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sábado, 27 de novembro de 2010

O Jogo do Reverso

«Quando Maria do Carmo Meneses de Sequeira morreu, estava eu a olhar para Las Meninas de Velasquez no museu do Prado. Era um meio dia de Julho e eu não sabia que ela estava a morrer. Fiquei a olhar para o quadro até às doze e um quarto, depois saí devagar procurando levar na memória a expressão da figura do fundo, lembro-me de ter pensado nas palavras de Maria do Carmo, a chave do quadro está na figura do fundo: é um jogo do reverso; atravessei o jardim e apanhei o autocarro até à Puerta del Sol, almocei no hotel, um gazpacho bem frio e fruta, e voltei à penumbra do meu quarto para fugir ao calor. Acordou-me o telefone por volta das cinco, ou talvez não, estava numa estranha sonolência, lá fora havia o rumor do trânsito da cidade e no quarto o do aparelho de ar condicionado que, porém, na minha consciência era o motor de um pequeno rebocador azul que atravessa a foz do Tejo à tardinha, enquanto eu e Maria do Carmo o seguíamos com o olhar. É uma chamada de Lisboa, disse-me a voz da telefonista, depois ouvi a pequena descarga eléctrica do comutador e uma voz de homem, neutra e baixa, perguntou o meu nome e depois disse sou Nuno Meneses Sequeira, Maria do Carmo morreu ao meio dia, o enterro é amanhã às cinco da tarde, telefono-lhe por sua vontade expressa. O telefone fez clic e eu disse está está, Senhor Doutor desligaram, disse a telefonista, a comunicação interrompeu-se.»

Antonio Tabucchi, O Jogo do Reverso

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