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quarta-feira, 20 de julho de 2011

Sinceridade

«A sinceridade não é uma virtude desprezível mas é uma virtude menor. Tomada como fim significa a renúncia a uma coerência mental ou humana superior à que se pode inscrever no círculo ardente mas rápido do momento. É uma coerência sem espessura, aparentemente sem defeito, na realidade apenas tecida de uma paixão feita de abandono ao contingente, ao ocasional, à solicitação inumerável e contraditória do mundo. Elevada a um grau sistemático, assume o carácter heróico de D. João, mas a prática do sistema postula uma alma rara, impermeável à dor e à reprovação alheia, unicamente atenta ao aguilhão implacável de uma vontade ilimitada de domínio. Ou a um coração estéril, apto a uma reafirmação perene do «outro» por jamais ter sido tocado pelo «mesmo», o que em vez de adorador insatisfeito do «único» lhe dá a figura de um narcisismo incurável. Sob uma forma ou outra, o arquétipo D. João resume os poderes e os limites da sinceridade e exemplifica o seu verdadeiro carácter de subjectividade exasperada. Não admira, pois, que a sinceridade tenha sido, e seja sempre, o valor supremo da alma romântica que reencontrou em D. João o mais fascinante dos seus mitos. O grande curioso das almas - mais que do corpo - é, em grau exemplar, o solitário, o indivíduo, o homem que perdeu ou não pode encontrar a chave da comunicação inter-humana por se ter entrevisto como o Único no meio de um universo privado de sentido. A sua grande revolta é contra a Criação, testemunha de uma promiscuidade e uma indistinção repugnantes ao coração ardente e estéril de D. João, rival infeliz e absurdo de Deus. É esta rivalidade, bem explícita em Tirso e Molière, que faz a sua grandeza e o seu inesgotável tormento.»

Eduardo Lourenço, Fernando, Rei da nossa Baviera  

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