Acerca de mim

A minha foto
Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

domingo, 24 de julho de 2011

Do Tabaco

«Não foi sem razão que guardei o tabaco para último; em primeiro lugar, este excesso foi o último a chegar, depois triunfa sobre todos os outros.
A natureza colocou limites aos nossos prazeres. Deus me livre de enunciar aqui as virtudes militantes do amor e de ferir respeitáveis susceptibilidades; mas está extremamente reconhecido que Hércules deve a sua celebridade ao décimo segundo trabalho, encarado geralmente como fabuloso, hoje que as mulheres são muito mais atormentadas pelos fumos dos charutos do que pelo fogo do amor. Pelo açúcar, o pesar chega prontamente a todos os seres, mesmo às crianças. Quanto aos licores fortes, o abuso mal dá dois anos de existência; o do café provoca doenças que não permitem continuar o seu uso. Pelo contrário, o homem julga poder fumar indefinidamente. Erro. Broussais, que fumava muito, estava talhado para Hércules; devia, sem excesso de trabalho e de charutos, ultrapassar a centena: morreu ultimamente na flor da idade, relativamente à sua construção ciclópica. Enfim, um dândi tabacólatra ficou com a garganta gangrenada e, como a ablação pareceu justamente impossível, morreu.
É inaudito que Brillat-Savarin, ao adoptar para título da sua obra Physiologie du Goût e após ter demonstrado muito bem o papel que desempenham nos seus prazeres as fossas nasais e palatais, se tenha esquecido do capítulo do tabaco.
O tabaco consome-se hoje pela boca depois de ter sido muito tempo tomado pelo nariz: afecta os duplos órgãos maravilhosamente constatados em nós por Brillat-Savarin: o palato, as suas aderências e as fossas nasais. Na altura em que o ilustre professor compôs o seu livro, o tabaco não invadira, na verdade, a sociedade francesa em todas as suas partes como hoje. De há um século para cá, tomava-se mais em pó do que em fumo, e agora o charuto infecta o estado social. Nunca se suspeitara dos prazeres que o estado de chaminé devia proporcionar.
O tabaco fumado causa desde logo vertigens sensíveis; leva a maior parte dos neófitos a uma salivação excessiva e muitas vezes a náuseas que produzem vómitos. Apesar destes avisos da natureza irritada, o tabacólatra persiste, habitua-se. Esta aprendizagem dura por vezes vários meses. O fumador acaba por vencer à maneira dos Mitrídates e entra num paraíso. Que outro nome chamar aos efeitos do tabaco fumado? Entre o pão e o tabaco de fumar, o pobre não hesita; o jovem sem cheta que gasta as botas no asfalto dos boulevards, e cuja amante trabalha noite e dia, imita o pobre; o bandido da Córsega que encontramos nos rochedos inacessíveis ou numa praia que o seu olhar pode vigiar, oferece-se para matar o nosso inimigo por uma libra de tabaco. Os homens com uma imensa capacidade intelectual confessam que os charutos os consolam das maiores adversidades. Entre uma mulher adorada e o charuto, um dândi não hesitaria mais em deixá-la do que o forçado em permanecer na prisão se aí houvesse tabaco à discrição! Que poder tem, pois, este prazer que o rei dos reis teria pago com metade do seu império e que, sobretudo, é o prazer dos infelizes? Eu reneguei este prazer e ficaram a dever-me este axioma: FUMAR UM CHARUTO É FUMAR FOGO.

Honoré de Balzac, Tratado dos Excitantes Modernos 

2 comentários:

José Jorge Duarte disse...

As coisas que encontras... As coisas que escreves... Adoro-te pahh :-)

Carlos D. Jesus disse...

Sabes uma coisa? Isto vai servindo para me entreter enquanto corrijo exames nacionais...