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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Orações

«Digo ainda as orações. Dentro da arrecadação onde durmo não há janela, e enquanto digo o Anjo da Guarda parece-me estar nos lavadouros com todo aquele céu aberto em vez do tecto. Não creio que isto seja por fé, faço-o por hábito, para não apagar as últimas palavras da noite. Rafaniello diz que à força de se insistir Deus é obrigado a existir, à força de orações formam-se as suas orelhas, à força de lágrimas os seus olhos vêem, à força de alegria o sorriso dele desponta. Como o bumerangue, penso: à força de exercício prepara-se o lançamento, mas será que a fé pode surgir com o treino? Repito as palavras dele por escrito, talvez mais tarde as compreenda. Diz também que cante para dar espaço aos pensamentos, senão ganham mofo fechados na boca. Se também eu me ponho a cantar com a voz apagada que tenho, há-de ser um festival cá dentro. Mest' Errico insiste em se fazer ouvir por cima da garlopa. Don Rufaniè, pergunto, não acha que à força de estar em Nápoles você se tornou napolitano? Não, diz a brincar, é que os napolitanos às tantas são uma das dez tribos perdidas de Israel. Como? Vocês perderam dez tribos? E com quantas ficaram? «So duas, uma é a de Judá que dá o nome aos judeus, um nome que vem do verbo agradecer.» Então vocês os judeus chamam-se obrigado? «É o que a palavra quer dizer, mas todos os vivos deveriam ter um nome assim, com uma palavra de agradecimento.»

Erri De Luca, Montedidio

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