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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Bosques

«Ao entrarmos no bosque da ficção, espera-se que assinemos um pacto ficcional com o autor e estejamos dispostos a aceitar, por exemplo, que os lobos falem; mas quando a menina do Capuchinho Vermelho é devorada pelo lobo, pensamos logo que morreu (convicção esta vital para o extraordinário prazer que o leitor retirará da sua ressurreição). Imaginamos o lobo peludo e de orelhas pontiagudas e fitas, mais ou menos como os que encontramos nos bosques verdadeiros, e parece-nos natural que o Capuchinho Vermelho se comporte como uma menina e mãe dela como uma mulher adulta, preocupada e responsável. Porquê? Porque é isso que acontece no mundo da nossa experiência, um mundo a que por ora, e sem demasiados compromissos ontológicos, chamaremos mundo real.
O que digo pode parecer muito óbvio, mas deixa de o ser se nos agarrarmos ao nosso dogma da suspensão da incredulidade. Parece que quando lemos uma obra de ficção suspendemos a nossa incredulidade a respeito de umas coisas, mas não de outras. E como a fronteira entre aquilo em que devemos acreditar e aquilo em que não devemos acreditar é muito ambígua (como veremos), como podemos condenar o pobre Vítor Manuel III? Se ele apenas devesse admirar os elementos estéticos do quadro (as cores, a qualidade da perspectiva), nunca deveria ter perguntado quantos habitantes tinha a aldeia. Mas se entrou no quadro, como nós entramos num mundo ficcional, e se imaginou a deambular por aquelas colinas, por que não perguntar-se quem encontraria na aldeia e se por acaso não haveria lá uma estalagem tranquila? Se o quadro era, como imagino, realista, porquê pensar que a aldeia estivesse desabitada, ou assolada por pesadelos, à la Lovercreft? Aqui reside o fascínio de toda a ficção, verbal ou visual: encerra-nos dentro dos limites do seu mundo e induz-nos, de uma maneira ou de outra, a levá-lo a sério.»

Umberto Eco, «Os Bosques Possíveis», in Seis passeios nos bosques da ficção 

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