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terça-feira, 5 de julho de 2011

Realidade

«O espaço e as coisas da cidade são susceptíveis de três grandes regimes de visão: a visão do sono, a da Realidade, e a da Vida como revelação do Apocalipse. Também aqui Lisboa ocupa um espaço-limiar de passagem ou de transformação de um regime ao outro.
O sonho é o bom desassossego, que permite viajar nas sensações, transfigurando a cidade. Descolar, desligar-se da terra, das ruas baixas, pairar na atmosfera sobre os telhados, ou olhá-los de cima «da janella alta» do quarto ou escritório é entrar no plano de visão do sonho. É um plano de movimento que transporta o sujeito para um fora aéreo sem gravidade.
A Realidade é o exterior absoluto, a visão do «polícia como Deus o vê»: «Reparar em tudo pela primeira vez, não apocalypticamente, como revelações do Mysterio, ms directamente como florações da Realidade.» A Realidade é pura exterioridade sem mistério porque «é só de Deus, ou de si mesma, (...) não contém mysterio nem verdade, que, pois que é real ou finge ser, algures exista fixa, livre de ser temporal ou eterna, imagem absoluta, ideia de uma alma que fosse exterior». (A Realidade como «o que finge ser» é a Realidade da poesia.)

José Gil, O Devir-Eu de Fernando Pessoa

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