstância de todos eles emanarem de uma fonte comum, o exercício de Cesarinypessoano, de nele entrar como seu membro constitutivo. Se assim o entendermos, o Virgem Negra passará a permitir também uma articulação particular entre o próprio Cesariny e aquele lado que, embora arrebatado em certos momentos, encontra também, através da rebeldia e da não submissão, o lado sombrio que o autor reconhece em Pessoa, tornando-se, deste modo, também ele um elemento essencial da discussão, enquanto representação da “Virgem Negra”, numa outra perspectiva.
Ao assumir este lugar, Cesariny estabelece uma síntese entre aquilo que corresponde à herança recebida pelo universo pessoano e a sua própria autonomia perante os textos, que lhe permite escrever com eles, a partir deles, muito mais do que se o fizesse sobre eles, na perspectiva de um eventual novo elemento heteronímico (?) que agora retomasse um discurso inesgotável.      

sábado, 9 de abril de 2011

Giovanni Pierluigi da Palestrina Stabat Mater

Almas Mortas

«Sobakévitch preparou-se para ouvir em que consistia o negócio inclinando um pouco a cabeça.
Tchítchikov começou de muito longe, abordou os problemas de todo o Estado russo, louvando muito a sua extensão, dizendo que nem mesmo a mais antiga monarquia romana era tão grande e que os estrangeiros tinham todas as razões para se admirarem... Sobakévitch ouvia com a cabeça inclinada. Disse depois que, de acordo com as leis vigentes neste Estado incomparável pela sua glória, as almas da gleba, depois de terminada a sua vida terrena, continuavam a figurar nas listas do censo ao lado das almas vivas, até à elaboração de novas listas, para que assim não sobrecarregassem as instituições públicas com inúmeras declarações individuais insignificantes e inúteis, e para que se não agravasse a complicação do mecanismo estatal, já sem isso bastante complicado... Sobakévitch continuava a ouvir com a cabeça inclinada... E mais disse que, apesar de toda a sensatez desta medida, ela não deixava de resultar onerosa para muitos proprietários, obrigando-os a pagar a tributação tal como pelos objectos vivos, e que ele, Tchítchikov, votando um respeito pessoal ao senhor Sobakévitch, estava até pronto a tomar a seu cargo uma parte desse fardo verdadeiramente pesado. No respeitante à matéria principal, Tchítchikov exprimiu-se com muito cuidado: não chamou mortas às almas, mas tão-só inexistentes.
Sobakévitch ouvia sem mudar de posição, com a cabeça inclinada, não se lhe desenhando na cara qualquer expressão, nem nada que se lhe assemelhasse. Parecia que naquele corpo não havia alma ou que, então, se a havia, ela estava nalgum outro lugar, tal como o bruxo Kochei Imortal escondera a sua atrás dos montes sob uma carapaça tão grossa que mexer no fundo dessa alma não produzia qualquer efeito à superfície.
- Então?... - disse Tchítchikov, esperando pela resposta com alguma emoção.
- Deseja almas mortas? - perguntou Sobakévitch de modo muito singelo e sem o mínimo espanto, como se se tratasse de uma compra de trigo.
- Sim - respondeu Tchítchikov e voltou a suavizar a expressão para «inexistentes».
- Arranjam-se, por que não?... - disse Sobakévitch.
- Quer dizer que, se dispõe delas, gostará sem dúvida... de se desfazer delas?
- Faça o favor, concordo em vender-lhas - disse Sobakévitch, levantando um pouco a cabeça e tendo já compreendido que o comprador levava alguma vantagem neste négócio.
«C'os diabos! - pensou Tchítchikov. - Este já fala em vender, quando eu ainda nem sequer tive tempo de lho insinuar!»
- Pois, mas qual seria o seu preço? Aliás, nesta matéria... até é estranho falar de preço...
- Para não o prejudicar, cem rublos cada uma! - disse Sobakévitch.»

Nikolai Gogol, Almas Mortas

Vida

«E - Qual pensas tu que é, a não ser a consciência da vida?
A - Então parece-te melhor a consciência da vida do que a própria vida? Ou talvez entendas que a consciência é um certo tipo de vida superior e mais pura, visto que só aquele que entende a pode conhecer? E o que é entender, a não ser um modo de vida mais perfeito e mais esclarecido pela própria luza da mente? Porque, se não me engano, não foi qualquer coisa que antepuseste à vida; afinal, antepuseste, a uma certa vida, uma outra vida melhor.»

Santo Agostinho, Diálogo sobre o Livre Arbítrio

Cavafy et Eliot

«Il pourrait avoir raison, Cavafy pourrait être une Souda versifiée, comme Eliot un Frazer versifié, n'était cette sensibilité qu'ils possèdent l'un et l'autre. La sensibilité fait le poète. L'intelligence, la finesse logique, la connaissance sont pour lui des choses très importantes, mais la sensibilité est la pierre angulaire. «C'est le coefficient sensible de l'intelligence qui fait la différence», dira Eliot.
Voilà l'important. Et la sensibilité d'Eliot comme celle de Cavafy possèdent à mon avis une caractéristique commune bien définie. C'est une chose qui retient l'attention d'Eliot, et qu'il souligne chez les poètes anglais «métaphysiques» et leurs contemporains: «Il y a, dit-il, une prise de possession directe et sensuelle de la pensée, una re-création de la pensée devenue sentiment». A tout moment il fait observer que chez les poètes majeurs de l'époque de John Donne, il n'y avait pas de séparation entre l'expérience de la vie et l'expérience de la connaissance; que les choses qu'ils tiraient des livres, de Plutarque, de Sénèque, de Montaigne, et les choses qu'ils tiraient de leur expérience personnel, battent comme un seul coeur, de la même palpitation vivante.»

Georges Séféris, Cavafy et Eliot, un parallèle essai de Georges Séféris


Umanità

«Una cosa ho capito tardi, ed è che io, se si proietta tutto ciò sul piano dei più vasti rapporti umani, sono fatto esattamente come lei. Ho passato la parte migliore della mia esistenza a mettere a nudo le debolezze dell'uomo, quale esso ci appare nelle civiltà storiche. Ho analizzato il potere e l'ho scomposto nei suoi elementi con la stessa spietata lucidità con cui mia madre analizzava i processi della sua famiglia. Ben poco del male che si può dire dell'uomo e dell'umanità io non l'ho detto. E tuttavia l'orgoglio che provo per essa è ancora così grande che solo una cosa io odio veramente: il suo nemico, la morte.»

Elias Canetti, La Lingua Salvata, Storia di una giovinezza 

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Ludovico Einaudi - "Divenire" - Live @ Royal Albert Hall London

Noite

Depois de ter voltado à realidade, experimentei abrandar um pouco o passo. Mas não era possível. Aquelas vagas de homens rebentavam quais ondas de um mar encapelado e ter-me-iam esmagado como se eu fosse uma formiga.
Já não passava de um sonâmbulo. Acontecia-me fechar os olhos e era como se corresse a dormir. De vez em quando, alguém me empurrava violentamente por trás e eu acordava. O outro berrava: «Corre mais depressa. Se não queres avançar, deixa passar os outros.» Mas bastava-me fechar os olhos durante um segundo para ver desfilar todo um mundo, para sonhar toda uma outra vida.
Estrada sem fim. Deixar-se empurrar pela multidão desordenada, deixar-se arrastar pelo destino cego. Quando os SS estavam cansados, eram rendidos. A nós, ninguém nos rendia. Com os membros transidos pelo frio, apesar da corrida, a garganta seca, esfomeados, esfalfados, nós continuávamos.
Éramos os donos da natureza, os donos do mundo. Tínhamos esquecido tudo, a morte, o cansaço, as necessidades fisiológicas. Mais fortes do que o frio e a fome, mais fortes do que os disparos e o desejo de morrer, condenados e vagabundos, simples números, nós éramos os únicos homens sobre a terra.
Por fim, a estrela da manhã surgiu no céu cinzento. Um vaga claridade começava a aparecer no horizonte. Nós não podíamos mais, estávamos sem forças, sem ilusões.»

Elie Wiesel, Noite 

quinta-feira, 7 de abril de 2011

XIII

Anda, vou-te mostrar a terra
dos teus pais, avós, antepassados
tão antigos que os podes escolher.
Este aqui é noé, de barba por fazer;
meteu na arca puro e impuro, bem e mal,
inventou o vinho, homem melhor
da sua geração (não é grande elogio),
teve filhos, netos, é de crer que morreu.
Estoutro, não sei bem, era pirata na malásia,
Vês as colinas? São tuas, quando
as olhas a direito. Realmente tuas,
parte de um mundo teu.
Sim, isto são filosofias,
tens razão. (E tem graça ao ter razão).
Anda daí, vou mostrar-te o colete de forças
onde era costume, sabes, tratar casos assim.

António Franco Alexandre, Quatro Caprichos


sábado, 2 de abril de 2011

Fragment of a Last Judgment



"Fragment of a Last Judgment" 1466?, 64x114 cm, Alte Pinakothek, Munich, Dendrochronlogical Date: 1440

12 giugno (1939)

«Ebbero molto più senso del passato i popoli ai primordi della storia che non i successivi. Quando un popolo non ha più un senso vitale del suo passato si spegne. La vitalità creatrice è fatta di una riserva di passato. Si diventa creatori - anvhe noi - quando si ha un passato. La giovinezza dei popoli è una ricca vecchiaia (genius is wisdom and youth).
La creazione nasce dalla innumerevole ripetizione di un atto, che a forza di routine diventa stucchevole. Poi viene un periodo di smarrimento, di tedio. Allora l'atto dimenticato per la sua banalità, risorge come miracolo, come rivelazione, ed ecco lo slancio creatore (...).»

Cesare Pavese, Il Mestiere di Vivere

15 maggio (1939)

«La politica è l'arte del possibile. Tutta la vita è politica.

La massima sventura à la solitudine, tant'è vero che il supremo conforto - la religione - consiste nel trovare una compagnia che non falla, Dio. La preghiera è lo sfogo come con un amico. L'opera equivale alla preghiera, perché mette idealmente a contatto con chi ne usufruirà. Tutto il problema della vita è dunque questo: come rompere la propria solitudine, come comunicare con altri. Cosí si spiega la persistenza del matrimonio, della paternità, delle amicizie. Perché poi qui stia la felicità, mah! Perché si debba star meglio comunicando con un altro che non stando soli, è strano. Forse è solo un'illusione: si sta benissimo soli la maggior parte del tempo. Piace di tanto in tanto avere un otre in cui versari e poi bervi se stessi: dato che dagli altri chiediamo ciò che abbiamo già in noi. Mistero perché non ci basti scrutare e bere in noi e ci occorra riavere noi dagli altri. (Il sesso à un incidente: ciò che ne riceviamo à momentaneo e casuale; noi miriamo a qualcosa di più riposto e misterioso di cui il sesso è solo un segno, un simbolo).

Cesare Pavese, Il Mestiere di Vivere 

Liszt - Dante Symphony - 2. Purgatorio (3/3). Magnificat

Liszt - Dante Symphony - 2. Purgatorio (2/3)

Liszt - Dante Symphony - 2. Purgatorio (1/3)

L'inferno di Dante Documentario 6/6

L'inferno di Dante Documentario 5/6

L'inferno di Dante Documentario 4/6

L'inferno di Dante Documentario 3/6

L'inferno di Dante Documentario 2/6

L'inferno di Dante Documentario 1/6

sexta-feira, 1 de abril de 2011

VESTI LA GIUBBA (I Pagliacci - Ruggero Leoncavallo) - LUCIANO PAVAROTTI (legendado)

Sonnet to Liberty

Not that I love thy children, whose dull eyes
See nothing save their own unlovely woe,
Whose minds know nothing, nothing care to know,-
But that the roar of the Democracies,
Thy reigns of Terror, thy great Anarchies,
Mirror my wildest passions like the sea
And give my rage a brother - Liberty!
For this sake only do thy dissonant cries
Delight my discreet soul, else might all kings
By bloody knout or treacherous cannonades
Rob nations of their rights inviolate
And I remain unmoved - and yet, and yet,
These Christs that die upon the barricades,
God knows it I am with them, in some things.

Oscar Wilde