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domingo, 3 de julho de 2011

Morte

«As diferenças não se ficam pelo prolongamento da vida. No século XIX, os doentes eram, quando o eram, tratados por médicos de clínica geral, enquanto hoje o são por equipas multidisciplinares, o que, além dos efeitos positivos, tem uma consequência negativa: a ligação entre doente e médico tende a dissolver-se. Outro aspecto importante diz respeito ao local da morte. Dantes, tudo se passava em casa, com a família ao lado. Hoje, a morte ocorre em unidades de Cuidados Intensivos, onde o doente se vê sozinho ou, o que não é melhor, ao lado de gente que não conhece. Outrora asilo de miseráveis, o hospital tornou-se  o local onde o doente recebe os tratamentos que o levarão à cura ou à morte.
Esta mudança foi excepcionalmente rápida em Portugal: em 1970, só 20% das pessoas morria no hospital; quarenta anos depois, tal acontece em 60% dos casos. Por outro lado, a morte transformou-se num acontecimento estranho. Há algum tempo, deparei-me num jornal, com o título: «Morre-se muito nos hospitais». Mas de que estava à espera quem tal escreveu? Organizados por agências funerárias, que tendem a copiar o modelo americano, os enterros deixaram de ter carga emocional. Tanto as empresas quanto as famílias querem que tudo se passe com rapidez. Uma vez que as sociedades não desejam encarar o facto de sermos mortais, a contemplação do morto é reduzida ao mínimo. Enquanto, na Idade Média, os santos gostavam de ter, diante de si, uma caveira, a fim de recordar quão breve era a passagem pelo mundo, os contemporâneos procuram esquecer a mortalidade. Daí a dessacralização dos enterros. O que se passa nas capelas mortuárias das igrejas parece-se, cada vez mais, com um garden party. Por outro lado, enterrado o morto, ninguém visita o túmulo. A ida aos cemitérios, a 2 de Novembro, Dia dos Fiéis Defuntos, está praticamente limitada às classes rurais.»

Maria Filomena Mónica, A Morte

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