Digo «tal e tal» porque, a não ser que explique o que entendo por «um só Deus», uso palavras que podem significar tudo ou nada. Posso querer indicar uma simples anima mundi; ou um princípio inicial que outrora esteve em acção, e agora não; ou a humanidade colectiva. Falo, pois, do Deus do Teísta e do Cristão: um Deus que é numericamente Um só, que é Pessoal; o Autor, o Sustentador e o Consumador de todas as coisas, a vida da Lei e da Ordem, o Governador moral; Um só que é Supremo e Único; igual a Si próprio, diferente de todas as coisas além de Si, que são apenas criaturas suas; distinto e independente de todas elas; Um só que é auto-existente, absolutamente infinito, que nunca foi ou será, para o qual nada é passado ou futuro; que é toda a perfeição, a plenitude e o arquétipo de toda a excelência possível, a própria Verdade, Sabedoria, Amor, Justiça, Santidade; Um só que é Todo-poderoso, Omnisciente, Omnipresente, Incompreensível. Eis algumas das prerrogativas distintivas que atribuo incondicionalmente e sem reserva ao grande Ser a que chamo Deus.
Como Ele é o que os Teístas têm em mente quando falam de Deus, o seu assentimento a esta verdade admite, sem dificuldade, ser o que denominei um assentimento nocional. É um assentimento que se segue a actos de inferência e a outros exercícios puramente intelectuais; e é um assentimento a um amplo desenvolvimento de predicados, entre si correlativos ou, pelo menos, intimamente ligados entre si, como que desenhados no papel, tal como poderíamos cartografar um país que jamais vimos, construir tabelas matemáticas ou dominar os métodos da descoberta de Newton ou de Davy, sem sermos geógrafos, matemáticos ou químicos.
Até aqui, tudo é claro; mas segue-se a questão: poderei chegar a um assentimento mais vivo ao Ser de um Deus do que aquele que é simplesmente dado às noções do intelecto? Poderei ingressar com um pensamento pessoal no círculo de verdades que constituem esta grande ideia? Poderei alcandorar-me ao que chamei uma apreensão imaginativa dEle? Poderei acreditar, como se visse? Uma vez que esse assentimento elevado exige uma experiência ou memória presente do facto, é como se, à primeira vista, a resposta houvesse de ser negativa; pois, como poderei dar um assentimento como se visse, a não ser que tenha realmente visto? Mas ninguém nesta vida pode ver Deus. Concebo, todavia, que um assentimento real é possível, e irei mostrar como.
Quando se diz que não podemos ver Deus, isto é inegável; mas, ainda assim, em que sentido temos nós um discernimento das suas criaturas, dos seres individuais que nos rodeiam? A prova que da sua presença temos reside nos fenómenos que se dirigem aos nossos sentidos, e a nossa garantia para os aceitar como demonstração é a nossa certeza instintiva de que eles são prova. Pela lei da nossa natureza, associamos esses fenómenos sensíveis ou impressões a certas unidades, indivíduos, substâncias, seja qual for o seu nome, que estão fora e além do alcance dos sentidos, e que nós mesmos representamos nesses fenómenos. Os fenómenos são como que quadros; mas, ao mesmo tempo, não nos proporcionam, para lá deles, nenhuma exacta medida ou característica das coisas incógnitas - pois, quem dirá que existe qualquer uniformidade entre as impressões que dois de nós respectivamente teriam de uma terceira coisa, supondo que um de nós tinha apenas o sentido do tacto, e o outro somente o sentido do ouvido? Por conseguinte, ao dizermos que temos um quadro das coisas apercebidas através dos sentidos, queremos significar uma certa representação, quanto possível verdadeira, mas não adequada.»
John Henry Newman, Ensaio a Favor de Uma Gramática do Assentimento
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