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domingo, 30 de janeiro de 2011

Pessoa

«O que, no entanto, acontecia era que iam mais alto as ambições de Pessoa e penetrava a sua inteligência mais longe do que a dos estadistas ingleses. Era o mundo mais nobre, mais humano e mais divino, do que o supunha a Inglaterra e jamais se resignaria a aceitar como permanente, apesar de todas as suas excelências sobre os outros, apesar de não ter constituição escrita, apesar de tender já a uma Comunidade de nações livres, um império que, na base de tudo, mantinha as duas noções e invenções diabólicas da força e do lucro. No fim de contas, o melhor que a Inglaterra lançava sobre o universo já Portugal o fizera, muito antes dela; e Portugal porque não era de nenhuma Igreja reformada, porque se mantivera fiel a Roma e à fraternidade católica, porque nunca fora sequaz de uma ciência que tendia apenas a dominar, de uma economia que tendia apenas a explorar e de uma política que não era outra coisa senão de origem maquiavélica, deixara aberta, apesar de suas falhas, uma esperança para o futuro: a de que o seu império do mar fora apenas o primeiro passo, por isso mesmo ainda físico e político, de uma acção que depois a Europa, incompreensiva como sempre, lhe viria cortar: a de trazer para o mundo aquele Reino que milhões de homens quotidianamente imploram em vão.
Vai, pois, Fernando Pessoa, deliberadamente, confirmar o acaso físico: vai nascer português porque tem a convicção de que Deus não pode abandonar seu outro povo eleito e de que, passado o domínio da Europa, quando a técnica tiver esgotado todas as possibilidades, quando a economia protestante se verificar plenamente anti-humana, quando a centralização estatal se revelar estéril, Portugal virá de novo construir o seu mundo de paz, por maior que tenha de ser o seu sacrifício: mundo de uma paz que não surja como a Romana ou a Inglesa, do exterior para o interior, de um César  para seus súbditos, dos tribunais para os corpos; paz que se realize antes de tudo nas almas, lei que seja inteiramente não escrita e, no melhor de si, informulada; Reino de Deus que surja pela transformação interior do homem.»

Agostinho da Silva, Um Fernando Pessoa

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