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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Alteridade

«Nas duas cartas de 1871, conhecidas como «Lettres duu Voyant», a fórmula da alterização autoral, Je est un autre, implica sempre no seu contexto verbal imediato uma relação com o pensamento.
Da carta de 15 de Maio a Pual Demeny, recordo:

Cela m'est évident: j'assiste à l'éclosion de ma pensée: je la regarde, je l'écoute: je lance un coup d'archet: la symphonie fait son remuement dans les profondeurs, ou vient d'un bond sur la scène.

Esta frase pode ser tomada como a figuração, na poética, de algo relativamente análogo a um observador de segunda ordem ou seja, a um sujeito que se observa a si próprio observando ou pensando, e que, segundo Gumbrecht (que vai buscar a formulação a N. Luhmann; Gumbrecht, 1998: 13-14), estaria ligado à construção de uma «modernidade epistemológica» (id.), cujo começo seria situável algures na fronteira dos séculos XVIII e XIX. Entretanto, a fórmula de Rimbaud, para além de poder dizer esse desdobramento, de que podemos dar conta também em Baudelaire, constitui sobretudo a figuração de um processo de alterização ou de um múltiplo devir outro do autor. Por outro lado, a cena ou o palco referidos constituem claramente uma cena da escrita e, nesse sentido, dizem uma teatralização da escrita que é também uma teatralização do pensamento. Je est un autre mostra ainda uma crise do cogito cartesiano e uma crise dos modos de representação do sujeito, mas ao mesmo tempo, tal como por exemplo em Pessoa, diz um modo de fazer e pensar a poesia, um método outro. O método concebe-se aqui como a eclosão provocada (je lance un coup d'archet) ou a experiência praticada de um pensamento que se torna visível e audível na escrita. A alterização é ainda uma abertura ou uma suscitação do desconhecido.

Manuel Gusmão, Tatuagem & Palimpsesto da poesia em alguns poetas e poemas

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