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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Apolo



«Vejo ainda, com a claridade da alma, que as lágrimas da lembrança não empanam, porque a visão não é externa... Vejo-o diante de mim, e vê-lo hei talvez eternamente como primeiro o vi. Primeiro, os olhos azuis de criança que não tem mêdo; depois, os malares já um pouco salientes, a côr um pouco pálida, e o estranho ar grego, que vinha de dentro e era uma calma, e não de fora, porque não era expressão nem feições. O cabelo, quási abundante, era louro, mas, se faltava luz, acastanhava-se. A estatura era média, tendendo para mais alta, mas curvada,, sem ombros altos. O gesto era branco, o sorriso era como era, a voz era igual, lançada num tom de quem não procurava senão dizer o que está dizendo - nem alta nem baixa, clara, livre de intenções, de hesitações, de timidezas. O olhar azul não sabia deixar de fitar. Se a nossa observação estranhava qualquer cousa, encontrava-a: a testa, sem ser alta, era poderosamente branca. Repito: era pela sua brancura, que parecia maior que a cara pálida, que tinha majestade. As mãos um pouco delgadas, mas não muito; a palma era larga. A expressão da bôca, a última cousa em que se reparava - como se falar fôsse, para êste homem, menos que existir -, era a de um sorriso como o que se atribui em verso às cousas inanimadas belas, só porque nos agradam - flores, campos largos, águas com sol -, um sorriso de existir, e não de nos falar.»

Álvaro de Campos, Notas para a Recordação do Meu Mestre Caeiro

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