Acerca de mim

A minha foto
Oeiras, Portugal
Aluno e Professor. Sempre aluno.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Mundo

«O mundo desconhecido poderá estar feito de modo a dar-nos o gosto do mundo daqui, a não ser mais do que uma forma inferior e talvez estúpida de existência;
O outro mundo, indiferente aos nossos desejos - que nele nunca encontrariam qualquer satisfação - poderá fazer parte da massa de coisas que nos tornam possível o mundo daqui, o qual, por ser conhecido, seria um meio de tornar-nos felizes;
O mundo verdadeiro - e quem nos diz que o mundo aparente há-de ter menos valor do que o mundo verdadeiro! Será que o nosso instinto não contradiz um tal juízo? Não constrói o homem, incessantemente, um mundo imaginário por que quer ter um mundo melhor do que a realidade? Tanto mais que nada nos leva a pensar que o nosso mundo não é o mundo verdadeiro... À primeira vista, o outro mundo é que será aparente (de facto, os gregos imaginaram um reino das sombras, uma existência aparente ao lado duma existência verdadeira).
Enfim: o que é que nos dará o direito de estabelecer graus de realidade? É que não se trata da existência dum mundo desconhecido, mas da nossa necessidade de saber alguma coisa dum mundo desconhecido.
O outro mundo... o mundo desconhecido... Pois seja: mas, dizer o mundo verdadeiro, é dizer que sabemos alguma coisa dele: o contrário da hipótese dum mundo x.
Em suma: o mundo x poderá ser, em todos os sentido, x mais aborrecido, mais desumano e mais indigno do que o mundo daqui. Diferentemente seria se afirmássemos que há o número x de mundos; ou seja, que há todos os mundos possíveis em nosso redor. O que jamais foi afirmado.
Problema: por que é que a representação de outro mundo conclui sempre pela desvantagem, ou pelo menos pela crítica, do mundo daqui? O que indicará isso?
Assim, um povo ufano, de vida ascendente, pensa que qualquer outra maneira de ser será inferior, de menor valia; o mundo estranho, desconhecido, é considerado como inimigo e oponente; não há, para com o estrangeiro, nem curiosidade nem aversão. Um qualquer povo nunca nunca admitiria que um outro povo fosse o povo verdadeiro. Para que uma tal distinção fosse possível, seria porém necessário tomar o mundo daqui por aparente e o outro por verdadeiro - o que é sintomático.
Focos que originaram a ideia de outro mundo:
Os filósofos, ao inventarem um mundo de razão, onde a razão e as funções lógicas estão adequadas ao mundo verdadeiro;
Os homens religiosos, que inventaram um mundo divino, donde deriva um mundo desvirtuado, contranatura;
Os homens morais, que imaginam um mundo livre, donde deriva o mundo bom, perfeito, justo, santo.
Ponto comum destes três focos: erro psicológico, confusões fisiológicas.
O outro mundo, tal como efectivamente aparece na história, é caracterizado por quais atributos? Pelos estigmas de pré-juízos filosóficos, religiosos e morais. O outro modo, que resulta desses factos, é sinónimo do não-viver, da vontade de não viver. Verdadeiramente, foi a fraqueza de viver e não o instinto vital que criou o outro mundo.
Em consequência: a filosofia, a religião, a moral são sintomas de decadência.»

Friedrich Nietzsche, A Vontade de Poder, o Niilismo europeu 

Sem comentários: