26 de Novembro de 2000
Estamos em crise. Chegou o momento em que já não se pode esconder aquilo que era evidente há algum tempo. Mas esta crise não é uma crise nova. É uma repetição. No tempo de Cavaco Silva, existiram dois momentos marcantes assinalados por intervenções marcantes do então Primeiro-Ministro. As afirmações “deixem-nos trabalhar” e a assumpção de um oásis inexistente, mostravam naquela altura aquilo de que os políticos não se sabiam ocupar: os problemas concretos das pessoas. Com António Guterres, nos últimos tempos, a ideia de oásis foi transformada na afirmação de que Portugal è um país tranquilo, na periferia de uma Europa agitada. Lá, na Europa, existe agitação social, motivada pelos aumentos dos preços dos combustíveis. Aqui, no nosso cantinho, estamos em paz, porque o nosso guia espiritual não quis arranjar confusões e lembrou-se dos pobrezinhos que andam de carro todos os dias de casa para o emprego. Mais recentemente, inquirido acerca das últimas estimativas de grandes organizações internacionais acerca do insuficiente crescimento da economia, António Guterres apenas respondeu que não se preocupava com essas coisas porque apenas sabia trabalhar pelos interesses de Portugal. Como são sábios os nossos políticos-avestruzes!
O nosso cantinho está tão arrumadinho que nem sabemos que bem perto de nós existem bandos organizados de neo-nazis que matam diante de cidadãos que os temem e receiam enfrentar. A indiferença è um dos maiores males da condição humana. O seu exercício mais elevado não se manifesta, è cego, surdo e mudo. Ninguém viu, ouviu ou disse. O mal avança e nós contemplamo-lo como se ele existisse dentro uma qualquer residência vigiada. Só que sem vigilantes. Apenas com observadores que se limitam a fazer o nobre trabalho de investigação com base nos modos como homens e mulheres reagem sob a pressão de um qualquer cativeiro.
Comemorou-se ontem o vigésimo quinto aniversário do 25 de Novembro de 1975. Que dizer de uma data que fez emergir os últimos heróis desta nação em delirium tremens? È bom sabermos que alguns ainda estão vivos, que ainda respiram. Mas toda esta energia organizativa não será muito mais fruto de uma necessidade de mostrar como os homens podem ser bons e, por reflexo, sugerir que os políticos, descendentes daqueles homens, também são, pelo menos, bem intencionados? Logo se verá.
O mês que passou mostrou-me um Proust que eu não conhecia e que ainda saboreio.
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