Esta mudança foi excepcionalmente rápida em Portugal: em 1970, só 20% das pessoas morria no hospital; quarenta anos depois, tal acontece em 60% dos casos. Por outro lado, a morte transformou-se num acontecimento estranho. Há algum tempo, deparei-me num jornal, com o título: «Morre-se muito nos hospitais». Mas de que estava à espera quem tal escreveu? Organizados por agências funerárias, que tendem a copiar o modelo americano, os enterros deixaram de ter carga emocional. Tanto as empresas quanto as famílias querem que tudo se passe com rapidez. Uma vez que as sociedades não desejam encarar o facto de sermos mortais, a contemplação do morto é reduzida ao mínimo. Enquanto, na Idade Média, os santos gostavam de ter, diante de si, uma caveira, a fim de recordar quão breve era a passagem pelo mundo, os contemporâneos procuram esquecer a mortalidade. Daí a dessacralização dos enterros. O que se passa nas capelas mortuárias das igrejas parece-se, cada vez mais, com um garden party. Por outro lado, enterrado o morto, ninguém visita o túmulo. A ida aos cemitérios, a 2 de Novembro, Dia dos Fiéis Defuntos, está praticamente limitada às classes rurais.»
Maria Filomena Mónica, A Morte
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