Do Gianicolo, a outras horas, parece a amiga, a amante, a companheira, no modo em que se apresenta: os monumentos avizinhados pelos séculos. A antiguidade de Roma é de ao-pé-da-porta: com as pessoas sentadas à frente nem parecem monumentos: são coisas que nos deixaram, carregadas de humanidade. Casas. Lugares. Sítios onde as pessoas se encontram. Falam. Discutem. Riem. Vivem a quieta vita - a verdadeira vida, que é o sangue acompanhar o Tibre, acompanhar os dias, sobressaltado e satisfeito, curioso e receoso, aberto. Há uma fé nesta gente que nada tem a ver com as fés conhecidas. Há, neles, uma entrega à vida, uma confiança nela - e uma capacidade de a gozar - que fascina e surpreende: nada do que é humano lhes é estranho; nada do que é lhes é estranho. E, nessa coragem extraordinária de amarem antes do mais, com todas as implicações, os dias que vivem, misturam a religiosidade, a superstição - tentam convencer os deuses, burlá-los. A morte existe e é terrível, mas a vida é maravilhosa e é a realidade mais certa. Julgo que assim pensa o meu Amigo Augusto Squarcia. Estou a vê-lo, no Er Cordaro, o restaurante junto à Porta - mesmo à porta - Portese, onde se comem os melhores rigattoni alla carbonara de Roma, uma esplêndida massa com ovo, pancetta e pimenta. E se bebe o óptimo vinho dos castelos, Frascati, por exemplo. E se paga pouco. O meu Amigo paga pouco, mas vive muito. Ou paga muito para viver muito. Estou a vê-lo, irónico e céptico, como todos os romanos, mas cheio da alegria de viver, de saborear os rigattoni e o vinho branco fresquinho e de saber que, para além da porta, existe a sua cidade, a ponte Sublicio, que o leva ao Testaccio. Aí, poderíamos continuar o banquete, no Augustarelli, junto da Piazza di Santa Maria Liberatrice. É um restaurante familiar, gerido por três jovens irmãos enormes e gordos, onde se comem as especialidades romanas de cozinha pobre: rabo de boi, tripas, mas o melhor é deixar escrito em italiano: coda alla vaccinara, pagliatta, trippa alla romana, animelle, midollo alla brace... E o vinho, sempre o dos castelo...»
Manuel Poppe, Novas Crónicas Italianas
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