Io credo nelle persone, però non credo nella maggioranza delle persone. Anche in una società più decente di questa, mi sa che mi troverò a mio agio e d'accordo sempre con una minoranza. (Nanni Moreti)
Acerca de mim
domingo, 30 de janeiro de 2011
Pessoa
«O que, no entanto, acontecia era que iam mais alto as ambições de Pessoa e penetrava a sua inteligência mais longe do que a dos estadistas ingleses. Era o mundo mais nobre, mais humano e mais divino, do que o supunha a Inglaterra e jamais se resignaria a aceitar como permanente, apesar de todas as suas excelências sobre os outros, apesar de não ter constituição escrita, apesar de tender já a uma Comunidade de nações livres, um império que, na base de tudo, mantinha as duas noções e invenções diabólicas da força e do lucro. No fim de contas, o melhor que a Inglaterra lançava sobre o universo já Portugal o fizera, muito antes dela; e Portugal porque não era de nenhuma Igreja reformada, porque se mantivera fiel a Roma e à fraternidade católica, porque nunca fora sequaz de uma ciência que tendia apenas a dominar, de uma economia que tendia apenas a explorar e de uma política que não era outra coisa senão de origem maquiavélica, deixara aberta, apesar de suas falhas, uma esperança para o futuro: a de que o seu império do mar fora apenas o primeiro passo, por isso mesmo ainda físico e político, de uma acção que depois a Europa, incompreensiva como sempre, lhe viria cortar: a de trazer para o mundo aquele Reino que milhões de homens quotidianamente imploram em vão.
Vai, pois, Fernando Pessoa, deliberadamente, confirmar o acaso físico: vai nascer português porque tem a convicção de que Deus não pode abandonar seu outro povo eleito e de que, passado o domínio da Europa, quando a técnica tiver esgotado todas as possibilidades, quando a economia protestante se verificar plenamente anti-humana, quando a centralização estatal se revelar estéril, Portugal virá de novo construir o seu mundo de paz, por maior que tenha de ser o seu sacrifício: mundo de uma paz que não surja como a Romana ou a Inglesa, do exterior para o interior, de um César para seus súbditos, dos tribunais para os corpos; paz que se realize antes de tudo nas almas, lei que seja inteiramente não escrita e, no melhor de si, informulada; Reino de Deus que surja pela transformação interior do homem.»
Vai, pois, Fernando Pessoa, deliberadamente, confirmar o acaso físico: vai nascer português porque tem a convicção de que Deus não pode abandonar seu outro povo eleito e de que, passado o domínio da Europa, quando a técnica tiver esgotado todas as possibilidades, quando a economia protestante se verificar plenamente anti-humana, quando a centralização estatal se revelar estéril, Portugal virá de novo construir o seu mundo de paz, por maior que tenha de ser o seu sacrifício: mundo de uma paz que não surja como a Romana ou a Inglesa, do exterior para o interior, de um César para seus súbditos, dos tribunais para os corpos; paz que se realize antes de tudo nas almas, lei que seja inteiramente não escrita e, no melhor de si, informulada; Reino de Deus que surja pela transformação interior do homem.»
Agostinho da Silva, Um Fernando Pessoa
sábado, 29 de janeiro de 2011
Anna Calvi
Anna Calvi traz consigo lembranças de muitas outras vozes e de músicas de outro tempo, mas, principalmente, ela é única e é de agora.
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Prelude (IX)
«Do mesmo modo que um rio parece render-se
Em parte a velhas recordações e é dominado
Até certo ponto pelo medo de seguir sempre a direito,
O que depressa o iria submergir no mar devorador,
Retrocedendo para reavaliar o seu curso, lá muito para trás,
À procura das mesmas regiões que atravessou
No início, assim fizemos nós, meu Amigo!
Retrocedemos e regressámos com penosos desvios.
Ou como um viajante, que atingindo o cume
De uma elevada colina, enquanto ali está parado
Para retomar o fôlego, se sente tentado a rever
Os lugares deixados atrás de si; e, se nada
Do que merecesse a sua atenção escapou ao seu olhar,
Ou tenha sido visto com demasiada negligência,
Lá do alto se esforçasse com um último olhar e ainda
Com mais outro num esforço para ver ainda mais.
Assim nós nos detivemos. De seguida voltamos a partir
Com coragem, e uma nova esperança se eleva
Sobre os nossos trabalhos. Devemos saudar esta ansiedade
Sem forma, sempre que ela surja! Tão necessária a uma vasta
Tarefa, três vezes mais precisa agora para o assunto
Que nos aguarda! Como é tão diferente o passado!»
Em parte a velhas recordações e é dominado
Até certo ponto pelo medo de seguir sempre a direito,
O que depressa o iria submergir no mar devorador,
Retrocedendo para reavaliar o seu curso, lá muito para trás,
À procura das mesmas regiões que atravessou
No início, assim fizemos nós, meu Amigo!
Retrocedemos e regressámos com penosos desvios.
Ou como um viajante, que atingindo o cume
De uma elevada colina, enquanto ali está parado
Para retomar o fôlego, se sente tentado a rever
Os lugares deixados atrás de si; e, se nada
Do que merecesse a sua atenção escapou ao seu olhar,
Ou tenha sido visto com demasiada negligência,
Lá do alto se esforçasse com um último olhar e ainda
Com mais outro num esforço para ver ainda mais.
Assim nós nos detivemos. De seguida voltamos a partir
Com coragem, e uma nova esperança se eleva
Sobre os nossos trabalhos. Devemos saudar esta ansiedade
Sem forma, sempre que ela surja! Tão necessária a uma vasta
Tarefa, três vezes mais precisa agora para o assunto
Que nos aguarda! Como é tão diferente o passado!»
William Wordsworth
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Alteridade
«Nas duas cartas de 1871, conhecidas como «Lettres duu Voyant», a fórmula da alterização autoral, Je est un autre, implica sempre no seu contexto verbal imediato uma relação com o pensamento.
Da carta de 15 de Maio a Pual Demeny, recordo:
Cela m'est évident: j'assiste à l'éclosion de ma pensée: je la regarde, je l'écoute: je lance un coup d'archet: la symphonie fait son remuement dans les profondeurs, ou vient d'un bond sur la scène.
Esta frase pode ser tomada como a figuração, na poética, de algo relativamente análogo a um observador de segunda ordem ou seja, a um sujeito que se observa a si próprio observando ou pensando, e que, segundo Gumbrecht (que vai buscar a formulação a N. Luhmann; Gumbrecht, 1998: 13-14), estaria ligado à construção de uma «modernidade epistemológica» (id.), cujo começo seria situável algures na fronteira dos séculos XVIII e XIX. Entretanto, a fórmula de Rimbaud, para além de poder dizer esse desdobramento, de que podemos dar conta também em Baudelaire, constitui sobretudo a figuração de um processo de alterização ou de um múltiplo devir outro do autor. Por outro lado, a cena ou o palco referidos constituem claramente uma cena da escrita e, nesse sentido, dizem uma teatralização da escrita que é também uma teatralização do pensamento. Je est un autre mostra ainda uma crise do cogito cartesiano e uma crise dos modos de representação do sujeito, mas ao mesmo tempo, tal como por exemplo em Pessoa, diz um modo de fazer e pensar a poesia, um método outro. O método concebe-se aqui como a eclosão provocada (je lance un coup d'archet) ou a experiência praticada de um pensamento que se torna visível e audível na escrita. A alterização é ainda uma abertura ou uma suscitação do desconhecido.
Da carta de 15 de Maio a Pual Demeny, recordo:
Cela m'est évident: j'assiste à l'éclosion de ma pensée: je la regarde, je l'écoute: je lance un coup d'archet: la symphonie fait son remuement dans les profondeurs, ou vient d'un bond sur la scène.
Esta frase pode ser tomada como a figuração, na poética, de algo relativamente análogo a um observador de segunda ordem ou seja, a um sujeito que se observa a si próprio observando ou pensando, e que, segundo Gumbrecht (que vai buscar a formulação a N. Luhmann; Gumbrecht, 1998: 13-14), estaria ligado à construção de uma «modernidade epistemológica» (id.), cujo começo seria situável algures na fronteira dos séculos XVIII e XIX. Entretanto, a fórmula de Rimbaud, para além de poder dizer esse desdobramento, de que podemos dar conta também em Baudelaire, constitui sobretudo a figuração de um processo de alterização ou de um múltiplo devir outro do autor. Por outro lado, a cena ou o palco referidos constituem claramente uma cena da escrita e, nesse sentido, dizem uma teatralização da escrita que é também uma teatralização do pensamento. Je est un autre mostra ainda uma crise do cogito cartesiano e uma crise dos modos de representação do sujeito, mas ao mesmo tempo, tal como por exemplo em Pessoa, diz um modo de fazer e pensar a poesia, um método outro. O método concebe-se aqui como a eclosão provocada (je lance un coup d'archet) ou a experiência praticada de um pensamento que se torna visível e audível na escrita. A alterização é ainda uma abertura ou uma suscitação do desconhecido.
Manuel Gusmão, Tatuagem & Palimpsesto da poesia em alguns poetas e poemas
Hai un sangue, un respiro
Hai un sangue, un respiro.
Sei fatta di carne
di capelli di sguardi
anche tu. Terra e piante,
cielo di marzo, luce,
vibrano e ti somigliano -
il tuo riso e il tuo passo
come acque che sussultano -
la tua ruga fra gli occhi
come nubi raccolte -
il tuo tenero corpo
una zolla nel sole.
Hai un sangue, un respiro.
Vivi su questa terra.
Ne conosci i sapori
le stagioni i risvegli,
hai giocato nel sole,
hai parlato con noi.
Acqua chiara, virgulto
primaverile, terra,
germogliante silenzio,
tu hai giocato bambina
sotto un cielo diverso,
ne hai negli occhi il silenzio,
una nube, che sgorga
come polla dal fondo.
Ora ridi e sussulti
sopra questo silenzio.
Dolce frutto che vivi
sotto il cielo chiaro,
che respiri e vivi
questa nostra stagione,
nel tuo chiuso silenzio
è la tua forza. Come
erba viva nell'aria
rabbrividisci e ridi,
ma tu, tu sei terra.
Sei radice feroce.
Sei la terra che aspetta.
Sei fatta di carne
di capelli di sguardi
anche tu. Terra e piante,
cielo di marzo, luce,
vibrano e ti somigliano -
il tuo riso e il tuo passo
come acque che sussultano -
la tua ruga fra gli occhi
come nubi raccolte -
il tuo tenero corpo
una zolla nel sole.
Hai un sangue, un respiro.
Vivi su questa terra.
Ne conosci i sapori
le stagioni i risvegli,
hai giocato nel sole,
hai parlato con noi.
Acqua chiara, virgulto
primaverile, terra,
germogliante silenzio,
tu hai giocato bambina
sotto un cielo diverso,
ne hai negli occhi il silenzio,
una nube, che sgorga
come polla dal fondo.
Ora ridi e sussulti
sopra questo silenzio.
Dolce frutto che vivi
sotto il cielo chiaro,
che respiri e vivi
questa nostra stagione,
nel tuo chiuso silenzio
è la tua forza. Come
erba viva nell'aria
rabbrividisci e ridi,
ma tu, tu sei terra.
Sei radice feroce.
Sei la terra che aspetta.
Cesare Pavese, Verrà la Morte e Avrà I Tuoi Occhi (21 marzo 1950)
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Mentira
«- Mas, mais correctamente, como há pouco referia, chamar-se-ia verdadeira mentira à ignorância que existe na alma da pessoa enganada. Uma vez que a que consiste em palavras é uma imitação do que a alma experimenta e uma imagem que surge posteriormente. Não é uma mentira completamente isenta de mistura, não é assim?
- Inteiramente.
- Por conseguinte, a mentira autêntica é detestada não só pelos deuses, mas também pelos homens.
- Assim me parece.
- E quanto à mentira por palavras? Quando e a quem é útil?, a ponto de não merecer o desprezo? Não será em relação aos inimigos e aos chamados amigos, quando, devido a um delírio ou a qualquer loucura, intentam praticar qualquer má acção, que ela se torna útil como um remédio, a fim de os desviar? E, na composição de fábulas que ainda que ainda há pouco referíamos, por não sabermos onde está a verdade relativamente ao passado, ao acomodar o mais possível a mentira à verdade, não estamos a tornar útil a mentira?
- É inteiramente assim.»
- Inteiramente.
- Por conseguinte, a mentira autêntica é detestada não só pelos deuses, mas também pelos homens.
- Assim me parece.
- E quanto à mentira por palavras? Quando e a quem é útil?, a ponto de não merecer o desprezo? Não será em relação aos inimigos e aos chamados amigos, quando, devido a um delírio ou a qualquer loucura, intentam praticar qualquer má acção, que ela se torna útil como um remédio, a fim de os desviar? E, na composição de fábulas que ainda que ainda há pouco referíamos, por não sabermos onde está a verdade relativamente ao passado, ao acomodar o mais possível a mentira à verdade, não estamos a tornar útil a mentira?
- É inteiramente assim.»
Platão, República
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
Decadência
«365.
A loucura chamada afirmar, a doença chamada crer, a infêmia chamada ser feliz - tudo isto cheira a mundo, sabe à triste coisa que é a terra.
Sê indiferente. Ama o poente e o amanhecer, porque não há utilidade, nem para ti, em amá-los. Veste teu ser do ouro da tarde morta, como um rei deposto numa manhã de rosas, com Maio nas nuvens brancas e o sorriso das virgens nas quintas afastadas. Tua ânsia morra entre mirtos, teu tédio cesse entre tamarindos e o som da água acompanhetudo isto como um entardecer ao pé de margens, e o rio, sem sentido salvo correr, eterno, para marés longínquas. O resto é a vida que nos deixa, a chama que morre no nosso olhar, a púrpura gasta antes de a vestirmos, a lua que vela o nosso abandono, as estrelas que estendem o seu silêncio sobre a nossa hora de desengano. Assídua, a mágoa estéril e amiga que nos aperta ao peito com amor.
Meu destino é a decadência.
Meu domínio foi outrora em vales fundos. O som de águas que nunca sentiram sangue rega o ouvido dos meus sonhos. O copado das árvores que esquece a vida era verde sempre nos meus esquecimentos. Alua era fluida como água entre pedras. O amor nunca veio àquele vale e por isso tudo ali era feliz. Nem sonho, nem amor, nem deuses em templo, passando entre a brisa e a hora una e sem que soubesse saudades das crenças mais bêbadas, mais escusas.»
A loucura chamada afirmar, a doença chamada crer, a infêmia chamada ser feliz - tudo isto cheira a mundo, sabe à triste coisa que é a terra.
Sê indiferente. Ama o poente e o amanhecer, porque não há utilidade, nem para ti, em amá-los. Veste teu ser do ouro da tarde morta, como um rei deposto numa manhã de rosas, com Maio nas nuvens brancas e o sorriso das virgens nas quintas afastadas. Tua ânsia morra entre mirtos, teu tédio cesse entre tamarindos e o som da água acompanhetudo isto como um entardecer ao pé de margens, e o rio, sem sentido salvo correr, eterno, para marés longínquas. O resto é a vida que nos deixa, a chama que morre no nosso olhar, a púrpura gasta antes de a vestirmos, a lua que vela o nosso abandono, as estrelas que estendem o seu silêncio sobre a nossa hora de desengano. Assídua, a mágoa estéril e amiga que nos aperta ao peito com amor.
Meu destino é a decadência.
Meu domínio foi outrora em vales fundos. O som de águas que nunca sentiram sangue rega o ouvido dos meus sonhos. O copado das árvores que esquece a vida era verde sempre nos meus esquecimentos. Alua era fluida como água entre pedras. O amor nunca veio àquele vale e por isso tudo ali era feliz. Nem sonho, nem amor, nem deuses em templo, passando entre a brisa e a hora una e sem que soubesse saudades das crenças mais bêbadas, mais escusas.»
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
domingo, 23 de janeiro de 2011
Porta Portese
è domenica mattina
si è svegliato già il mercato
in licenza son tornato e sono qua
per comprarmi dei blue jeans
al posto di questa divisa
e stasera poi le faccio una sorpresa
c'è la vecchia che ha sul banco
foto di Papa Giovanni
lei sta qui da quarant'anni o forse più
e i suoi occhi han visto re
scannati ricchi ed impiegati
capelloni ladri artisti figli di...
Porta Portese
Porta Portese
Porta Portese
cosa avrai di più...
vado avanti a gomitate
tra la gente che si affolla
le patacche che ti ammolla
quello là
ci ha di tutto pezzi d'auto
spade antiche quadri falsi
e la foto nuda di Brigitte Bardot
Porta Portese
Porta Portese
Porta Portese
cosa avrai di più...
tutti rotti quei calzoni
si va bè che è roba usata
ma chi sà chi l'ha portata
quanto vuoi?
quella lì non è possibile che è lei
insieme a un altro
non è certo suo fratello quello
e se l'è scelto proprio bello
ci son cascato come un pollo io...
(a ragà ma che hai fatto?
ma sti carzoni li voj o non li voj?)
Porta Portese
Porta Portese
Porta Portese
cosa avrai tu?
Porta Portese
Porta Portese
Porta Portese
cosa avrai di più?
fiore de sale
l'amore fa penà ma nun se more
d'amore nun se more me se sta male
A bela Roma
«Por que é que é bela Roma? Para o saber é preciso entregarmo-nos e que se nos parta o coração, ao deixá-la. Augusto Squarcia, meu amigo da Porta Portese, romano de alma, desde os quarenta e oito anos que não trabalha: reformou-se, quis gozar a quieta vita, e daqui não sai nem pago. Gira pelo centro histórico, os bairros novos constituem a sua fronteira. No bolso leva as pouca liras que o Estado ainda lhe paga - era um operário camarário - e, no peito, lá por detrás das costelas, a alegria de abraçar uma cidade assim: densa, apaixonada, permissiva. A cidade da liberdade livre. A cidade dos homens (e, naturalmente, das mulheres). A cidade do ouro - que a cobre toda e é a transformação do ocre, quando o Sol a possui. Do Gianicolo, ao amanhecer, Roma parece uma antiga adolescente que retoma o seu corpo com a bruma.
Do Gianicolo, a outras horas, parece a amiga, a amante, a companheira, no modo em que se apresenta: os monumentos avizinhados pelos séculos. A antiguidade de Roma é de ao-pé-da-porta: com as pessoas sentadas à frente nem parecem monumentos: são coisas que nos deixaram, carregadas de humanidade. Casas. Lugares. Sítios onde as pessoas se encontram. Falam. Discutem. Riem. Vivem a quieta vita - a verdadeira vida, que é o sangue acompanhar o Tibre, acompanhar os dias, sobressaltado e satisfeito, curioso e receoso, aberto. Há uma fé nesta gente que nada tem a ver com as fés conhecidas. Há, neles, uma entrega à vida, uma confiança nela - e uma capacidade de a gozar - que fascina e surpreende: nada do que é humano lhes é estranho; nada do que é lhes é estranho. E, nessa coragem extraordinária de amarem antes do mais, com todas as implicações, os dias que vivem, misturam a religiosidade, a superstição - tentam convencer os deuses, burlá-los. A morte existe e é terrível, mas a vida é maravilhosa e é a realidade mais certa. Julgo que assim pensa o meu Amigo Augusto Squarcia. Estou a vê-lo, no Er Cordaro, o restaurante junto à Porta - mesmo à porta - Portese, onde se comem os melhores rigattoni alla carbonara de Roma, uma esplêndida massa com ovo, pancetta e pimenta. E se bebe o óptimo vinho dos castelos, Frascati, por exemplo. E se paga pouco. O meu Amigo paga pouco, mas vive muito. Ou paga muito para viver muito. Estou a vê-lo, irónico e céptico, como todos os romanos, mas cheio da alegria de viver, de saborear os rigattoni e o vinho branco fresquinho e de saber que, para além da porta, existe a sua cidade, a ponte Sublicio, que o leva ao Testaccio. Aí, poderíamos continuar o banquete, no Augustarelli, junto da Piazza di Santa Maria Liberatrice. É um restaurante familiar, gerido por três jovens irmãos enormes e gordos, onde se comem as especialidades romanas de cozinha pobre: rabo de boi, tripas, mas o melhor é deixar escrito em italiano: coda alla vaccinara, pagliatta, trippa alla romana, animelle, midollo alla brace... E o vinho, sempre o dos castelo...»
Do Gianicolo, a outras horas, parece a amiga, a amante, a companheira, no modo em que se apresenta: os monumentos avizinhados pelos séculos. A antiguidade de Roma é de ao-pé-da-porta: com as pessoas sentadas à frente nem parecem monumentos: são coisas que nos deixaram, carregadas de humanidade. Casas. Lugares. Sítios onde as pessoas se encontram. Falam. Discutem. Riem. Vivem a quieta vita - a verdadeira vida, que é o sangue acompanhar o Tibre, acompanhar os dias, sobressaltado e satisfeito, curioso e receoso, aberto. Há uma fé nesta gente que nada tem a ver com as fés conhecidas. Há, neles, uma entrega à vida, uma confiança nela - e uma capacidade de a gozar - que fascina e surpreende: nada do que é humano lhes é estranho; nada do que é lhes é estranho. E, nessa coragem extraordinária de amarem antes do mais, com todas as implicações, os dias que vivem, misturam a religiosidade, a superstição - tentam convencer os deuses, burlá-los. A morte existe e é terrível, mas a vida é maravilhosa e é a realidade mais certa. Julgo que assim pensa o meu Amigo Augusto Squarcia. Estou a vê-lo, no Er Cordaro, o restaurante junto à Porta - mesmo à porta - Portese, onde se comem os melhores rigattoni alla carbonara de Roma, uma esplêndida massa com ovo, pancetta e pimenta. E se bebe o óptimo vinho dos castelos, Frascati, por exemplo. E se paga pouco. O meu Amigo paga pouco, mas vive muito. Ou paga muito para viver muito. Estou a vê-lo, irónico e céptico, como todos os romanos, mas cheio da alegria de viver, de saborear os rigattoni e o vinho branco fresquinho e de saber que, para além da porta, existe a sua cidade, a ponte Sublicio, que o leva ao Testaccio. Aí, poderíamos continuar o banquete, no Augustarelli, junto da Piazza di Santa Maria Liberatrice. É um restaurante familiar, gerido por três jovens irmãos enormes e gordos, onde se comem as especialidades romanas de cozinha pobre: rabo de boi, tripas, mas o melhor é deixar escrito em italiano: coda alla vaccinara, pagliatta, trippa alla romana, animelle, midollo alla brace... E o vinho, sempre o dos castelo...»
Manuel Poppe, Novas Crónicas Italianas
sábado, 22 de janeiro de 2011
Lullaby
Send a wish upon a star
Do the work and you'll go far
Send a wish upon a star
Make a map and there you are
Send a hope upon a wave
A dying wish before the grave
Send a hope upon a wave
For all the souls you failed to save
And you stood tall
Now you will fall
Don't break the spell
Of a life spent trying to do well
And you stood tall
Now you will fall
Don't break the spell
Of a life spent trying to do well
Send a question in the wind
It's hard to know where to begin
So send the question in the wind
And give an answer to a friend
Place your past into a book
Put in everything you ever took
Place your past into a book
Burn the pages let them cook
And you stood tall
Now you will fall
Don't break the spell
Of a life spent trying to do well
And you stood tall
Now you will fall
Don't break the spell
Of a life spent trying to do well
Send a wish upon a star
Send a wish upon a star
Do the work and you'll go far
Send a wish upon a star
Make a map and there you are
Send a hope upon a wave
A dying wish before the grave
Send a hope upon a wave
For all the souls you failed to save
And you stood tall
Now you will fall
Don't break the spell
Of a life spent trying to do well
And you stood tall
Now you will fall
Don't break the spell
Of a life spent trying to do well
Send a question in the wind
It's hard to know where to begin
So send the question in the wind
And give an answer to a friend
Place your past into a book
Put in everything you ever took
Place your past into a book
Burn the pages let them cook
And you stood tall
Now you will fall
Don't break the spell
Of a life spent trying to do well
And you stood tall
Now you will fall
Don't break the spell
Of a life spent trying to do well
Send a wish upon a star
Send a wish upon a star
Influência
«Quando um poeta sofre a sua incarnação como poeta sente também necessariamente angústia em relação a qualquer perigo que possa acabar com ele como poeta. A angústia da influência é tão terrível porque é ao mesmo tempo uma espécie de angústia de separação e o princípio de uma neurose obsessiva, ou medo de uma morte que é um superego personificado. Os poemas, podemos especular por analogia, podem ser encarados (bem-humoradamente) como descargas motoras em resposta ao aumento de excitação da angústia da influência. Os poemas, como a crítica sempre nos garantiu, devem proporcionar prazer. Mas - apesar da insistênciade toda a tradição poética e do romantismo em particular - os poemas não são dados pelo prazer, mas pelo desprazer de uma situação de perigo, a situação de angústia da qual a mágoa da influência é tão grande parte.»
Harold Bloom, A Angústia da Influência, uma teoria da poesia
Comme Une Évidence
En fait, ça fait un moment que se croisent dans ma tête
Des mots et des douceurs qui pourraient faire un texte
Un truc un peu différent, je crois que ça parlerait d'elle
Faut avouer que dans mon quotidien, elle a mis un beau bordel
Mais j'ai un gros souci, j'ai peur que mes potes se marrent
Qu'ils me disent que je m'affiche, qu'ils me traitent de canard
C'est cette pudeur misogyne, croire que la fierté part en fumée
Quand t'ouvres un peu ton coeur, mais moi cette fois je veux assumer
J'ai un autre problème, il est peut-être encore plus lourd
C'est que t'as pas droit à l'erreur quand t'écris un texte d'amour
Moi, les trois prochains couplets, je voudraient que ça soit des bombes
Si j'écris un texte sur elle, je voudrais que ça soit le plus beau du monde
Elle mérite pas un texte moyen, j'ai la pression, ça craint
Fini de faire l'intéressant, avec mes voyages en train
Là c'est loin d'être évident, moi je sais pas comment on fait
Pour décrire ses sentiments, quand on vit avec une fée
Il faut avouer qu'elle a des yeux, ils sont même pas homologués
Des fois ils sont verts, des fois jaunes, je crois même que la nuit ils sont violets
Quand je m'enfonce dans son regard, je perds le la je n'touche plus le sol
Je me perds profondément, et j'oublie exprès ma boussole
Depuis que je la connais, je ressens des trucs hallucinants
Je me dis souvent que j'ai eu de la chance de lui avoir plu, sinon
J'aurais jamai su qu'un rire pouvait arrêter la Terre de tourner
J'aurais jamais su qu'un regard pouvait habiller mes journées
Je comprends pas tout ce qui se passe, y a pleins de trucs incohérents
Depuis qu'elle est là rien n'a changé, mais tout est différent
Elle m'apporte trop de désordre, et tellement de stabilité
Ce que je préfère c'est sa force, mais le mieux c'est sa fragilité
Ce n'est pas un texte de plus, ce n'est pas juste un poème
Parfois elle aime mes mots, mais cette fois c'est elle que mes mots aiment
Je l'ai dans la tête comme une mélodie, alors mes envies dansent
Dans notre histoire rien n'est écrit, mais tout sonne comme une évidence
J'ai redécouvert comme ça réchauffe d'avoir des sentiments
Mais si tu me dis que c'est beaucoup mieux de vivre sans, tu mens
Alors je les mets en mots et tant pis si mes potes me chambrent
Moi je m'en fous, chez moi y a une sirène qui dort dns ma chambre
J'avais une vie de chat sauvage, elle l'a réduite en cendres
J'ai découvert un bonheur tout simple, c'est juste qu'on aime être ensemble
On ne calcule pas les démons du passé, on n'a pas peur d'eux
Moi si un jour j'suis un couple, je voudrais être nous deux
Y a des sourires et des soupires, y a des fou rires à en mourir
On peut s'ouvrir et s'en rougir, déjà se nourrir de nos souvenirs
Les pièges de l'avenir nous attendent, mais on n'a pas peur d'eux
Moi si un jour j'suis un couple, je voudrais être nous deux
Et si c'est vrai que les mots sont la voix de l'émotion
Les miens prennent la parole pour nous montrer sa direction
J'ai quitté le quai pour un train spécial, un TGV palace
On roule à 1000km/h, au dessus de la mer, en première classe
Et si c'est vrai que les mots sont la voix de l'émotion
Les miens prennent la parole pour nous montrer sa direction
J'ai quitté le quai pour un train spécial, un TGV palace
On roule à 1000km/h, au dessus de la mer, en première classe
Des mots et des douceurs qui pourraient faire un texte
Un truc un peu différent, je crois que ça parlerait d'elle
Faut avouer que dans mon quotidien, elle a mis un beau bordel
Mais j'ai un gros souci, j'ai peur que mes potes se marrent
Qu'ils me disent que je m'affiche, qu'ils me traitent de canard
C'est cette pudeur misogyne, croire que la fierté part en fumée
Quand t'ouvres un peu ton coeur, mais moi cette fois je veux assumer
J'ai un autre problème, il est peut-être encore plus lourd
C'est que t'as pas droit à l'erreur quand t'écris un texte d'amour
Moi, les trois prochains couplets, je voudraient que ça soit des bombes
Si j'écris un texte sur elle, je voudrais que ça soit le plus beau du monde
Elle mérite pas un texte moyen, j'ai la pression, ça craint
Fini de faire l'intéressant, avec mes voyages en train
Là c'est loin d'être évident, moi je sais pas comment on fait
Pour décrire ses sentiments, quand on vit avec une fée
Il faut avouer qu'elle a des yeux, ils sont même pas homologués
Des fois ils sont verts, des fois jaunes, je crois même que la nuit ils sont violets
Quand je m'enfonce dans son regard, je perds le la je n'touche plus le sol
Je me perds profondément, et j'oublie exprès ma boussole
Depuis que je la connais, je ressens des trucs hallucinants
Je me dis souvent que j'ai eu de la chance de lui avoir plu, sinon
J'aurais jamai su qu'un rire pouvait arrêter la Terre de tourner
J'aurais jamais su qu'un regard pouvait habiller mes journées
Je comprends pas tout ce qui se passe, y a pleins de trucs incohérents
Depuis qu'elle est là rien n'a changé, mais tout est différent
Elle m'apporte trop de désordre, et tellement de stabilité
Ce que je préfère c'est sa force, mais le mieux c'est sa fragilité
Ce n'est pas un texte de plus, ce n'est pas juste un poème
Parfois elle aime mes mots, mais cette fois c'est elle que mes mots aiment
Je l'ai dans la tête comme une mélodie, alors mes envies dansent
Dans notre histoire rien n'est écrit, mais tout sonne comme une évidence
J'ai redécouvert comme ça réchauffe d'avoir des sentiments
Mais si tu me dis que c'est beaucoup mieux de vivre sans, tu mens
Alors je les mets en mots et tant pis si mes potes me chambrent
Moi je m'en fous, chez moi y a une sirène qui dort dns ma chambre
J'avais une vie de chat sauvage, elle l'a réduite en cendres
J'ai découvert un bonheur tout simple, c'est juste qu'on aime être ensemble
On ne calcule pas les démons du passé, on n'a pas peur d'eux
Moi si un jour j'suis un couple, je voudrais être nous deux
Y a des sourires et des soupires, y a des fou rires à en mourir
On peut s'ouvrir et s'en rougir, déjà se nourrir de nos souvenirs
Les pièges de l'avenir nous attendent, mais on n'a pas peur d'eux
Moi si un jour j'suis un couple, je voudrais être nous deux
Et si c'est vrai que les mots sont la voix de l'émotion
Les miens prennent la parole pour nous montrer sa direction
J'ai quitté le quai pour un train spécial, un TGV palace
On roule à 1000km/h, au dessus de la mer, en première classe
Et si c'est vrai que les mots sont la voix de l'émotion
Les miens prennent la parole pour nous montrer sa direction
J'ai quitté le quai pour un train spécial, un TGV palace
On roule à 1000km/h, au dessus de la mer, en première classe
Grand Corps Malade, «Comme une évidence»
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
Voto
«A campanha mudou, sim, o sentido do meu voto porque, uma vez posto de parte o bem maior, me levou, como nunca, a reflectir na distinção entre o mal maior e o mal menor. O voto, sendo um dever, será um céptico, um melancólico, um doloroso dever.»
Pedro Tamen, in «Público», de 21 de Janeiro de 2011
Il n'y a pas d'amour heureux
Rien n'est jamais acquis à l'homme Ni sa force
Ni sa faiblesse ni son coeur Et quand il croit
Ouvrir ses bras son ombre est celle d'une croix
Et quand il croit serrer son bonheur il le broie
Sa vie est un étrange et douloureux divorce
Il n'y a pas d'amour heureux
Ni sa faiblesse ni son coeur Et quand il croit
Ouvrir ses bras son ombre est celle d'une croix
Et quand il croit serrer son bonheur il le broie
Sa vie est un étrange et douloureux divorce
Il n'y a pas d'amour heureux
Sa vie Elle ressemble à ces soldats sans armes
Qu'on avait habillés pour un autre destin
A quoi peut leur servir de se lever matin
Eux qu'on retrouve au soir désoeuvrés incertains
Dites ces mots Ma vie Et retenez vos larmes
Il n'y a pas d'amour heureux
Qu'on avait habillés pour un autre destin
A quoi peut leur servir de se lever matin
Eux qu'on retrouve au soir désoeuvrés incertains
Dites ces mots Ma vie Et retenez vos larmes
Il n'y a pas d'amour heureux
Mon bel amour mon cher amour ma déchirure
Je te porte dans moi comme un oiseau blessé
Et ceux-là sans savoir nous regardent passer
Répétant après moi les mots que j'ai tressés
Et qui pour tes grands yeux tout aussitôt moururent
Il n'y a pas d'amour heureux
Je te porte dans moi comme un oiseau blessé
Et ceux-là sans savoir nous regardent passer
Répétant après moi les mots que j'ai tressés
Et qui pour tes grands yeux tout aussitôt moururent
Il n'y a pas d'amour heureux
Le temps d'apprendre à vivre il est déjà trop tard
Que pleurent dans la nuit nos coeurs à l'unisson
Ce qu'il faut de malheur pour la moindre chanson
Ce qu'il faut de regrets pour payer un frisson
Ce qu'il faut de sanglots pour un air de guitare
Il n'y a pas d'amour heureux
Que pleurent dans la nuit nos coeurs à l'unisson
Ce qu'il faut de malheur pour la moindre chanson
Ce qu'il faut de regrets pour payer un frisson
Ce qu'il faut de sanglots pour un air de guitare
Il n'y a pas d'amour heureux
Il n'y a pas d'amour qui ne soit à douleur
Il n'y a pas d'amour dont on ne soit meurtri
Il n'y a pas d'amour dont on ne soit flétri
Et pas plus que de toi l'amour de la patrie
Il n'y a pas d'amour qui ne vive de pleurs
Il n'y a pas d'amour heureux
Mais c'est notre amour à tous les deux
Il n'y a pas d'amour dont on ne soit meurtri
Il n'y a pas d'amour dont on ne soit flétri
Et pas plus que de toi l'amour de la patrie
Il n'y a pas d'amour qui ne vive de pleurs
Il n'y a pas d'amour heureux
Mais c'est notre amour à tous les deux
Louis Aragon (La Diane Francaise, Seghers 1946)
Le Paysan de Paris
«Il y a plus de matérialisme grossier qu'on ne croit dans le sot rationalisme humain. Cette peur de l'erreur, que dans la fuite de mes idées tout, à tout instant, me rappelle, cette manie de contrôle, fait préférer à l'homme l'imagination de la raison à l'imagination des sens. Et pourtant c'est toujours l'imagination seule qui agit. Rien ne peut m'assurer de la réalité, rien ne peut m'assurer que je ne la fonde sur un délire d'interprétation, ni la rigueur d'une logique ni la force d'une sensation. Mais dans ce dernier cas l'homme qui en a passé par diverses écoles séculaires s'est pris à douter de soi-même: par quel jeu de miroirs fût-ce au profit de l'autre processus de pensée, on l'imagine. Et voilà l'homme en proie aux mathématiques. C'est aussi que, pour se dégager de la matière, il est devenu le prisonnier des propriétés de la matière.»
Louis Aragon, Le Paysan de Paris
Identidade
«A prova de que o senso comum não pode constituir, por si só, princípio metodológico de análise deixa-se traduzir no célebre paradoxo filosófico, conhecido pelo barco de Teseu ou ainda, noutras versões, pelo paradoxo de Argo, o navio de Jasão e dos Argonautas. Os termos deste paradoxo são conhecidos: Teseu, herói mitológico grego, tinha um barco com o nome Ariadna constituído integralmente por pranchas de madeira. Gradualmente, ao longo de vários anos de permanência do mar, essas pranchas são removidas e substituídas por outras pranchas. Um dia, sem que Teseu e a sua tripulação se tenham apercebido a última prancha original foi substituída de tal modo que todas elas são agora novas pranchas. O construtor de navios do estaleiro decidiu então aproveitar todas as peças substituídas construindo um novo navio, utilizando como plano o mesmo modelo utilizado na construção do barco Ariadna. A questão paradoxal é a seguinte: qual dos dois navios é ainda idêntico ao original? Teseu jurará a pés juntos que sempre navegou no mesmo navio e que o novo navio é apenas semelhante ao seu; por sua vez, o construtor habilidoso dirá que este novo navio é idêntico ao original tanto do ponto de vista material como formal. O paradoxo encontra-se no facto de ambos, tanto Teseu como o construtor, estarem a falar verdade.»
Carlos João Correia, «Schiller e o Problema da Identidade Pessoal», in Educação Estética e Utopia Política
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Natureza
«Quando Caeiro, no seu poema principal, exclama:
A Natureza [é partes] sem um todo,
afirma uma ideia que é inteiramente estranha à nossa mentalidade, uma ideia que nenhum de nós podia ter. Podemos, é claro, compreendê-la; mas ´não podemos nunca compreender como alguém a teve.
Ora toda a obra de Caeiro é composta de ideias dessas.
O grego Parménides tem a ideia seguinte do mundo: que ele é infinito, eterno, e uno, e, além disso, que tem a forma de uma esfera. Esta junção de qualidades é impensável para nós.
A Natureza [é partes] sem um todo,
afirma uma ideia que é inteiramente estranha à nossa mentalidade, uma ideia que nenhum de nós podia ter. Podemos, é claro, compreendê-la; mas ´não podemos nunca compreender como alguém a teve.
Ora toda a obra de Caeiro é composta de ideias dessas.
O grego Parménides tem a ideia seguinte do mundo: que ele é infinito, eterno, e uno, e, além disso, que tem a forma de uma esfera. Esta junção de qualidades é impensável para nós.
Ricardo Reis, Prosa
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
Hermann Broch (1886-1951)
«Para Broch a liberdade é o impulso anárquico, latente em cada eu, para o «alheamento» em relação aos outros homens. Esse impulso já está representado no reino anumal, na figura do «solitário». Se o homem apenas obedecesse ao desejo de liberdade do seu eu, seria «o animal anárquico». Mas como o homem é «incapaz de subsistir sem os seus semelhantes, e portanto incapaz de levar às últimas consequências as suas tendências anárquicas», tenta subjugar e escravizar os outros seres humanos. A faceta rebelde e anárquica do eu, que embora dependa dos outros homens prefere permanecer, no seu íntimo, totalmente alheado deles, para salvaguardar a sua indepêndencia, já nos primeiros escritos de Broch é apontada como uma das origens do mal radical. Mas nesses primeiros escritos permanece eclipsada pela análise que Broch faz do carácter puramente estético do verdadeiro mal. Nos escrios mais tardios, todos eles redigidos na perspectiva de teoria do conhecimento, a situação inverte-se. Da teoria do conhecimento decorre directamente a consequência política de que o homem, nas suas relações com os seus semelhantes, deverá estar sujeito à mesma coerção a que necessariamente se sujeita na cognição, ou seja, na sua relação consigo próprio. Broch nunca acreditou que esta esfera política, onde o homem age exteriormente e se vê enquadrado na engrenagem do mundo exterior, pudesse reger-se por categorias de origem política. «Pois a agitação e o bulício do mundo dificilmente podem ter outro resultado que não a anarquia...» e «a política é a mecânica do bulício exterior». A agitação do mundo deve sujeitar-se à mesma necessidade evidente e coerciva a que se sujeita o eu; e para que esta obrigação seja válida, deverá demonstrar-se que a coerção é de facto humana, ou seja, que brota realmente da humanidade do homem. A tarefa ético-política da teoria do conhecimento consiste em proceder a esta demonstração. A teoria deve mostrar que a humanidade do homem é uma necessidade coerciva e assim permite salvar-nos da anarquia.»
Hannah Arendt, Homens em Tempos Sombrios
sábado, 15 de janeiro de 2011
Eneias
«Onde quer que, e como quer que se pratique a arte, ela obedece a estas duas regras, sim, a obediências a estas regras é uma das virtudes essenciais do artista, e muitas vezes, se bem que nem sempre, do seu herói: se o virtuoso Eneias tivesse permanecido tão brando de coração como se poderia esperar dele, se num acesso de compaixão, ou como poeta quisesse obter um belo efeito de tensão e relutasse em matar o seu inimigo mortal, se ele, pensando melhor, não decidisse naquele momento realizar a terrífica acção, de maneira nenhuma teria sido o exemplo de brandura digna de emulação, mas em vez disso, seria uma figura tediosa e desprovida de heroismo, indigna de ser retratada em qualquer poema; quer tratasse de Eneias ou de outro qualquer e dos seus feitos, ma preocupação da arte era manter o equilíbrio, o grande equilíbrio nos limites da mais remota lonjura, era o seu símbolo indizivelmente flutuante e fugidio, que nunca acolheu em si o conteúdo isolado das coisas, mas apenas as relações porque é assim que o símbolo realiza a sua intenção, porque só nestas interligações se equilibram as contradições da existência, unidas as contradições de todas as tendências humanas - de que outro modo poderia o homem criar e compreender a arte? - brandura e crueldade unidas no equilíbrio da linguagem da beleza, no símbolo do equilíbrio entre o Eu e o Universo, no ébrio encanto de uma unidade, que perdura com o canto, mas não mais.»
Hermann Broch, A Morte de Virgílio
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
Orações
«Digo ainda as orações. Dentro da arrecadação onde durmo não há janela, e enquanto digo o Anjo da Guarda parece-me estar nos lavadouros com todo aquele céu aberto em vez do tecto. Não creio que isto seja por fé, faço-o por hábito, para não apagar as últimas palavras da noite. Rafaniello diz que à força de se insistir Deus é obrigado a existir, à força de orações formam-se as suas orelhas, à força de lágrimas os seus olhos vêem, à força de alegria o sorriso dele desponta. Como o bumerangue, penso: à força de exercício prepara-se o lançamento, mas será que a fé pode surgir com o treino? Repito as palavras dele por escrito, talvez mais tarde as compreenda. Diz também que cante para dar espaço aos pensamentos, senão ganham mofo fechados na boca. Se também eu me ponho a cantar com a voz apagada que tenho, há-de ser um festival cá dentro. Mest' Errico insiste em se fazer ouvir por cima da garlopa. Don Rufaniè, pergunto, não acha que à força de estar em Nápoles você se tornou napolitano? Não, diz a brincar, é que os napolitanos às tantas são uma das dez tribos perdidas de Israel. Como? Vocês perderam dez tribos? E com quantas ficaram? «So duas, uma é a de Judá que dá o nome aos judeus, um nome que vem do verbo agradecer.» Então vocês os judeus chamam-se obrigado? «É o que a palavra quer dizer, mas todos os vivos deveriam ter um nome assim, com uma palavra de agradecimento.»
Erri De Luca, Montedidio
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Apolo
«Vejo ainda, com a claridade da alma, que as lágrimas da lembrança não empanam, porque a visão não é externa... Vejo-o diante de mim, e vê-lo hei talvez eternamente como primeiro o vi. Primeiro, os olhos azuis de criança que não tem mêdo; depois, os malares já um pouco salientes, a côr um pouco pálida, e o estranho ar grego, que vinha de dentro e era uma calma, e não de fora, porque não era expressão nem feições. O cabelo, quási abundante, era louro, mas, se faltava luz, acastanhava-se. A estatura era média, tendendo para mais alta, mas curvada,, sem ombros altos. O gesto era branco, o sorriso era como era, a voz era igual, lançada num tom de quem não procurava senão dizer o que está dizendo - nem alta nem baixa, clara, livre de intenções, de hesitações, de timidezas. O olhar azul não sabia deixar de fitar. Se a nossa observação estranhava qualquer cousa, encontrava-a: a testa, sem ser alta, era poderosamente branca. Repito: era pela sua brancura, que parecia maior que a cara pálida, que tinha majestade. As mãos um pouco delgadas, mas não muito; a palma era larga. A expressão da bôca, a última cousa em que se reparava - como se falar fôsse, para êste homem, menos que existir -, era a de um sorriso como o que se atribui em verso às cousas inanimadas belas, só porque nos agradam - flores, campos largos, águas com sol -, um sorriso de existir, e não de nos falar.»
Álvaro de Campos, Notas para a Recordação do Meu Mestre Caeiro
O Regresso dos Deuses
«Os deuses não morreram: O que morreu foi a nossa visão deles. Não se foram: deixámos de os ver. Ou fechámos os olhos, ou entre eles e nós uma névoa qualquer se entremeteu. Subsistem, vivem como viveram, com a mesma divindade e a mesma calma.
Falamos muito, e com hipocrisia, no sentimento que temos da beleza antiga, e das civilizações mães da nossa, e que foram pagãs. Mas nós não temos a alma grega nem a alma romana. Amamo-las de perfil, incorporeamente. Nada da alma antiga está em nós ou connosco. A nossa ânsia da beleza clássica é toda cristã na sua fúria de perfeição, no seu desassossego (...) O sentimento que conduzimos, para amá-las, até ao soclo das estátuas helenas, é um insulto a elas. Amamos a beleza demasiadamente: os gregos não a amavam assim. Para o seu sentimento passara a calma da lucidez com que viam. Ver muito lucidamente prejudica o sentir demasiado. E os gregos viam muito lucidamente. Por isso pouco sentiam. De aí a sua perfeita execução da obra de arte. Para executar a obra de arte com perfeita perfeição é preciso não sentir excessivamente a beleza que se vai esculpir. A arte grega era toda de equilíbrio e (...). Era a arte de quem via sabendo ver.
Nós levamos para a sensação de uma estátua o sentimento, translato, que o cristianismo nos ensinou a levar para a admiração de Cristo na cruz, da perfeição moral, do ascético e do casto. Não é deslocando a direcção do nosso olhar iludido que conseguimos torná-lo lúcido e calmo. É criando em nós um novo modo de olhar e de sentir.
A mais antiga tradição da nossa civilização é a tradição grega. Devemos reatá-la. Temos que nos criar uma alma grega, para podermos continuar a obra da Grécia. Tudo posterior à Grécia tem sido um erro e um desvio. As nossas instituições políticas sofrem do colectivismo romano e do sentimentalismo cristão. Misturámos à dureza administrativa de Roma a moleza humanitária dos sermões de Cristo. É uma prova de quão longe andamos da alma grega, como ela era verdadeiramente.»
Falamos muito, e com hipocrisia, no sentimento que temos da beleza antiga, e das civilizações mães da nossa, e que foram pagãs. Mas nós não temos a alma grega nem a alma romana. Amamo-las de perfil, incorporeamente. Nada da alma antiga está em nós ou connosco. A nossa ânsia da beleza clássica é toda cristã na sua fúria de perfeição, no seu desassossego (...) O sentimento que conduzimos, para amá-las, até ao soclo das estátuas helenas, é um insulto a elas. Amamos a beleza demasiadamente: os gregos não a amavam assim. Para o seu sentimento passara a calma da lucidez com que viam. Ver muito lucidamente prejudica o sentir demasiado. E os gregos viam muito lucidamente. Por isso pouco sentiam. De aí a sua perfeita execução da obra de arte. Para executar a obra de arte com perfeita perfeição é preciso não sentir excessivamente a beleza que se vai esculpir. A arte grega era toda de equilíbrio e (...). Era a arte de quem via sabendo ver.
Nós levamos para a sensação de uma estátua o sentimento, translato, que o cristianismo nos ensinou a levar para a admiração de Cristo na cruz, da perfeição moral, do ascético e do casto. Não é deslocando a direcção do nosso olhar iludido que conseguimos torná-lo lúcido e calmo. É criando em nós um novo modo de olhar e de sentir.
A mais antiga tradição da nossa civilização é a tradição grega. Devemos reatá-la. Temos que nos criar uma alma grega, para podermos continuar a obra da Grécia. Tudo posterior à Grécia tem sido um erro e um desvio. As nossas instituições políticas sofrem do colectivismo romano e do sentimentalismo cristão. Misturámos à dureza administrativa de Roma a moleza humanitária dos sermões de Cristo. É uma prova de quão longe andamos da alma grega, como ela era verdadeiramente.»
Ricardo Reis, O Regresso dos Deuses
quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
À Une Passante
La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,
Une femme passa, ´d'une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l'ourlet;
Agile et noble, avec sa jambe de statue.
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l'ouragan,
La douceur que fascine el le plaisir qui tue.
Un éclair... puis la nuit! - Fugitive beauté
Dont le regard m'a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l'étérnité?
Ailleurs, bien loin d'ici! trop tard! jamais peut-être!
Car j'ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais!
Car j'ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais!
Charles Baudelaire, Les Fleurs du mal
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
O Poeta
«Oh, virtuoso é apenas aquele que o destino destinou para o cumprimento do dever de ajudar e de fortalecer a comunidade, só ele é escolhido por Júpiter para ser levado das brenhas pelo destino, mas quando a vontade comum do destino e de deus não permite este cumprimento do dever, então a incapacidade de ajudar e a falta de vontade de ajudar são consideradas uma e a mesma coisa, e são ambas punidas com a falta de ajuda: incapaz de ajuda, com falta de vontade de ajudar, sem ajuda dentro da comunidade humana, receoso da comunidade e encerrado no cárcere da arte, eis o poeta, sem guia e incapaz de guiar no seu abandono, e se ele se quisesse revoltar, se ele quisesse ajudar, despertar os outros na penumbra para assim reencontrar o caminho para o juramento e para a comunhão, tais anseios estavam, desde o início, condenados a fracassar; ele estava desde sempre condenado ao malogro - oh, e aqueles três tinham-lhe sido enviados para que ele, no meio da vergonha e do horror, tivesse consciência disso! a sua ajuda não passava de um simulacro de ajuda, a sua verdade era apenas uma verdade fictícia e mesmo que a humanidade as aceitasse serviriam apenas para a enganar e para lhe trazer calamidade, longe de a orientar para a salvação, longe da salvação. Sim, seria este o resultado: o ignorante surgirá como portador de conhecimentos para os que não querem receber conhecimento, o fazedor de palavras despertará a língua para os mudos, quem escreveu o dever imporá o dever aos ignorantes do dever, e ao paralítico cabe ser mestre dos cambaleantes.»
Hermann Broch, A Morte de Virgílio
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
IV. Death by Water
Phlebas the Phoenician, a fortnight dead,
Forgot the cry of gulls, and the deep sea swell
And the profit and loss.
A current under sea
Picked his bones in whispers. As he rose and fell
He passed the stages of his age and youth
Entering the whirlpool.
Gentile or Jew
O you turn the weel and look to windward,
Consider Phlebas, who was once handsome and tall as you.
Forgot the cry of gulls, and the deep sea swell
And the profit and loss.
A current under sea
Picked his bones in whispers. As he rose and fell
He passed the stages of his age and youth
Entering the whirlpool.
Gentile or Jew
O you turn the weel and look to windward,
Consider Phlebas, who was once handsome and tall as you.
T.S.Eliot, The Waste Land
Babel
«Os homens gostam da construção civil. Erigiram muralhas colossais,templos sobre colunas, pirâmides, castelos, arranha-céus, pontes. A sagrada escritura conta a complexa e inspirada equipa reunida por Salomão para construir o templo em Jerusalém. Ainda antes deste, um empreedimento gigantesco e visionário foi concebido pela humanidade nos seus inícios, segundo a narração do capítulo 11 do livro Bereshìt/ Génesis: um edifício que chegasse ao céu. Foi o mais grandioso projecto de todos os tempos, merecedor por este motivo do maior desastre. A humanidade não tinha outro desejo, outras ocupações: a escritura diz que usava palavras únicas, devarím ahadím. Estava concentrada numa única tarefa, como uma sociedade de abelhas, de formigas. Deus afastou-a desse beco sem saída: o céu não poderia ser alcançado com pedras e cal. Era uma multidão assustada a que se tinha reorganizado depois do dilúvio. Sonhava um lugar que nunca mais fosse submerso, uma altura que fundasse uma aliança com o céu, era esta a intenção da torre. Deus intervém com o dom misterioso das línguas que nos obriga a aprender muitos modos de nomear o mesmo sol, o mesmo pão. Teve em troca os alfabetos, as orações, os cantos. E teve o vasto mundo para habitar, afastando-se assim da ilusão de um centro. Pela primeira vez a intenção de Deus é de espalhar a humanidade por toda a superfície da terra. Pela primeira vez se lê esta sua vontade: «e dali os espalhou Iod / Deus sobre a face de toda a terra» (Bereshìt / Génesis 11, 9).
Juntamente com a multiplicação das línguas multiplicam-se os horizontes. Não haverá mais lugar da terra que permaneça sem uma pegada humana, sem uma tentativa de residência. Dos gelos habitados pelos esquimós a norte, como pelos povos da Terra do Fofo no sul, subindo os graus de latitude e de temperatura até aos desertos: a espécie humana move-se desde o vale Scin'ar para multiplicar-se pelo planeta e tornar-se assim inextirpável. Nenhum dilúvio ou epidemia a extinguirá, porque em alguma parte resistirá.
Não era preciso subir ao céu para sobreviver, não necessitava de se entrincheirar, mas antes lançar-se à aventura do mundo. Aqui Deus ensina que a espécie humana é tanto mais forte quanto mais é variada e quanto mais é colocada à prova. Toda a tentativa de lhe dar um só sangue, um só pão, um só remédio vai na direcção errada. E também um só Deus: porque deve agradar-lhe a infinita variedade com que as criaturas, animais incluídos, o sentem próximo.»
Juntamente com a multiplicação das línguas multiplicam-se os horizontes. Não haverá mais lugar da terra que permaneça sem uma pegada humana, sem uma tentativa de residência. Dos gelos habitados pelos esquimós a norte, como pelos povos da Terra do Fofo no sul, subindo os graus de latitude e de temperatura até aos desertos: a espécie humana move-se desde o vale Scin'ar para multiplicar-se pelo planeta e tornar-se assim inextirpável. Nenhum dilúvio ou epidemia a extinguirá, porque em alguma parte resistirá.
Não era preciso subir ao céu para sobreviver, não necessitava de se entrincheirar, mas antes lançar-se à aventura do mundo. Aqui Deus ensina que a espécie humana é tanto mais forte quanto mais é variada e quanto mais é colocada à prova. Toda a tentativa de lhe dar um só sangue, um só pão, um só remédio vai na direcção errada. E também um só Deus: porque deve agradar-lhe a infinita variedade com que as criaturas, animais incluídos, o sentem próximo.»
Erri De Luca, Caroço de Azeitona
domingo, 9 de janeiro de 2011
Myrtle
How funny your name would be
if you could follow it back to where
the first person thought of saying it,
naming himself that, or maybe
some other persons thought of it
and named that person. It would
be like following a river to its source,
which would be impossible. Rivers have no source,
They just automatically appear at a place
where they get wider, and soon a real
river comes along, with fish and debris,
regal as you please, and someone
has already given it a name: St. Benno
(saints are popular for this purpose) or, or
some other name, the name of his
long-lost girlfriend, who comes
at long last to impersonate that river,
on a stage, her voice clanking
like its bed, her clothing of sand
and pasted paper, a piece of real technology,
while all along she is thinking, I can
do what I want to do. But I want to stay here.
if you could follow it back to where
the first person thought of saying it,
naming himself that, or maybe
some other persons thought of it
and named that person. It would
be like following a river to its source,
which would be impossible. Rivers have no source,
They just automatically appear at a place
where they get wider, and soon a real
river comes along, with fish and debris,
regal as you please, and someone
has already given it a name: St. Benno
(saints are popular for this purpose) or, or
some other name, the name of his
long-lost girlfriend, who comes
at long last to impersonate that river,
on a stage, her voice clanking
like its bed, her clothing of sand
and pasted paper, a piece of real technology,
while all along she is thinking, I can
do what I want to do. But I want to stay here.
John Ashbery, Notes from the Air (selected later poems)
sábado, 8 de janeiro de 2011
Agamben
I latini chiamavano Genius il dio a cui ciascun uomo viene affidato al momento della nascita. E Genius è il principio che regge l’intera sua esistenza. E’ lui che festeggiamo il giorno della nostra nascita. E’ pensando a lui che ci battiamo la fronte quando crediamo di esserci dimenticati di noi stessi. Al Genio bisogna indulgere, è inutile dirsi che le sue - le nostre - sono solo manie! Contrastare il proprio Genio è il modo di rendersi triste la vita, imbrogliare se stessi… Ancora una volta, con singolare felicità, Giorgio Agamben insegue una parola nei suoi meandri antichi e negli usi quotidiani, e man mano che ne rivela il senso e la richezza, la nostra vita cambia aspetto, ci diventa famiiare e scopre una nuova fiducia, quella nel proprio Genio. Dopo il giorno del Giudizio, Agamben ci dà una nuova prosa, dove il pensiero trova il suo stato di grazia.
Genius
«A espiritualidade, já se disse, é, antes de mais nada, aquela consciência do facto de que o ser identificado não é inteiramente identificado, que contém ainda uma certa carga de realidade não identificada, que há não só que conservar, como também respeitar e, de certo modo, honrar, como se honram as próprias dívidas. Mas Genius não é, apenas, espiritualidade, não tem a ver, unicamente, com as coisas que consideramos mais nobres e elevadas. Todo o impessoal em nós é genial, genial é, antes do mais, a força que impele o sangue nas nossas veias ou nos faz mergulhar no sono, a potência ignorada que, no nosso corpo, regula e distribui tão suavemente a tepidez e relaxa ou contrai as fibras dos nossos músculos. É Genius que, obscuramente, pressentimos na intimidade da nossa vida fisiológica, ali onde o mais nosso é o mais estranho e impessoal, o mais próximo é o mais remoto e inapropriável. Se não nos abandonássemos a Genius, se fôssemos unicamente Eu e consciência, não poderíamos nem sequer urinar. Viver com Genius significa, neste sentido, viver na intimidade de um ser estranho, estar constantemente em relação com uma zona de não-conhecimento. Mas esta zona de não-conhecimento não é uma remoção, não afasta nem desloca as experiências do consciente para o inconsciente, onde se sedimenta como um passado inquietante, pronto a re-florar à superfície em sintomas e nevroses. A intimidade com uma zona de não-conhecimento é uma prática mística quotidiana em que o Eu, numa espécie de esoterismo especial e alegre, assiste, sorridente, ao seu próprio esfacelamento e, quer se trate da digestão dos alimentos ou da iluminação da mente, testemunha, incrédulo o seu próprio incessante faltar. Genius é a nossa vida, naquilo que não nos pertence.»
Giorgio Agamben, Profanações
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
The Oven Bird
There is a singer everyone has heard,
Loud, a mid-summer and a mid-wood bird,
Who makes the solid tree trunks sound again.
He says that leaves are old and that for flowers
Mid-summer is to spring as one to ten.
He says the early petal-fall is past
When pear and cherry bloom went down in showers
On sunny days a moment overcast;
And comes that other fall we name the fall.
He says the highway dust is over all.
The bird would cease and be as other birds
But that he knows in singing not to sing.
The question that he frames in all but words
Is what to make of a diminished thing.
Loud, a mid-summer and a mid-wood bird,
Who makes the solid tree trunks sound again.
He says that leaves are old and that for flowers
Mid-summer is to spring as one to ten.
He says the early petal-fall is past
When pear and cherry bloom went down in showers
On sunny days a moment overcast;
And comes that other fall we name the fall.
He says the highway dust is over all.
The bird would cease and be as other birds
But that he knows in singing not to sing.
The question that he frames in all but words
Is what to make of a diminished thing.
Robert Frost
F. Scott Fitzgerald
«- Deves começar a pôr dinheiro de parte - garantia-me há pouco o Rapaz de Futuro. - Achas que é muito fino gastar tudo quanto ganhas, mas qualquer dia ainda te vês obrigado a recorrer à sopa dos pobres.
Aborrecia-me, esta conversa, mas bem sabia que era impossível fazê-lo calar-se e pedi-lhe então que me dissesse como devia actuar.
- É muito simples - respondeu com alguma impaciência - basta fazeres um depósito impossível de levantar, mesmo que queiras...
Não era a primeira vez que eu ouvia isto. Tratava-se do Sistema Número 999. Desde o início da minha carreira, há quatro anos, que eu experimentava o Número 1. Um mês antes de casar eu tinha ido falar com um corretor de fundos e pedi-lhe parecer sobre a forma de investir dinheiro.
- Só mil dólares - confessei - mas parece-me acertado fazer já economias.
Reflectiu, o homem.
- Não opte pelas obrigações Liberty - aconselhou - que são muito fáceis de trocar por dinheiro. Precisa é de um investimento saudável e pouco móvel, que não possa de cinco em cinco ser mexido.
Acabou por me escolher um título que rendia sete por cento e não tinha cotação na Bolsa. E assim fiz o empate dos mil dólares, dando início à minha carreira de capitalista.
Que terminou nesse mesmo dia.»
Aborrecia-me, esta conversa, mas bem sabia que era impossível fazê-lo calar-se e pedi-lhe então que me dissesse como devia actuar.
- É muito simples - respondeu com alguma impaciência - basta fazeres um depósito impossível de levantar, mesmo que queiras...
Não era a primeira vez que eu ouvia isto. Tratava-se do Sistema Número 999. Desde o início da minha carreira, há quatro anos, que eu experimentava o Número 1. Um mês antes de casar eu tinha ido falar com um corretor de fundos e pedi-lhe parecer sobre a forma de investir dinheiro.
- Só mil dólares - confessei - mas parece-me acertado fazer já economias.
Reflectiu, o homem.
- Não opte pelas obrigações Liberty - aconselhou - que são muito fáceis de trocar por dinheiro. Precisa é de um investimento saudável e pouco móvel, que não possa de cinco em cinco ser mexido.
Acabou por me escolher um título que rendia sete por cento e não tinha cotação na Bolsa. E assim fiz o empate dos mil dólares, dando início à minha carreira de capitalista.
Que terminou nesse mesmo dia.»
F. Scott Fitzgerald, «Viver Um Ano com 36000 Dólares», in A Fenda Aberta
Cá nesta Babilónia donde mana
Cá nesta Babilónia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
Cá, onde o puro Amor não tem valia,
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;
Cá, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;
Cá, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza;
Cá, neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!
Matéria a quanto mal o mundo cria;
Cá, onde o puro Amor não tem valia,
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;
Cá, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;
Cá, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza;
Cá, neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!
Camões
Jeremias
«1A palavra que falou o SENHOR contra a Babilónia, contra a terra dos caldeus, por intermédio de Jeremias, o profeta. 2Anunciai entre as nações; e fazei ouvir, e arvorai um estandarte, fazei ouvir, não encubrais; dizei: Tomada está Babilónia, confundido está Bel, espatifado está Merodaque, confundidos estão os seus ídolos, e quebradas estão as suas imagens. 3Porque subiu contra ela uma nação do norte, que fará da sua terra uma solidão, e não haverá quem nela habite; tanto os homens como os animais fugiram, e se foram. 4Naqueles dias, e naquele tempo, diz o SENHOR, os filhos de Israel virão, eles e os filhos de Judá juntamente; andando e chorando virão, e buscarão ao SENHOR seu Deus. 5Pelo caminho de Sião perguntarão, para ali voltarão os seus rostos, dizendo: Vinde, e unamo-nos ao SENHOR, numa aliança eterna que nunca será esquecida. 6Ovelhas perdidas têm sido o meu povo, os seus pastores as fizeram errar, para os montes as desviaram; de monte para outeiro andaram, esqueceram-se do lugar do seu repouso. 7Todos os que as achavam as devoravam, e os seus adversários diziam: Culpa nenhuma teremos; porque pecaram contra o SENHOR, a morada da justiça, sim, o SENHOR, a esperança de seus pais. 8Fugi do meio de Babilónia, e saí da terra dos caldeus, e sede como os bodes diante do rebanho. 9Porque eis que eu suscitarei e farei subir contra a Babilónia uma congregação de grandes nações da terra do norte, e se prepararão contra ela; dali será tomada; as suas flechas serão como as de valente herói, nenhuma tornará sem efeito. 10A Caldéia servirá de presa; todos os que a saquearam serão fartos, diz o SENHOR. 11Porquanto vos alegrastes, e vos regozijastes, ó saqueadores da minha herança, porquanto vos engordastes como novilha no pasto, e mugistes como touros. 12Será mui confundida vossa mãe, ficará envergonhada a que vos deu à luz; eis que ela será a última das nações, um deserto, uma terra seca e uma solidão. 13Por causa do furor do SENHOR não será habitada, antes se tornará em total assolação; qualquer que passar por Babilónia se espantará, assobiará por todas as suas pragas. 14Ordenai-vos contra Babilónia ao redor, todos os que armais arcos; atirai-lhe, não poupeis as flechas, porque pecou contra o SENHOR. 15Gritai contra ela ao redor, ela já se submeteu; caíram seus fundamentos, estão derrubados os seus muros; porque esta é a vingança do SENHOR; vingai-vos dela; como ela fez, assim lhe fazei. 16Arrancai de Babilónia o que semeia, e o que leva a foice no tempo da sega; por causa da espada aflitiva virar-se-á cada um para o seu povo, e fugirá cada um para a sua terra. 17Cordeiro desgarrado é Israel; os leões o afugentaram; o primeiro a devorá-lo foi o rei da Assíria; e, por último Nabucodonosor, rei de Babilónia, lhe quebrou os ossos. 18Portanto, assim diz o SENHOR dos Exércitos, Deus de Israel: Eis que castigarei o rei de Babilónia, e a sua terra, como castiguei o rei da Assíria. 19E farei tornar Israel para a sua morada, e ele pastará no Carmelo e em Basã; e fartar-se-á a sua alma no monte de Efraim e em Gileade. 20Naqueles dias, e naquele tempo, diz o SENHOR, buscar-se-á a maldade de Israel, e não será achada; e os pecados de Judá, mas não se acharão; porque perdoarei os remanescentes que eu deixar. 21Sobe contra a terra de Merataim, sim, contra ela, e contra os moradores de Pecode; assola e inteiramente destrói tudo após eles, diz o SENHOR, e faze conforme tudo o que te mandei. 22Estrondo de batalha há na terra, e de grande destruição. 23Como foi cortado e quebrado o martelo de toda a terra! Como se tornou Babilónia objeto de espanto entre as nações! 24Laços te armei, e também foste presa, ó Babilónia, e tu não o soubeste; foste achada, e também apanhada; porque contra o SENHOR te entremeteste. 25O SENHOR abriu o seu depósito, e tirou os instrumentos da sua indignação; porque o Senhor DEUS dos Exércitos, tem uma obra a realizar na terra dos caldeus. 26Vinde contra ela dos confins da terra, abri os seus celeiros; fazei dela montões de ruínas, e destruí-a de todo; nada lhe fique de sobra. 27Matai a todos os seus novilhos, desçam a matança. Ai deles, porque veio o seu dia, o tempo do seu castigo! 28Eis a voz dos que fugiram e escaparam da terra de Babilónia, para anunciarem em Sião a vingança do SENHOR nosso Deus, a vingança do seu templo. 29Convocai contra Babilónia os flecheiros, a todos os que armam arcos; acampai-vos contra ela em redor, ninguém escape dela; pagai-lhe conforme a sua obra, conforme tudo o que fez, fazei-lhe; porque se houve arrogantemente contra o SENHOR, contra o Santo de Israel. 30Portanto, cairão os seus jovens nas suas ruas; e todos os seus homens de guerra serão desarraigados naquele dia, diz o SENHOR. 31Eis que eu sou contra ti, ó soberbo, diz o Senhor DEUS dos Exércitos; porque veio o teu dia, o tempo em que te hei de castigar. 32Então tropeçará o soberbo, e cairá, e ninguém haverá que o levante; e porei fogo nas suas cidades, o qual consumirá todos os seus arredores. 33Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Os filhos de Israel e os filhos de Judá foram oprimidos juntamente; e todos os que os levaram cativos os retiveram, não os quiseram soltar. 34Mas o seu Redentor é forte, o SENHOR dos Exércitos é o seu nome; certamente pleiteará a causa deles, para dar descanso à terra, e inquietar os moradores de Babilónia. 35A espada virá sobre os caldeus, diz o SENHOR, e sobre os moradores de Babilónia, e sobre os seus príncipes, e sobre os seus sábios. 36A espada virá sobre os mentirosos, e ficarão insensatos; a espada virá sobre os seus poderosos, e desfalecerão. 37A espada virá sobre os seus cavalos, e sobre os seus carros, e sobre toda a mistura de povos, que está no meio dela; e tornar-se-ão como mulheres; a espada virá sobre os seus tesouros, e serão saqueados. 38Cairá a seca sobre as suas águas, e secarão; porque é uma terra de imagens esculpidas, e pelos seus ídolos andam enfurecidos. 39Por isso habitarão nela as feras do deserto, com os animais selvagens das ilhas; também habitarão nela as avestruzes; e nunca mais será povoada, nem será habitada de geração em geração. 40Como quando Deus subverteu a Sodoma e a Gomorra, e as suas cidades vizinhas, diz o SENHOR, assim ninguém habitará ali, nem morará nela filho de homem. 41Eis que um povo vem do norte; uma grande nação e muitos reis se levantarão dos extremos da terra. 42Armam-se de arco e lança; eles são cruéis, e não têm piedade; a sua voz bramará como o mar, e sobre cavalos cavalgarão, todos postos em ordem como um homem para a batalha, contra ti, ó filha de Babilónia. 43O rei de Babilónia ouviu a sua fama, e desfaleceram as suas mãos; a angústia se apoderou dele, como da que está de parto. 44Eis que ele como leão subirá da enchente do Jordão, contra a morada forte, porque num momento o farei correr dali; e quem é o escolhido que porei sobre ela? porque quem é semelhante a mim, e quem me fixará o tempo? E quem é o pastor que poderá permanecer perante mim? 45Portanto ouvi o conselho do SENHOR, que ele decretou contra Babilónia, e os seus desígnios que intentou contra a terra dos caldeus: certamente os pequenos do rebanho serão arrastados; certamente ele assolará as suas moradas sobre eles. 46Ao estrondo da tomada de Babilónia estremeceu a terra; e o grito se ouviu entre as nações.»
Jer, 50
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
Mateus, 5, 1-15
«1E Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte, e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos; 2E, abrindo a sua boca, os ensinava, dizendo: 3Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus; 3Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; 4Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; 5Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; 6Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; 7Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; 8Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; 9Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; 10Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. 11Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós. 12Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens. 13Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte; 14Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa. 15Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.»
Mt, 5, 1-15
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
À Fragilidade da Vida Humana
Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.
Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse estio em vesúvios encendido
Foi Zéfiro suave, em doce agrado.
Se a nau, o sol, a rosa, a primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,
Olha, cego mortal, e considera
Que és rosa, primavera, sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.
Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse estio em vesúvios encendido
Foi Zéfiro suave, em doce agrado.
Se a nau, o sol, a rosa, a primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,
Olha, cego mortal, e considera
Que és rosa, primavera, sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.
Francisco de Vasconcelos
Frank Lentricchia
«Behind closed doors, with only undergraduates in attendance, I become something of a rhapsode. As Plato says in Ion, rhapsodes are enthusiasts. We're out of our minds. Like all rhapsodes, I like to recite from the text. I tell my students that in true recitation, we're possessed, we are the medium for the writer's voice. I speak the text as the writer would speak it - this is my radical and unverifiable claim - and the phrases and sentences flow out of me as they flowed from him in the process of creating the text. The writer flows into me and out of me: my mouth his exit into our world.
My listener-students, in the moment of recitation, are infused, taken over by the writer's original voice embodied in me. They too become possessed. Rhapsode and audience assume a single strange consciousness, not their own: "living", not " knowing", the text. We are simply, and collectively, mad.
Because I am an imperfect rhapsode, I bring to my students what I know about literary history, the author's life and times, literary forms, types, and styles: real knowledge, slowly and sometimes painfully gained over a lifetime, which takes me to the brink of the text itself. (...) I share this knowledge with my students, but it doesn't substitute for an honest act of reading.»
My listener-students, in the moment of recitation, are infused, taken over by the writer's original voice embodied in me. They too become possessed. Rhapsode and audience assume a single strange consciousness, not their own: "living", not " knowing", the text. We are simply, and collectively, mad.
Because I am an imperfect rhapsode, I bring to my students what I know about literary history, the author's life and times, literary forms, types, and styles: real knowledge, slowly and sometimes painfully gained over a lifetime, which takes me to the brink of the text itself. (...) I share this knowledge with my students, but it doesn't substitute for an honest act of reading.»
Frank Lentricchia, «Last Will and Testament of an ex-Literary Critic». in Lingua Franca, September/October, 1996
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Fé
Io non sono un uomo di fede, sono un uomo di ragione e diffido di tutte le fedi, però distinguo la religione dalla religiosità. Religiosità significa per me, semplicemente, avere il senso dei propri limiti, sapere che la ragione dell’uomo è un piccolo lumicino, che illumina uno spazio infimo rispetto alla grandiosità, all’immensità dell’universo. L’unica cosa di cui sono sicuro, sempre stando nei limiti della mia ragione – perché non lo ripeterò mai abbastanza: non sono un uomo di fede, avere la fede è qualcosa che appartiene a un mondo che non è il mio – è semmai che io vivo il senso del mistero, che evidentemente è comune tanto all’uomo di ragione che all’uomo di fede.
Norberto Bobbio, “Religione e Religiosità”, in Micromega, n° 2/2000
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
O Convertido
(A Gonçalves Crespo)
Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente do infinito.
Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza...
Mas, um dia, abalou-se-me a firmeza,
Deu-me rebate o coração contrito!
Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!
Amortalhei na fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento...
Só me falta saber se Deus existe!
Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente do infinito.
Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza...
Mas, um dia, abalou-se-me a firmeza,
Deu-me rebate o coração contrito!
Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!
Amortalhei na fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento...
Só me falta saber se Deus existe!
Antero de Quental, Sonetos
H
«Toutes les monstruosités violent les gestes atroces d'Hortence. Sa solitude est la mécanique érotique; sa lassitude, la dynamique amoureuse. Sous la surveillance d'une enfance, elle a été, à des époques nombreuses, l'ardent hygiène des races. Sa porte est ouverte à la misère. Là, la moralité des êtres actuels se décorpore en sa passion ou en son action. - O terrible frisson des amours novices sur le sol sanglant et par l'hydrogène clarteux! trouvez Hortense.»
Jean-Arthur Rimbaud, Illuminations
Voi ch’ascoltate in rime sparse il suono
Voi ch'ascoltate in rime sparse il suono
di quei sospiri ond'io nudriva 'l core
in sul mio primo giovenile errore
quand'era in parte altr'uom da quel ch'i' sono,
del vario stile in ch'io piango e ragiono
fra le vane speranze e 'l van dolore,
ove sia chi per prova intenda amore,
spero trovar pietà, nonché perdono.
Ma ben veggio or sì come al popol tutto
favola fui gran tempo, onde sovente
di me medesmo meco mi vergogno;
e del mio vaneggiar vergogna è 'l frutto,
e 'l pentersi, e 'l conoscer chiaramente
che quanto piace al mondo è breve sogno.
di quei sospiri ond'io nudriva 'l core
in sul mio primo giovenile errore
quand'era in parte altr'uom da quel ch'i' sono,
del vario stile in ch'io piango e ragiono
fra le vane speranze e 'l van dolore,
ove sia chi per prova intenda amore,
spero trovar pietà, nonché perdono.
Ma ben veggio or sì come al popol tutto
favola fui gran tempo, onde sovente
di me medesmo meco mi vergogno;
e del mio vaneggiar vergogna è 'l frutto,
e 'l pentersi, e 'l conoscer chiaramente
che quanto piace al mondo è breve sogno.
Francesco Petrarca, Rime
sábado, 1 de janeiro de 2011
Professoressa Giulia Lanciani
Às vezes, contagiados pela tonalidade dos tempos, esquecemo-nos daquilo em que somos bons, daquilo em que temos de facto valor. Contudo, quando assistimos ao modo abnegado, dedicado, cheio de afecto como para nós olham, quando nos observam do lado de fora, sentimo-nos reconhecidos. A Professora Lanciani tem dedicado a sua vida à cultura portuguesa e ajudou-me a ter para com o meu país a paciência que se tem para com as coisas e as pessoas que nos são mais chegadas. Bem-haja, Professora!
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