A vida rasga-se de muitas maneiras.
Sentiu o braço do pai
sem nenhum músculo, a película da pele
e pensou no amigo do colégio que lhe ensinara, no final de
um ano lectivo, a dobrar um casaco
estende-o em cima da cama, do avesso
dobra-o, enquanto fazes com o punho pequena pressão
um ombro recebe o outro ombro
a gola fica direita e segue a lonjura das abas e as mangas, vê,
ficaram dentro. Volta a dobrar
era um embrulho pequeno, brilhava o forro cinzento.
Porque lhe viera à lembrança o braço envelhecido
e a voz de quem o levara a uma primeira e única corrida de
toiros
morrera, mal o toiro saíra da arena
sem que tivesse receado alguma vez esse momento e o casaco
ficou dobrado muitos dias sobre a cama, esmaecida
cinza coloria o verão que me faltava cumprir.
Sentados no enrugado embrulho da Grand Place, ao modo de
quem espera um canto de saco
para partir de viagem, ao modo de um lamento. Do roi d'
espagne e dos Paços que foram do senhor duque de Brabante
desanimados sons lançavam no ar pesado. Tinha
olhos verdes
verde de água parada de nenúfar
água de lago.
João Miguel Fernandes Jorge, Sobre Mármore
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