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quarta-feira, 16 de março de 2011

Lusíadas

«A glória actual de Os Lusíadas parece por isso estar relacionada com aspectos da obra, convenientemente expurgados de implicações políticas e autobiográficas indesejáveia, e a obra é hoje celebrada, pelo menos em Portugal, sobretudo pelo seu valor cognitivo e acúmen filosófico. Dúzias de livros e artigos, a maior parte dos quais entusiasticamente encorajados por comissões e institutos públicos (et pour cause) têm ultimamente sido devotados às descrições minuciosas que Camões terá feito de calamidades meteorológicas, pormenores geográficos, espécies vegetais e animais, curiosidades etnográficas e coisas de marinharia. O poeta foi alternadamente louvado pela sua antecipação do cálculo infinitesimal e do materialismo histórico, coincidindo a maior parte dos louvores na exaltação de um extraordinário encontro de culturas que Os Lusíadas, ao arrepio de uma prevalecente pandemia eurocêntrica, inauguram. É bom ver que o excepcionalismo português está bem e se recomenda, apesar de todas as expedições etnológicas do poema invariavelmente terminarem na farsa e no desastre, com Fernões Velosos (no Canto V) e Leonardos (no Canto IX), seguros da sua força (no primeiro caso) e do seu Petrarca (no segundo) a reiterarem, isso sim, a figura do arroseur arrosé, do etnólogo caçado pelos seus objectos: onde imagináramos o Tenente Valadim, encontramos sempre Ovídio. A obstinação com que teses gerais sobre o livro contradizem os pormenores mais incontroversos do próprio livro parece sugerir que o que em todos estes casos se dá por adquirido é porventura o dócil valor de exemplo do poema propriamente dito. Em consequência, quer o cepticismo cognitivo difuso do poema, quer as suas qualidades literárias (sem falar na relação entre estas duas coisas) foram quase completamente esquecidos - e justamente só não foram esquecidos pelos melhores comentadores do poema, a começar por Faria e Sousa.»

Miguel Tamen, Artigos Portugueses

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