- De cuidar de si próprio.
- Sim, em vez de deixar esse cuidado a outros.
- Com efeito, nas famílias esse trabalho recaía sobre as mulheres, a esposa, a criada...
- Claro, encarregava-se dele qualquer outra pessoa. Em contrapartida, no Lager era necessário tomá-lo a peito. Eu próprio estive em grande perigo nos primeiros dias por causa de um facto importante para nós italianos: a impossibilidade de comunicar; e creio que fui salvo pela amizade. Senti essa impossibilidade como um ferro em brasa a queimar-me, como uma tortura; caíamos num meio onde não compreendíamos uma palavra, onde a palavra não podia ser compreendida, onde não conseguíamos ser entendidos. Era uma grande sorte encontrar um italiano com quem comunicar. Éramos poucos italianos, cerca de cem em dez mil, um por cento dos presos do Lager, e os estrangeiros a falar a nossa língua eram raros; entre nós quase ninguém falava alemão ou polaco, só alguns falavam francês. Sofríamos de um terrível isolamento linguístico. E descobrir uma brecha, um meio de ultrapassar esse isolamento linguístico, era um factor de sobrevivência. E encontrar na outra extremidade do fio uma pessoa amiga era a salvação. Ora, este rapaz, Alberto, de quem falei frequentemente nos meus livros, era o homem providencial, tinha coragem para dar e vender, para ele e para os outros, tinha todas as condições para a prodigalizar e eu fui parar ao pé dele por mero acaso, sem nunca compreender muito bem... Encontrei nele um salvador; não sei o que é que ele encontrava em mim para me dizer: "És uma pessoa de sorte." Eu não sabia bem no que ele se baseava para dizer isso, mas o destino veio a mostrar-me depois que tive sorte. Tentei várias vezes teorizar sobre o que me tinha salvo e concluí pouca coisa, concluí que o acaso tinha sido o factor dominante. Por exemplo, no meu caso, eu, que não tinha uma saúde particularmente sólida, estive um ano inteiro sem adoecer, mesmo de uma banal infecção, que aliás podia ser perigosa.
- E depois, finalmente...
- Fiquei doente numa altura propícia, quando era uma sorte, porque os alemães abandonaram, de forma completamente imprevisível, os doentes ao seu destino.»
Primo Levi, O Dever de Memória
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