O sentimento de justiça, naquele dos seus elementos que consiste no desejo de punir, é, portanto, suponho, o sentimento natural de retaliação ou vingança, tornado pela inteligência e empatia aplicável àquelas ofensas, isto é, àquelas mágoas, que nos ferem por meio da sociedade no seu todo, ou em comum com ela. Este sentimento, em si, nada tem de moral; o que é moral é a sua subordinação exclusiva às empatias sociais, de tal forma que espera e obedece ao seu chamamento. Pois o sentimento natural tende a fazer-nos ressentir indiscriminadamente o que qualquer pessoa faça de desagradável para nós; mas, quando moralizado pelo sentimento social, apenas actua nas direcções conformes ao bem geral: as pessoas justas ficam ofendidas com um mal para a sociedade, embora não seja um mal para si mesmas, e não ficam ofendidas com um mal para si mesmas, por mais doloroso, a menos que seja do tipo que a sociedade tem um interesse com elas em reprimir.
Não é uma objecção a esta doutrina afirmar que, quando sentimos o nosso sentimento de justiça ultrajado, não estamos a pensar na sociedade no seu todo, ou em qualquer interesse colectivo, mas apenas no caso particular. É certamente algo muito comum, embora seja o contrário do recomendável, sentir ressentimento apenas por sofrer uma dor; mas uma pessoa cujo ressentimento é realmente um sentimento moral, isto é, uma pessoa que avalia se um acto é censurável antes de se permitir ter ressentimento - tal pessoa, embora possa não dizer expressamente a si mesma que defende o interesse da sociedade, sente por certo que está a defender uma regra que existe para o benefício dos outros, mas também de si próprio. Se não sente isto - se encara o acto apenas na medida em que a afecta pessoalmente - não é conscienciosamente justa; não está a preocupar-se com a justiça das suas acções. Isto é admitido até mesmo por pensadores morais anti-utilitaristas. Quando Kant (como antes assinalámos) propõe como princípio fundamental da moral «Age de tal forma que a regra da tua acção possa ser adoptada como lei por todos os seres racionais», reconhece virtualmente que o interesse da humanidade, no seu conjunto, ou pelo menos da humanidade considerada indescriminadamente, deve estar na mente do agente quando decide conscienciosamente sobre a moralidade do acto. De outra forma está a usar palavras sem sentido: pois não pode defender-se com plausibilidade que mesmo uma regra de total egoísmo não tenha a possibilidade de ser adoptada por todos os seres racionais - que exista na natureza das coisas um qualquer obstáculo insuperável à sua adopção. Para dar algum significado ao princípio kantiano, o sentido que lhe é conferido tem de ser que devemos moldar a nossa conduta por uma regra que todos os seres racionais pudessem adoptar com benefício para o seu interesse colectivo.
Racapitulando: a ideia de justiça supõe duas coisas; uma regra de conduta, e um sentimento que sancione a regra. Devemos supor que a primeira é comum a toda a humanidade, e destinada ao seu bem. A outra (o sentimento) é um desejo de que aqueles que infringem a regra possam ser castigados. Também está incluída, adicionalmente, a concepção de uma pessoa concreta que sofre em consequência da infracção; cujos direitos (para usar a expressão adequada ao caso) são violadas por essa infracção. E parece-me que o sentimento de justiça é o desejo animal de repelir ou retaliar um mal ou dano que nos é feito, ou é feito a alguém por quem sentimos empatia, alargado de maneira a incluir todas as pessoas, por meio da capacidade humana de empatia alargada, e a concepção humana de interesse próprio inteligente. Destes últimos elementos deriva o sentimento a sua moralidade; dos anteriores, a sua peculiar força, e energia de auto-afirmação.»
John Stuart Mill, Utilitarismo