Acerca de mim

A minha foto
Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

sábado, 23 de julho de 2011

[Sábado], 15 de Março [de 1941], de manhã às nove e meia.

«Ontem à tarde lemos juntos os apontamentos que ele me tinha dado. E quando chegámos a estas palavras: «Porém deveria bastar que houvesse uma pessoa digna de se chamar "Mensch" para se acreditar nas pessoas e na Humanidade», então abracei-o num impulso espontâneo. Este é um problema dos tempos que correm. O grande ódio contra os alemães, que me envenena a alma. «Eles que se afoguem, essa ralé, deveriam ser todos fumigados.» Estas observações fazem parte da conversa do dia-a-dia e às vezes provocam-nos a sensação de que é impossível viver nesta época. Até que de repente, há umas semanas, me surgiu a ideia libertadora, hesitante e frágil como um rebento de relva que começa a nascer num terreno bravio rodeado de ervas daninhas: mesmo que só houvesse um alemão digno de ser protegido contra essa chusma bárbara, por causa desse alemão decente não se devia derramar o ódio sobre um povo inteiro.
Isto não significa que uma pessoa deva ter uma atitude indecisa em relação a determinadas correntes, uma pessoa toma posição, indigna-se regularmente com determinadas coisas, tenta informar-se, mas o ódio indiferenciado é a pior coisa que existe. É uma doença da própria alma. O ódio não faz parte do meu feitio. Se chegasse a esse ponto na época actual, então a minha alma ficaria ferida e teria de tentar encontrar um remédio para isso o mais rapidamente possível. Costumava achar que os meus conflitos interiores se passavam da seguinte maneira, mas era uma explicação demasiado superficial: achava, quando se dava aquela luta voraz dentro de mim entre o ódio e os meus outros sentimentos, que essa luta era entre os meus instintos viscerais de judia ameaçada de aniquilação e as minhas ideias socialistas racionais e aculturadas que me ensinaram a não contemplar um povo na sua totalidade mas como uma parte boa enganada por uma minoria má. Portanto um instinto primitivo em oposição a uma deturpação racional.»

Etty Hillesum, Diário, 1941-1943

Sem comentários: