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sábado, 8 de janeiro de 2011

Genius

«A espiritualidade, já se disse, é, antes de mais nada, aquela consciência do facto de que o ser identificado não é inteiramente identificado, que contém ainda uma certa carga de realidade não identificada, que há não só que conservar, como também respeitar e, de certo modo, honrar, como se honram as próprias dívidas. Mas Genius não é, apenas, espiritualidade, não tem a ver, unicamente, com as coisas que consideramos mais nobres e elevadas. Todo o impessoal em nós é genial, genial é, antes do mais, a força que impele o sangue nas nossas veias ou nos faz mergulhar no sono, a potência ignorada que, no nosso corpo, regula e distribui tão suavemente a tepidez e relaxa ou contrai as fibras dos nossos músculos. É Genius que, obscuramente, pressentimos na intimidade da nossa vida fisiológica, ali onde o mais nosso é o mais estranho e impessoal, o mais próximo é o mais remoto e inapropriável. Se não nos abandonássemos a Genius, se fôssemos unicamente Eu e consciência, não poderíamos nem sequer urinar. Viver com Genius significa, neste sentido, viver na intimidade de um ser estranho, estar constantemente em relação com uma zona de não-conhecimento. Mas esta zona de não-conhecimento não é uma remoção, não afasta nem desloca as experiências do consciente para o inconsciente, onde se sedimenta como um passado inquietante, pronto a re-florar à superfície em sintomas e nevroses. A intimidade com uma zona de não-conhecimento é uma prática mística quotidiana em que o Eu, numa espécie de esoterismo especial e alegre, assiste, sorridente, ao seu próprio esfacelamento e, quer se trate da digestão dos alimentos ou da iluminação da mente, testemunha, incrédulo o seu próprio incessante faltar. Genius é a nossa vida, naquilo que não nos pertence.»

Giorgio Agamben, Profanações

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